Pesquisadores que estudam o comportamento de bactérias presentes na boca humana descobriram que interromper os sinais químicos usados na comunicação entre esses microrganismos pode ajudar a tornar a placa bacteriana menos nociva e mais associada à saúde. A estratégia abre caminho para novas abordagens de prevenção de doenças bucais, focadas no equilíbrio do microbioma, e não na eliminação total das bactérias.
- Variações genéticas ajudam a explicar inflamação bucal
- Assine o Dental GO e tenha acesso a mais de 6 mil artigos científicos
Ao longo das últimas décadas, o uso intenso de antibióticos e desinfetantes levou muitas bactérias a desenvolverem resistência, criando desafios crescentes para a medicina e a saúde pública. Ao mesmo tempo, estudos mostram que inúmeras espécies bacterianas exercem funções essenciais para o organismo humano, inclusive na cavidade oral. Diante disso, cientistas passaram a questionar se, em vez de combater indiscriminadamente esses microrganismos, seria possível modular seu comportamento para reduzir o risco de doenças.
Na boca humana, esse desafio é particularmente complexo. Estima-se que cerca de 700 espécies bacterianas convivam na cavidade oral, comunicando-se constantemente por meio de um processo conhecido como detecção de quórum (quorum sensing). Essa comunicação química permite que as bactérias coordenem suas ações em grupo, influenciando a formação e a composição da placa dentária. Muitas dessas espécies utilizam moléculas sinalizadoras chamadas N-acil-homoserina lactonas (AHLs) para enviar e receber mensagens.
Com o objetivo de entender melhor esse processo, pesquisadores da Universidade de Minnesota, ligados ao Twin Cities College of Biological Sciences e à Faculdade de Medicina Dentária, investigaram como as bactérias da placa dentária se comunicam e se essa troca de sinais pode ser interrompida de forma controlada.
O estudo, publicado na revista científica npj Biofilms and Microbiomes, analisou se interferir nesses sinais químicos poderia reduzir a formação de comunidades bacterianas associadas a doenças e favorecer um microbioma oral mais saudável. Os resultados sugerem que essa abordagem pode mudar a forma como doenças bacterianas são tratadas.
Principais Resultados
Os pesquisadores identificaram padrões importantes na organização da placa dentária:
As bactérias produzem sinais de AHL principalmente em regiões ricas em oxigênio, como áreas acima da linha da gengiva. Esses sinais, no entanto, podem ser detectados por bactérias que vivem em regiões com pouco oxigênio, abaixo da gengiva.
A remoção desses sinais, por meio de enzimas chamadas lactonases, levou ao aumento de espécies bacterianas associadas à boa saúde bucal.
Os dados indicam que enzimas selecionadas de forma estratégica podem ser usadas para remodelar as comunidades bacterianas da placa dentária, mantendo um equilíbrio saudável.
Placa Dentária
Segundo o professor Mikael Elias, da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade de Minnesota e autor sênior do estudo, a placa dentária se desenvolve de maneira semelhante a um ecossistema natural. “A placa se forma em etapas, como uma floresta. Espécies pioneiras, como Streptococcus e Actinomyces, são as primeiras a colonizar e, em geral, estão associadas à saúde oral”, explica.
Com o tempo, surgem colonizadores tardios mais diversos, incluindo bactérias do chamado “complexo vermelho”, como Porphyromonas gingivalis, fortemente ligadas à doença periodontal. “Ao interromper os sinais químicos que as bactérias usam para se comunicar, podemos manipular a comunidade da placa para que ela permaneça, ou retorne, a um estado associado à saúde”, afirma Elias.
O autor principal do estudo, Rakesh Sikdar, destaca o papel do oxigênio nesse processo. “Quando bloqueamos a sinalização de AHL em ambientes com oxigênio, observamos mais bactérias associadas à saúde. Já em condições anaeróbicas, a adição desses sinais favorece o crescimento de espécies ligadas à doença”, diz. Segundo ele, o quorum sensing pode ter funções muito diferentes acima e abaixo da linha da gengiva, o que traz implicações diretas para o tratamento das doenças periodontais.
Novas Perspectivas
A próxima etapa da pesquisa será investigar como a comunicação bacteriana varia em diferentes regiões da boca e entre pacientes em distintos estágios da doença periodontal. Para os cientistas, compreender essas interações pode levar ao desenvolvimento de terapias mais precisas, voltadas à manutenção de um microbioma equilibrado.
“Em vez de travar uma guerra contra todas as bactérias orais, queremos aprender a manter estrategicamente um equilíbrio microbiano saudável”, afirma Elias. A equipe acredita que essa abordagem possa, no futuro, ser aplicada também a outras partes do corpo, onde desequilíbrios do microbioma estão associados a doenças crônicas e até a certos tipos de câncer.
O estudo contou com financiamento dos National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.

