Um estudo conduzido pela pesquisadora e cirurgiã-dentista Dra. Clonan revela uma associação significativa entre o uso regular de canábis e o aumento de problemas bucais, como cáries não tratadas, cáries na raiz e perda dentária grave. As descobertas ganharam destaque na capa da edição de janeiro de 2025 do Journal of the American Dental Association (ADA), um dos periódicos científicos mais respeitados na área odontológica.
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Clonan ingressou no corpo docente da Universidade em que atua como professora assistente clínica no Departamento de Medicina Dentária Pediátrica e Comunitária na primavera de 2024. A pesquisa surgiu ainda durante sua residência em Saúde Pública Dentária no Jacobi Medical Center, localizado no Bronx, em Nova York.
Durante atendimentos na clínica pública onde realizava seus estágios, Clonan percebeu um padrão curioso nas entrevistas iniciais com pacientes. “Muitos respondiam que não fumavam. Mas, ao final da consulta, quando eu explicava os cuidados pós-operatórios – como evitar alimentos fritos e não fumar –, eles frequentemente admitiam: ‘Ah, mas eu fumo maconha’”, relatou a pesquisadora.
Com o objetivo de investigar essa possível relação entre o consumo de canábis e a saúde oral, Clonan recorreu a dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), levantamento realizado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), entre 2015 e 2018. A amostra analisada reuniu informações de 5.656 adultos, com idades entre 18 e 59 anos.
Os resultados foram expressivos. Indivíduos que relataram fumar canábis pelo menos uma vez por mês, durante um ano ou mais, apresentaram:
17% mais chances de ter cáries coronárias não tratadas;
55% mais chances de desenvolver cáries na raiz dos dentes;
41% mais risco de sofrer perda dentária severa.
Esses dados foram obtidos mesmo após o controle de variáveis como idade, sexo, raça ou etnia, nível de escolaridade, renda e consumo de álcool.
“O foco da pesquisa foi no fumo de canábis, e não em outras formas de consumo, como alimentos comestíveis”, destacou Clonan. “Fumar coloca literalmente fogo próximo à boca, o que nunca é positivo. Isso causa secura bucal, e a saliva é uma barreira natural importante contra as cáries.”
Comportamento de risco
A pesquisadora também apontou dois comportamentos comuns entre os usuários de canábis que podem agravar a situação bucal: o consumo frequente de alimentos e bebidas ricos em açúcar e gordura, e a negligência com a higiene oral enquanto estão sob o efeito da substância.
“Esses hábitos aumentam o risco de deterioração dos dentes”, alertou. “A canábis pode ser um agente terapêutico eficaz para diversas condições médicas, como câncer ou transtornos de ansiedade. O problema não é o uso em si, mas como ele impacta a saúde bucal – e como lidamos com isso no atendimento odontológico.”
O uso recreativo da canábis tem crescido nos Estados Unidos, especialmente após a legalização da substância em diversos estados, como Nova York. Apesar disso, Clonan destacou que ainda há uma lacuna significativa na literatura científica odontológica sobre os impactos do uso de maconha na saúde bucal.
“Notei que havia muito menos pesquisa na odontologia em comparação com a medicina sobre esse tema”, explicou. “Por isso decidi avançar com esse estudo.”
Todos os dados da pesquisa foram autorreferidos, o que, segundo Clonan, pode subestimar a verdadeira extensão do uso de canábis. “Alguém em Nova York pode se sentir mais à vontade para admitir o uso, enquanto outra pessoa, em um estado mais conservador como o Alabama, pode esconder essa informação”, avaliou.
A média de idade dos participantes da pesquisa foi de 39 anos, mas o uso da canábis foi relatado em todas as faixas etárias, etnias e níveis socioeconômicos. “É um fenômeno nacional”, comentou Clonan.
Segundo um relatório recente publicado no Journal of the American Medical Association, o consumo de canábis entre adultos com 65 anos ou mais cresceu 75% em apenas três anos. Já entre os jovens adultos (de 19 a 30 anos), o uso diário da substância alcançou os maiores níveis já registrados, de acordo com o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos Estados Unidos (NIDA), em estudo de 2023.
Preventiva
Apesar dos riscos à saúde bucal, Clonan defende que a abordagem ao paciente deve ser empática e educativa. “Não estamos dizendo que a canábis é inerentemente ruim, mas queremos orientar nossos pacientes com gentileza e compreensão. Os dados indicam que precisamos adaptar nossos conselhos”, afirmou.
Entre as recomendações da pesquisadora estão:
Aumentar o consumo de água após fumar;
Evitar alimentos açucarados e pegajosos;
Preferir comer tudo de uma vez, em vez de petiscar várias vezes ao longo do dia;
Escovar os dentes após as refeições, mesmo sob efeito da substância.
Além disso, Clonan recomenda que os profissionais de saúde bucal sejam mais específicos nos questionários de admissão. “Além de perguntar se o paciente fuma, é importante perguntar se ele usa canábis e com que frequência. Isso nos permite oferecer conselhos mais assertivos e personalizados”, sugeriu.
Próximos passos
Embora o estudo atual traga dados importantes, Clonan ressalta que ele é transversal — ou seja, representa um retrato em um único momento no tempo. Para compreender melhor a relação entre o uso de canábis e o agravamento da saúde bucal, ela planeja desenvolver uma pesquisa longitudinal, acompanhando pacientes ao longo de anos.
“Só assim poderemos entender, de fato, se há uma relação causal entre o uso de canábis e o aparecimento de cáries e a perda dentária”, concluiu. “Há muito mais a ser descoberto — e essa pesquisa é só o começo.”