Pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da Universidade de São Paulo (USP) identificaram variações genéticas no DNA humano que podem ajudar a explicar por que alguns pacientes continuam apresentando inflamação mesmo após um tratamento de canal bem executado. O estudo investigou a chamada periodontite apical persistente (PAP), uma inflamação crônica que afeta a região ao redor da raiz do dente, e foi publicado na revista científica Archives of Oral Biology. A informação é do Jornal da USP.
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A pesquisa foi conduzida pelo Laboratório de Pesquisa em Endodontia da Forp-USP, sob coordenação do professor Manoel Damião Sousa Neto, e contou com a participação do professor Igor Bassi Ferreira Petean, do Departamento de Odontologia Restauradora. Os resultados indicam que polimorfismos genéticos, pequenas variações no DNA, em dois genes ligados à resposta inflamatória e ao metabolismo ósseo podem influenciar diretamente o sucesso da cicatrização após o tratamento endodôntico.
A periodontite apical ocorre, em geral, como consequência de cáries profundas ou traumas, que levam à morte da polpa dental e à infecção do canal radicular. O tratamento de canal remove o tecido comprometido e sela o espaço interno do dente. Ainda assim, entre 10% e 15% dos casos evoluem para a forma persistente da doença, mesmo quando o procedimento é tecnicamente adequado.
Segundo os pesquisadores, a observação clínica de respostas diferentes entre pacientes submetidos ao mesmo protocolo foi o ponto de partida do estudo. “Percebemos que indivíduos tratados de forma semelhante apresentavam desfechos distintos, o que sugeria a influência de fatores individuais, incluindo características genéticas”, explica Petean.
Análise genética
O estudo analisou 423 pacientes brasileiros que haviam passado por tratamento de canal. Desse total, 172 apresentaram periodontite apical persistente, enquanto 251 tiveram cicatrização completa. Foram excluídos casos com falhas técnicas evidentes, como fratura radicular ou tratamento endodôntico inadequado, para garantir que a análise se concentrasse em fatores biológicos.
As amostras genéticas foram obtidas a partir da saliva dos pacientes, coletada por meio de bochecho com solução salina. O DNA foi extraído e analisado por meio da técnica de PCR em tempo real com sistema TaqMan, que permite identificar variações genéticas com alta precisão.
Os pesquisadores investigaram genes associados à inflamação, como TNF-α, SOCS1 e os receptores TNFRSF1A e TNFRSF1B, e ao metabolismo ósseo, incluindo RANK, RANKL e OPG, todos relacionados à regulação da resposta inflamatória e da remodelação do osso ao redor da raiz do dente.
Variantes
Os resultados mostraram que dois polimorfismos específicos estiveram associados a um menor risco de desenvolver a PAP. Pacientes com o alelo A no gene TNF-α e aqueles homozigotos para o alelo T no gene RANKL apresentaram maior chance de cicatrização após o tratamento.
No caso do TNF-α, a variante genética está relacionada a níveis mais baixos de citocinas inflamatórias, reduzindo a intensidade da inflamação. Já o genótipo TT do RANKL está associado a uma regulação mais equilibrada da remodelação óssea, favorecendo a recuperação do tecido afetado.
Outros genes analisados não apresentaram associação isolada significativa. No entanto, a análise conjunta revelou uma interação entre TNF-α, TNFRSF1B e RANKL, indicando que o risco ou a proteção contra a doença pode depender da ação combinada de múltiplos genes, e não de um único marcador genético.
Odontologia de precisão
Embora o estudo tenha sido realizado apenas com pacientes da região Sudeste do Brasil, o que limita a generalização dos resultados, os autores destacam que os achados reforçam a visão de que a periodontite apical persistente tem origem multifatorial. Além da técnica clínica, fatores genéticos, ambientais e até epigenéticos influenciam os desfechos do tratamento.
“Esses resultados devem ser interpretados com cautela, mas indicam a necessidade de novos estudos, com amostras maiores e mais diversas”, afirma Petean. Segundo ele, a identificação de marcadores genéticos pode, no futuro, ajudar a prever o risco de insucesso, orientar estratégias terapêuticas personalizadas e definir protocolos de acompanhamento mais específicos.
A equipe já trabalha na ampliação das pesquisas, integrando análises genéticas, epigenéticas e dados clínicos e radiográficos. O objetivo é desenvolver modelos preditivos que apoiem decisões individualizadas em endodontia. “Queremos consolidar bases científicas para aplicar os princípios da Odontologia de Precisão, aproximando os tratamentos de uma abordagem cada vez mais personalizada e eficaz”, conclui o pesquisador.

