Por: Alberto Consolaro
Uma amiga chegou reclamando de dor na região onde tinha sido anestesiada horas antes em tratamento odontológico. Me lembrei de um trabalho que fiz junto com os alunos da graduação e que me trouxe resultados surpreendentes.
Recolhemos as agulhas utilizadas nas anestesias feitas na clínica e as colocamos em embalagens macias para serem observadas ao microscópio eletrônico de varredura, onde apareceriam em 3D e aumentadas até milhares de vezes.
COMO ESTAVAM?
Abaixo da pele e da mucosa bucal temos os tecidos conjuntivos com suas fibras, nervos e vasos sanguíneos e linfáticos, formando uma trama, uma rede, tal como o espaguete ao sugo servido no prato a ser deliciado. Se colocar o garfo, vai pegar necessariamente uma parte do macarrão e levá-lo até a boca.
No puncionar os tecidos durante a anestesia local, inevitavelmente a agulha vai resvalar e até atravessar ou romper alguma fibra, filete nervoso ou um vaso. Mas são tão pequenas estas estruturas, que isto passa despercebido no período pós-operatório em termos de sintomatologia. O que ajuda quase não lesar, é o bisel muito delicado da agulha.
Ao introduzir a agulha, seguindo-se as técnicas anestésicas locais aprendidas na universidade, temos os pontos de referências para puncionar e parar a introdução da agulha e começar a colocar no local a solução anestésica. Em alguns casos, inadvertidamente, se para de introduzir quando a agulha toca no osso da região.
Quando se toca no osso, mesmo que levemente, o bisel da agulha pode se dobrar para fora ou para dentro da luz da agulha, formando-se um micro-anzol. Isto não vai atrapalhar o efeito anestésico, mas ao se remover a agulha, este micro-anzol, especialmente quando voltado para fora da luz da agulha, pode enroscar ou engastalhar em fibras, filetes neurais e ou vasos sanguíneos, promovendo rupturas parciais ou totais.
Assim se pode ter: 1º) Áreas micro-hemorrágicas, ou nem tão micro assim, 2º) Inflamação do local pelo aparecimento de proteínas livres liberadas pelas fibras rompidas, apresentando com sinais de dor e até edema no local, 3º) Alterações de sensibilidade ou sensações neurais como anestesia, parestesia e outras. 4º) Áreas focais de miosites induzidas quando a agulha atravessa músculos esqueléticos que se organizam em fibras paralelas entre si e entremeadas por vasos e nervos, repetindo o formato de uma feixe de cana de açúcar. Na volta, o micro-anzol pode lesar algumas dessas fibras musculares, gerando proteínas livres e provocando inflamação focal, sem contar as lesões neurais e vasculares locais.
A maioria dos pacientes não sentem nada depois da anestesia local, pois observamos nas agulhas examinadas ao microscópio eletrônico de varredura, que 80% delas não formaram micro-anzol em seus biséis. Mas em 20% delas, formavam deformações, algumas em formato bem definido de anzol para dentro, e algumas outras, para fora do bisel, na parte externa da agulha.
REFLEXÕES FINAIS
1. Ao anestesiar ou ser anestesiado localmente, deve-se ter cuidado para não ter movimentos bruscos e fazer a agulha tocar no osso. Também devemos evitar, tocar a agulha anestésica no osso e dentes durante o ato operatório.
2. As agulhas analisadas foram de anestesias que precederam procedimentos executados, mas se fizéssemos o mesmo trabalho nas agulhas utilizadas durante as manobras operatórias e cirúrgicas, talvez o número de deformações como os micro-anzóis seria bem maior que 20%.
3. Estas observações, provavelmente, explique a maioria dos casos de sintomatologias na região que foi anestesiada. Se a agulha for injetada novamente, antes, deslize-a em uma gaze e se fisgar fios, pode indicar formação de anzol, troque-a por uma nova.