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Tratamento ortodôntico-cirúrgico de má oclusão de Classe III com agenesia de incisivo lateral e canino impactado

Introdução: o presente trabalho apresenta um tratamento ortodôntico-cirúrgico realizado em paciente portadora de má oclusão de Classe III esquelética com crescimento mandibular, protrusão dentária superior e inferior, trespasse horizontal de -3,0mm, trespasse vertical de -1,0mm, ausência congênita do dente 22, dentes 13 e supranumerários inclusos, dente 12 com forma conoide e parcialmente irrompido em supraversão, retenção prolongada do dente 53, tendência ao crescimento vertical da face e assimetria facial. A discrepância na arcada superior era de -2,0mm, e na inferior era de -5,0mm.

Métodos: o tratamento ortodôntico pré-cirúrgico foi realizado com extrações dos dentes 35 e 45. Na arcada superior foram extraídos os dentes 53, 12 e supranumerário, para efetuar o tracionamento do canino incluso. Os espaços das extrações inferiores foram fechados com mesialização do segmento posterior. Após o alinhamento e nivelamento dos dentes, foram avaliados por meio de modelos de estudo o fechamento dos espaços das extrações e o posicionamento correto dos dentes nas bases ósseas, a intercuspidação correta das arcadas dentárias, com molares e caninos em Classe I de Angle, linhas medianas coincidentes, trespasse horizontal e trespasse vertical normais e torques ideais. A paciente foi encaminhada para realização de cirurgia ortognática e, em seguida, o tratamento ortodôntico pós-cirúrgico foi finalizado.

Resultados: a má oclusão de Classe III foi corrigida, estabelecendo padrões oclusais e faciais normais.

Palavras-chave: Ortodontia. Má oclusão de Classe III de Angle. Cirurgia bucal.

 

 

INTRODUÇÃO

As más oclusões de Classe III são caracterizadas pelo posicionamento mais anterior da mandíbula em relação à maxila, sendo que a discrepância pode ser causada pela deficiência de crescimento da maxila, por prognatismo mandibular excessivo ou pela combinação de ambos5,8,9,16,17. Em geral, o aspecto facial fica bastante comprometido, sendo justamente esse fator, na maioria das vezes, que motiva o paciente a procurar tratamento4,13,19.

Para o estabelecimento dessa má oclusão, concorrem fatores etiológicos — como a hereditariedade —, com uma associação variável de problemas endócrinos e de ação ambiental. O tratamento da má oclusão de Classe III em adultos é limitado e envolve um planejamento multidisciplinar que promova benefícios funcionais e estéticos do complexo maxilomandibular23.

Uma das opções de tratamento é o compensatório ou combinado, isso é, o tratamento ortodôntico-cirúrgico, que pode envolver o avanço da maxila, o recuo da mandíbula ou uma combinação de ambos20.

Os principais objetivos da cirurgia ortognática são obter oclusão normal e melhorar a estética facial, resultando no equilíbrio dos tecidos moles da face. Além disso, também visa a obtenção de melhora funcional na mastigação, fonação, respiração e na oclusão15,20.

Ademais, no caso clínico aqui relatado havia impacção dentária, que assim como a perda ou a retenção prolongada de dente decíduo e a presença de dente supranumerário, são características comuns em pacientes ortodônticos, sendo vários os fatores causadores dessas anomalias2,10,12,14.

Para que a mecânica ortodôntica de tracionamento dentário seja feita de maneira correta, conseguindo um posicionamento ideal de coroa e de raiz, podem ser necessários procedimentos prévios, como a extração de dentes supranumerários1,6,11,24,25.

 

Histórico do caso

Paciente leucoderma, do sexo feminino, 14 anos e 8 meses de idade, portadora de má oclusão de Classe III de Angle, de Classe III esquelética por excesso de crescimento mandibular, protrusão dentária superior e inferior, trespasse horizontal de -3mm, trespasse vertical de -1mm, ausência congênita do dente 22, dentes 13 e supranumerário inclusos, dente 12 com forma conoide e parcialmente irrompido em supraversão, retenção prolongada do dente 53, tendência ao crescimento vertical da face e assimetria facial, sendo  encaminhado para tratamento com a queixa principal de corrigir as más posições dos dentes.

Imagem_Fig01

 

 

 

 

Análise Facial e Funcional

Ao se avaliar a face da paciente (Fig. 1), observou-se assimetria facial com perfil côncavo, ângulo nasolabial normal, deficiência na região paranasal, terço facial inferior aumentado, espessuras labiais normais e proeminência do mento. Na análise funcional constatou-se respiração nasal, fonação normal, deglutição atípica, tonsilas faríngeas e palatinas normais, com lábios superior e inferior em função normal, padrão de fechamento mandibular com desvio para a direita e ATM sem quaisquer distúrbios, mas com sintomatologia dolorosa durante mastigação intensa.

Exame clínico intrabucal

A paciente apresentava boa higiene bucal, periodonto com aspecto de normalidade, ausência de lesões cariosas, anomalia dentária de número, forma e tamanho, freios labiais e linguais com inserções normais e relação de molares em Classe III. Segundo a classificação de Angle, a paciente era portadora de Classe III, apresentando linhas medianas superior e inferior desviadas para a direita (Fig. 2).

Interpretação das medidas 

cefalométricas e análise de modelos

Na análise do padrão esquelético (Tab. 1), observou-se retrusão maxilar, protrusão mandibular, má oclusão esquelética de Classe III (ANB = -2°), tendência ao crescimento vertical da face (NSGn = 69°, SN.GoGn = 37°) com padrão morfológico dolicofacial, de acordo com as medidas de Steiner23,24.

As medidas do padrão dentário (Tab. 1) indicaram protrusão e aumento das inclinações axiais dos incisivos superiores (1-NA = 6mm e 1.NA = 25°), e incisivos inferiores protruídos com inclinações axiais normais (1-NB = 7mm e 1.NB = 25°). O plano oclusal apresentava-se aumentado em sua inclinação com a base do crânio.

Na análise de modelos5,20, verificou-se que a discrepância na arcada superior era de -2mm, e de -5,0mm para a arcada inferior. Também observou-se que a arcada superior estava contraída em relação à inferior, além de palato ogival profundo.

A linha mediana superior, avaliada nos modelos de estudo, estava 1,5mm desviada para a direita, e a inferior desviada 3,5mm para o lado direito, o que confirma a avaliação facial.

 

Tratamento ortodôntico pré-cirúrgico

O tratamento ortodôntico foi iniciado com a montagem do aparelho Edgewise Standard (0,022” x 0,028”), com a colagem de braquetes nos dentes superiores e inferiores e cimentação de anéis nos primeiros molares de ambas as arcadas e segundos molares inferiores.

Foi iniciado o alinhamento e nivelamento da arcada superior com arcos de aço inoxidável de 0,014”; 0,016”; 0,018” e 0,020”.

Foi feita a exodontia dos dentes 53 (canino decíduo superior direito), supranumerário e do 12 (incisivo lateral superior direito). Nesse mesmo momento, fez-se a colagem de botão no dente 13 e a colocação de fio de amarrilho para promover o tracionamento desse dente.

Também indicou-se a exodontia dos dentes 38 e 48, com pelo menos seis meses de antecedência à cirurgia ortognática, para que houvesse tempo seguro de formação óssea no local onde seria realizada a osteotomia mandibular.

As ativações do tracionamento eram feitas por meio do uso de elástico em corrente e elástico do tipo action line (GAC), ligados ao fio de amarrilho instalado durante o ato das extrações dentárias.

Após realizado o tracionamento do canino superior direito, esse dente foi alinhado e nivelado aos demais dentes superiores por meio de novos arcos de aço inoxidável de 0,014”; 0,016”; 0,018” e de 0,020”.

Para a arcada inferior foi solicitada a exodontia dos segundos pré-molares. Arcos de alinhamento e nivelamento de aço inoxidável de 0,014”; 0,016”; 0,018” e de 0,020” também foram confeccionados e instalados, com ancoragem tipo “C” planejada de ambos os lados.

Com o arco inferior de 0,020” a distalização parcial dos primeiros pré-molares e caninos foi efetuada para se obter o alinhamento dos incisivos. Após o término do alinhamento e nivelamento, os espaços das extrações foram fechados com perda de ancoragem e mesialização dos primeiros e segundos molares.

Com o fechamento total dos espaços das extrações, foi confeccionado arco retangular inferior de 0,019” x  0,025” ideal, coordenado com o antagonista e com torques necessários.

Após o alinhamento e nivelamento de ambas as arcadas, o fechamento dos espaços das extrações e o correto posicionamento dos dentes nas bases ósseas com torques ideais para cada dente, foram obtidos modelos de estudo para se avaliar, na fase pré-cirúrgica, a intercuspidação correta das arcadas, estando esses em Classe I de molares e caninos, com linhas medianas coincidentes.

Esporões interdentários foram soldados nos arcos superior e inferior de 0,019” x 0,025”, que foram amarrados com amarrilho metálico individual. Nessa fase, a paciente foi encaminhada para cirurgia ortognática combinada de maxila e mandíbula (Fig. 3).

Tratamento ortodôntico 

pós-cirúrgico

O tratamento ortodôntico pós-cirúrgico consistiu na finalização da intercuspidação e das funções oclusais por meio de ajustes de torques nos arcos superior e inferior, desgaste interproximal nos dentes 13 e 23 com a caracterização dos caninos em incisivos laterais e uso de elásticos intermaxilares (Fig. 4).

Foram feitos ajustes funcionais dos dentes 14 e 24, que substituíram os caninos superiores na obtenção das guias funcionais de desoclusão, assim como foram indicadas as exodontias dos dentes 18 e 28.

Os aparelhos superior e inferior foram removidos e os aparelhos de contenção instalados, sendo no arco superior uma placa de acrílico com arco de Hawley modificado e, no arco inferior, uma barra lingual colada nos dentes 33 e 43 (Fig. 5, 6).

A paciente foi orientada a usar a contenção superior 24 horas por dia, durante um período de 12 meses, e após esse período o uso passou a ser noturno. A contenção inferior com barra intercaninos deve ser mantida por tempo indeterminado. Também recomendou-se um tratamento fonoaudiológico para adaptação às novas funções musculares.

 

Considerações Finais

Os objetivos do tratamento foram alcançados por meio da associação dos tratamentos ortodôntico e cirúrgico. A relação molar em Classe I e os trespasses horizontal e vertical normais foram obtidos. Foi realizado o tracionamento do dente 13 que, juntamente com o 23, ocupou o lugar dos incisivos laterais superiores. Isso ocorreu para solucionar a ausência congênita do dente 22, assim como a alteração de forma e posição do dente 12. A má oclusão de Classe III foi satisfatoriamente corrigida, estabelecendo padrões oclusal, facial e funcional normais.

 

» Os pacientes que aparecem no presente artigo autorizaram previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

Como citar este artigo: Vieira BB, Sanguino ACM, Moreira MR, Morizono EN, Matsumoto MAN. Surgical-orthodontic treatment of Class III malocclusion with agenesis of lateral incisor and unerupted canine. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):94-100.

Enviado em: 29 de janeiro de 2010 – Revisado e aceito: 29 de dezembro de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Bruno Boaventura Vieira

Rua Capitão Pereira Lago, 994, apto 07, Ribeirão Preto/SP. CEP: 14.051-130

Email: brn_vieira@hotmail.com

 

 

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