Publicado originalmente em “J Clin Dent Res. 2016 Jul-Sep;13(3):5-7”, por Owaldo Scopin de Andrade.
Em todas as áreas do conhecimento, e especificamente nas áreas da Saúde, na qual a Odontologia está incluída, há pessoas que se distinguem devido a várias qualidades.
Na parte clínica, temos profissionais experientes, que estão no mercado há anos e sempre nos brindam com casos que descrevem de maneira brilhante o que é ser um cirurgião-dentista. Muitos desses clínicos começaram na área da Estética em uma época que não havia internet, a importação de produtos era restrita, os professores estrangeiros “não abriam o jogo”. Enfim, foram autodidatas nos primórdios da então “cosmética odontológica”, e se tornaram pioneiros, fundaram sociedades e instituições que hoje são celeiros de grandes profissionais.
Na parte científica, o Brasil é motivo de orgulho para qualquer profissional da área, pois temos centros com pesquisadores que mudaram e mudam conceitos e tendências no mundo todo. A Odontologia brasileira é reconhecida mundialmente pela sua qualidade, genialidade, talento e por uma característica única, no meu ponto de vista: é eclética.
Bem, temos grandes clínicos e pesquisadores renomados, mas… vaidade e autoconfiança em excesso costumam complicar!!
Algumas semanas atrás, em um simpósio da área, um dos membros da mesa — renomado ceramista e dentista reconhecido mundialmente — fez uma citação interessante. Ele tinha ido, alguns meses antes, a um congresso de grande público; ele e todos os outros palestrantes mais experientes foram apresentados de maneira formal e educada, sem muita pompa ou glamour, o que é normal e de se esperar em um evento científico. Entretanto, um jovem dentista, com não mais de 25 anos, foi apresentado, quase que em estado de histeria, como um “gênio da Odontologia”!!!
Ele, o professor “mais velho” —um mestre para mim e para tantos outros—, e todos no evento esperaram a palestra… e viram um “jovem”, talentoso ao computador, conhecedor de tecnologias e, é claro, com alguns milhares de seguidores nas mídias sociais!
Mas, isso, e tão somente isso! Um “gênio da odontologia”!?
E, se for assim, hoje deve haver milhares de gênios em todas as áreas… Sem problemas também, pode ser que estejamos em uma geração de gênios… que irão mudar a Odontologia, como uma área totalmente nova e evoluída.
Por alguns dias, esse assunto não me saiu da cabeça, e fiquei imaginando quem seria, para mim, o “gênio da Odontologia”.
Comecei na minha graduação, passei pela pós-graduação, cursos, centenas de cursos no Brasil e no exterior… e encontrei. Encontrei o profissional que posso chamar de “gênio”!
Há quase dez anos, fui convidado para dar uma aula sobre procedimentos adesivos em Odontologia, na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP). Seriam dois palestrantes, eu e ele… o “gênio”.
Quando fui convidado, fiquei extremamente honrado e, ao mesmo tempo, tenso e nervoso, pois iria palestrar junto com a pessoa que criou a “Odontologia adesiva” como a conhecemos. E, é bom enfatizar, a Odontologia ESTÉTICA somente existe devido à ADESÃO aos tecidos dentários.
Sim, meu “gênio” é o Nobuo Nakabayashi.
Até aquele dia, eu nunca tinha me encontrado com ele, somente visto fotos muito antigas, e lido o clássico livro por ele publicado no final da década de noventa.
No momento em que o encontrei, vi um senhor com quase setenta anos de idade, baixo, magro, roupas simples, com um ar sereno, movimentos lentos, curtos, um gentleman oriental. Fomos apresentados e conversamos um pouco antes da aula.
Eu palestrei primeiro, falando sobre a parte clínica, e ele, em seguida, contou sobre como “desenvolveu” os monômeros ácidos e os processos que hoje parecem simples, mas há quase trinta anos pareciam impossíveis. Entre tantas outras frases contundentes, ele mencionou na aula, enfaticamente, que a remoção do esmalte em um preparo protético seria (e é ainda, hoje… e sempre foi) danosa para a estrutura dentária.
O evento terminou, todos se foram, sem selfies, sem autógrafos; poucos ficaram e, por uma coincidência do destino, eu fui o motorista dele de São Paulo até Piracicaba. Ele tinha sido convidado pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (UNICAMP), para ministrar algumas aulas na pós-graduação. E, detalhe, viajou para o Brasil por conta própria, com o dinheiro de sua aposentadoria.
Por pouco mais de duas horas, conversamos, paramos em uma lanchonete de um posto de gasolina, tomamos café… Entre outras citações, ele mencionou que nunca ficou rico por causa de suas pesquisas e desenvolvimento, pois, por ele ser financiado pelo governo japonês, aquilo tudo era do povo e do mundo, para beneficiar o maior número de pessoas. Ele disse que dentro dele havia uma espécie de “dever cumprido com a humanidade”. Ele falava devagar, com calma, sem rancor… com a alma leve! Aquele tom de voz de quem tem paz de espírito.
Cheguei em Piracicaba, deixei-o no hotel onde se hospedaria, me despedi com um aperto de mão, ele me agradeceu. Não pedi autógrafo ou sequer tirei uma foto.
Naquele dia, cheguei em casa em um estado de letargia, e pensava em tudo que ele havia dito, uma pessoa que realmente mudou “o mundo”… e confesso que quase chorei de ouvir o relato da vida dele!
Ele, limpo de alma, sem vaidade… e EU, feliz por ter passado uma tarde com um REAL GÊNIO DA ODONTOLOGIA!