Uma proteína conhecida por dar às pulgas a capacidade de saltar a grandes distâncias está no centro de uma inovação promissora para a medicina. Pesquisadores da Universidade RMIT, na Austrália, desenvolveram um revestimento antibacteriano feito com proteínas miméticas de resilina — substância elástica presente em insetos — que demonstrou 100% de eficácia em repelir bactérias em ambiente laboratorial. A tecnologia tem potencial para prevenir infecções em implantes médicos e outros dispositivos utilizados em hospitais.
- IA auxilia na previsibilidade de resultados com implantes
- Conheça os cursos disponíveis na Dental Press
Publicado em parceria com o Centro de Excelência em Biofotônica em Nanoescala da ARC e a Organização Australiana de Ciência e Tecnologia Nuclear (ANSTO), o estudo é o primeiro a relatar o uso da resilina como revestimento antibacteriano. Os resultados podem representar um avanço importante no enfrentamento das infecções hospitalares, especialmente diante da crescente resistência bacteriana a antibióticos.
A professora Namita Roy Choudhury, principal autora do estudo, destaca que o revestimento desenvolvido impede completamente a adesão inicial de bactérias e a formação de biofilme — um dos principais desafios em implantes e equipamentos médicos. “Este trabalho mostra como esses revestimentos podem ser ajustados para combater bactérias de forma eficaz — não apenas a curto prazo, mas possivelmente também a longo prazo”, afirmou a pesquisadora.
Mesmo após processos de esterilização e controle de infecção, é comum o aparecimento de bactérias em implantes cirúrgicos. Em muitos casos, o tratamento requer o uso de antibióticos, mas com o aumento da resistência microbiana, cresce a necessidade de soluções que atuem de forma física ou mecânica contra esses organismos.
“A resistência aos antibióticos impulsionou o interesse por materiais autoesterilizantes e por formas mais simples de criar superfícies antibacterianas”, explicou Choudhury. A cientista ressalta que o novo material pode ser aplicado como spray em instrumentos cirúrgicos, cateteres, curativos e implantes.
A resilina é uma proteína naturalmente encontrada em insetos, responsável por movimentos rápidos e saltos extremos — como no caso das pulgas, que conseguem saltar até cem vezes a própria altura em milésimos de segundo. Além disso, trata-se de uma substância biocompatível, altamente elástica e não tóxica.
“Essas propriedades excepcionais tornam as proteínas miméticas da resilina ideais para aplicações biomédicas, como engenharia de tecidos, entrega de medicamentos e eletrônica flexível. Mas esta é a primeira vez que a utilizamos como revestimento antibacteriano”, ressaltou Choudhury.
A equipe produziu diferentes formas da proteína e testou sua interação com bactérias Escherichia coli (E. coli) e células humanas da pele. Os testes mostraram que as formas chamadas de coacervados — pequenas gotas de proteína em escala nanométrica — foram capazes de impedir totalmente a fixação bacteriana, sem afetar negativamente as células humanas, um critério essencial para aplicações médicas.
O Dr. Nisal Wanasingha, coautor do estudo, explica que a estrutura superficial das nanogotas torna o revestimento especialmente eficaz na repulsão das bactérias. “O revestimento interage com as membranas celulares bacterianas por meio de forças eletrostáticas, rompendo sua integridade e causando a morte da célula”, afirmou.
Além da eficácia, o revestimento apresenta vantagens consideráveis em relação a métodos tradicionais. Enquanto os antibióticos agem quimicamente e podem levar ao desenvolvimento de resistência, o novo revestimento atua por um mecanismo físico, dificultando a adaptação das bactérias. “Como se trata de uma substância de origem natural e biocompatível, os riscos de reações adversas em tecidos humanos são reduzidos. E, por ser baseada em proteína, também é mais ecológica que alternativas como nanopartículas de prata”, acrescentou Wanasingha.
Próximos passos
Apesar dos resultados animadores, a equipe reconhece que ainda são necessários testes adicionais antes de levar a tecnologia para o ambiente clínico. O professor Naba Dutta, também coautor do estudo, destaca que a proteína mimética da resilina é sensível a estímulos externos, o que a torna altamente ajustável. “Esses primeiros resultados são muito promissores, mas precisamos estudar sua eficácia contra uma gama mais ampla de bactérias nocivas”, afirmou.
Entre os próximos desafios, estão a incorporação de peptídeos antimicrobianos e agentes adicionais durante o processo de fabricação, além da verificação de estabilidade, segurança, escalabilidade e eficácia em ambientes reais. “A transição para o uso clínico exigirá ensaios rigorosos e o desenvolvimento de métodos de produção seguros e economicamente viáveis”, concluiu.
O estudo recebeu financiamento do Fundo de Pesquisa Estratégica Austrália-Índia, do Prêmio de Pesquisa de Pós-Graduação (PGRA) do Instituto Australiano de Ciência e Engenharia Nuclear e do Conselho Australiano de Pesquisa. As análises utilizaram as instalações do Centro Australiano de Espalhamento de Nêutrons da ANSTO, do Centro de Pesquisa em Micro Nano e do Centro de Microscopia e Microanálise da Universidade RMIT.
Com a descoberta, abre-se um caminho promissor para a criação de dispositivos médicos mais seguros, resistentes a infecções e menos dependentes de antibióticos — um passo significativo rumo ao futuro da medicina regenerativa e da saúde hospitalar.