Um novo método de análise do esmalte dos dentes pode abrir caminhos para uma compreensão mais profunda da saúde humana, desde as civilizações antigas até as populações modernas. O estudo, publicado no Journal of Archaeological Science, investiga duas proteínas imunológicas incorporadas no esmalte dentário: a imunoglobulina G (IgG), um anticorpo responsável pelo combate a infecções, e a proteína C reativa, presente durante inflamações no organismo.
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Segundo Tammy Buonasera, professora assistente na Universidade do Alasca, em Fairbanks, e autora principal da pesquisa, essas proteínas encontradas nos dentes oferecem uma nova forma de estudar a saúde física e, possivelmente, até emocional de populações passadas. “A análise de proteínas imunológicas no esmalte nunca foi feita antes e isso abre a porta para estudar doenças e saúde de uma maneira mais detalhada”, afirmou Buonasera.
O estudo teve início quando Buonasera era pesquisadora na Universidade da Califórnia, em Davis, e contou com a colaboração de tribos indígenas locais. A pesquisa analisou proteínas em dentes de três grupos distintos:
- Povo ancestral Ohlone, que viveu na região da Baía de São Francisco entre o final de 1700 e início de 1800. Seus esqueletos foram encontrados durante uma obra em 2016, e os descendentes indígenas autorizaram o uso dos dentes no estudo.
- Colonos europeus do século XIX, enterrados em um cemitério na cidade de São Francisco.
- Cadetes militares modernos, que doaram seus dentes do siso.
Os pesquisadores compararam os níveis de proteínas imunológicas nos dentes de cada grupo com o contexto histórico e social em que viveram. O povo Ohlone, por exemplo, enfrentou altos níveis de estresse, mortalidade elevada e doenças infecciosas trazidas pelos colonizadores. Por outro lado, os colonos europeus, embora com expectativa de vida menor do que a atual, sofreram menos com doenças em comparação ao povo indígena. Já os cadetes militares, presumidamente, apresentavam melhores condições de saúde e nutrição.
Os resultados revelaram que os dentes do povo Ohlone continham níveis significativamente mais altos de imunoglobulina G e proteína C reativa do que os dos outros dois grupos, refletindo o intenso estresse e as condições adversas que essa população enfrentou. “É comovente pensar nas crianças dessa época, que provavelmente perderam os pais para doenças, foram forçadas a viver em um ambiente cultural estranho e como isso afetou seu bem-estar”, disse Jelmer Eerkens, professor de antropologia da Universidade da Califórnia, Davis, e coautor do estudo.
Um novo olhar sobre a saúde humana ao longo do tempo
Buonasera destaca que essa nova abordagem pode proporcionar uma visão mais detalhada das experiências de saúde em diferentes momentos da história humana. Isso porque os dentes se formam em várias fases do desenvolvimento, desde o útero até a adolescência, e registram informações sobre a saúde ao longo desse período, como os anéis de uma árvore. “Os dentes podem nos fornecer um registro contínuo da saúde de uma pessoa, desde o nascimento até o início da idade adulta”, explicou a pesquisadora.
Além disso, as proteínas imunológicas no esmalte dentário podem revelar respostas a doenças e inflamações de maneira mais precisa do que a análise de ossos ou estruturas dentárias, que muitas vezes não deixam vestígios visíveis de algumas enfermidades. Outra vantagem é que o esmalte se decompõe muito mais lentamente do que outros tecidos corporais, preservando informações cruciais por milhares de anos.
Esse método inovador também pode ser aplicado para estudar os efeitos do estresse e das doenças nas populações modernas. “Analisar o estresse e as respostas imunológicas em populações antigas pode oferecer comparações valiosas com os estilos de vida modernos”, ressaltou Buonasera.
O estudo também foi inovador pela precisão que o novo método oferece. Glendon Parker, professor associado da UC Davis e coautor do artigo, afirmou que a abordagem utilizada por Buonasera e sua equipe é relevante para inúmeras questões. “Essas novas ferramentas nos darão uma visão mais profunda da vida das pessoas do passado. É um momento empolgante para a bioantropologia”, concluiu.
Essa pesquisa abre caminho para descobertas não apenas sobre a vida dos antigos humanos, mas também sobre como o estresse e as doenças impactam as sociedades contemporâneas.