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Quais as vantagens do uso de tomografia computadorizada de feixe cônico em Ortodontia?

PERGUNTA

O uso da tomografia cone beam hoje é indicado rotineiramente em várias especialidades da Odontologia, como a Implantodontia e a Cirurgia Bucomaxilofacial. Considerando-se que a Ortodontia também é uma especialidade que observa aspectos de imagens ósseas e dentárias, quais as vantagens do uso de tomografia computadorizada de feixe cônico (cone beam computed tomography) em Ortodontia? Há indicação para o uso rotineiro de tomografia de feixe cônico para a Ortodontia?

Introdução

A tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC), ou cone beam computed tomography (CBCT), possivelmente é uma das inovações mais revolucionárias na Odontologia, e propõe uma forma adequada de diagnóstico e plano de tratamento em diversas áreas, incluindo a Ortodontia.

Desde os primeiros anos da faculdade de Odontologia, somos “treinados” a visualizar estruturas tridimensionais, como dentes e ossos da face, usando imagens bidimensionais, como radiografias periapicais e panorâmicas.

A Ortodontia e a Ortopedia Dentofacial visam corrigir as más oclusões e desproporções faciais causadas por discrepâncias dentárias e esqueléticas, com a finalidade de proporcionar melhorias estéticas, funcionais e psicossociais. Por muitos anos, radiografias planares em duas dimensões e cefalometrias têm sido usadas para avaliar as inter-relações da dentição, do esqueleto maxilofacial e dos tecidos moles intra- e extrabucais em todas as fases do manuseio ortodôntico, incluindo o diagnóstico, plano de tratamento, avaliação de crescimento e desenvolvimento, avaliação da evolução do tratamento e da estabilidade desse. Entretanto, as limitações das imagens 2D têm sido notadas e comentadas por décadas, já que muitos problemas ortodônticos e dentofaciais envolvem uma “terceira dimensão”1.

Múltiplas projeções radiográficas (perfil, frontal, panorâmica) ainda são usadas em uma tentativa de se visualizar relações anatômicas complexas (Fig. 1). Mas, na prática, a interpretação de múltiplas imagens é difícil para o clínico com menos formação e entendimento na área de Radiologia. Com a introdução do uso de tomografias, em especial a TCFC, a visualização dessas estruturas em 3D é, hoje, mais fácil e acessível. Porém, muita discussão ainda existe a respeito da indicação rotineira das TCFC para o diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. Exposição à radiação, vantagens das imagens obtidas em relação às convencionais, facilidade de acesso a equipamentos de tomografia, e o custo são considerações a serem feitas.

vantagens da tomografia

Aplicações da TCFC na Ortodontia

Sou da opinião de Agrawal et al.10, quando esses autores afirmam que as formas mais usadas de imagens são, essencialmente, representações bidimensionais (2D) de estruturas tridimensionais (3D), e que as imagens 2D têm uma série de limitações. Sendo assim, a obtenção dos objetivos ideais de imagem tem sido limitada.

Recentemente, a American Academy of Oral and Maxillofacial Radiology publicou um artigo de posição (position paper) com o objetivo de resumir os benefícios potenciais e os riscos do uso de TCFC no diagnóstico, tratamento e avaliação dos resultados em Ortodontia, e proporcionar um guia prático aos clínicos. O painel de experts concluiu que o uso de TCFC em Ortodontia deve ser justificado individualmente, baseado na apresentação clínica, e que vários aspectos de avaliação de risco, protocolos de otimização e doses de radiação devem ser considerados.

No entanto, cada vez mais há evidência de que o uso de TCFC está crescendo na Ortodontia, e tendo seu uso comprovado como primeira indicação em diversas situações clínicas. Ao fazermos uma pesquisa no PUBMED com os termos “Cone Beam Computed Tomography” e “Orthodontics”, notamos um grande número de artigos listados (162) nos últimos 12 meses, comprovando o interesse imenso de clínicos e pesquisadores neste tema.

Com base nessa seleção de artigos e em minha experiência clínica, comentarei algumas das possíveis situações clínicas onde o uso de TCFC deve fazer a diferença no diagnóstico e tratamento ortodôntico.

1) Cefalometria 3D

Uma das primeiras aplicações da tomografia em Ortodontia diz respeito à cefalometria e à sua combinação com o planejamento em cirurgia ortognática. Em uma revisão da literatura, Gateno et al.11 listam os problemas básicos associados à cefalometria 2D, normalmente usada em Ortodontia. A cefalometria normalmente é usada para medir as estruturas da face (uma estrutura 3D reduzida em uma imagem 2D). Em casos onde clinicamente notam-se assimetrias, o uso de uma cefalometria frontal eventualmente pode ser solicitado. Mesmo assim, o plano de rotação submento-vértex pode não ser adequadamente visualizado, mesmo em radiografias com essa projeção. De uma forma geral, muitos parâmetros importantes não podem ser medidos em radiografias bidimensionais, e, em casos de assimetrias faciais ou mesmo dentoalveolares, as medidas serão distorcidas e imprecisas.

Cheung et al.12 compararam o uso de cefalometria posteroanterior tradicional com as realizadas por TCFC para uma análise transversal em 28 crânios secos. Após comparar as análises, a TCFC se mostrou mais confiável ao avaliar a discrepância intermaxilar transversal, quando comparada com a cefalometria frontal em uma radiografia posteroanterior.

Em uma recente publicação, da Silva e Sant’Anna3 discorrem sobre a evolução do diagnóstico cefalométrico em Ortodontia, abordando as aplicações e possíveis características das cefalometrias 3D, em virtude dos novos softwares de avaliação ortodôntico-cirúrgica, e da facilidade da aquisição da imagem com tomógrafos cone beam. No entanto, como mencionam Gateno et al.11, a cefalometria em 3D é muito mais complexa do que somente adicionar a profundidade a uma análise lateral. Muitos problemas importantes podem ocorrer, dificultando a transição do uso corrente de uma análise cefalométrica 2D para uma em 3D. Os sistemas de referência, o método usado para medir os ângulos e distâncias em três dimensões e a avaliação da assimetria são apenas alguns deles.

Essas dificuldades fazem com que clínicos não persistam em mudar completamente para o uso rotineiro das cefalometrias em 3D. Pittayapat et al.4 realizaram uma revisão sistemática sobre o uso de análises cefalométricas em 3D em Ortodontia e concluíram que ainda não há evidência científica estabelecida sobre o tema. Somente seis estudos tiveram seus critérios de acordo com um nível moderado de evidência, mostrando que ainda há a necessidade da realização de estudos metodologicamente padronizados com cefalometrias 3D para que possamos ter um alto nível de evidência em seu uso.

Um estudo recente de Farronato et al.5, comparando a precisão de traçados cefalométricos com técnicas 2D e 3D quando realizados por diferentes clínicos, mostrou que a técnica 3D permite resultados mais precisos e com inúmeras vantagens em comparação aos da técnica convencional em 2D. A representação de estruturas anatômicas, menor risco de erro devido à habilidade clínica e a ausência de sobreposição de estruturas foram as mais importantes. Os resultados da comparação intraoperador mostraram que a análise em 3D é extremamente precisa (Fig. 2).

Em nosso prática clínica, dados obtidos rotineiramente em análises cefalométricas 2D são confirmados em detalhes e personalizados por regiões com o uso de imagens 3D obtidas a partir de tomografias do tipo cone beam. A inclinação de incisivos superiores e inferiores é um exemplo típico. Normalmente medidos por ângulos como o IMPA, o uso de imagens 3D e de softwares de visualização dessas imagens nos permite personalizar a inclinação dos dentes em relação à sua base óssea, e não a uma sobreposição de imagens.

Na Figura 3, nota-se o ângulo dos incisivos inferiores medido em uma cefalometria convencional. Ao realizarmos cortes 3D a partir de uma tomografia, pode-se identificar com maior facilidade o grau de discrepância e inclinação de cada dente em relação à sua base alveolar (Fig. 4). Um maior grau de precisão em termos de direcionamento e movimentação dos dentes em questão pode ser planejado e obtido com a mecânica correta.

O uso da cefalometria 3D também é mandatário quando programas de simulação virtual de tratamentos ortodôntico-cirúrgicos são usados, uma vez que, para a correta movimentação dos segmentos ósseos e observação dos efeitos nos tecidos, há a necessidade da identificação de pontos cefalométricos em imagens 3D da face, nas partes dentárias, ósseas e dos tecidos moles (Fig. 5).

2) Avaliação das estruturas dentárias

Uma série de situações clínicas pode indicar a necessidade de avaliação das estruturas dentárias mais adequada e precisa com o uso de TCFC. Entre elas, podemos citar:

» Avaliação do suporte periodontal / ósseo.

» Reabsorções radiculares.

» Dentes anquilosados.

» Dentes retidos.

» Dentes supranumerários.

Alguns trabalhos já apontam as vantagens da tomografia cone beam para identificar a espessura óssea alveolar em relação aos dentes anteriores. Baysal et al.6 estudaram a posição dos incisivos inferiores e o suporte ósseo em pacientes Classe II média e Classe II com ângulo acentuado, e compararam os achados com pacientes de oclusão tipo Classe I. A espessura da parede vestibular foi significativamente maior nos pacientes de Classe I, quando comparados com os pacientes de Classe II.

O osso esponjoso estava mais fino e o ápice radicular mais próximo à cortical lingual em pacientes Classe II com ângulo acentuado do que quando comparado aos Classe II padrão. Isso tem uma implicância clínica, pois o limite do movimento dos incisivos inferiores em pacientes de Classe II com ângulo acentuado é limitado quando comparado aos pacientes de Classe II padrão. Tais achados de imagem somente são possíveis ao se analisar uma imagem 3D obtida a partir de uma TCFC (Fig. 6). Quando analisamos dentes retidos, existem evidências claras que o uso de imagens obtidas com TCFC pode levar à mudança no plano de tratamento, justificando sua indicação.

Hodges et al.7 mediram o impacto do uso da TCFC no diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. Após avaliar uma documentação tradicional, ortodontistas realizaram uma lista de problemas, um plano de tratamento hipotético e descreveram uma certeza clínica. Logo em seguir, avaliaram uma TCFC dos mesmos pacientes e anotaram alterações, confirmações, ou melhorias em seu diagnóstico e plano de tratamento.

A maior parte das alterações no plano de tratamento ocorreu em casos de dentes retidos, reabsorções radiculares extensas e discrepâncias esqueléticas severas. Os clínicos que tinham maior experiência em visualizar as imagens tomográficas reportaram um maior número de mudanças, e com maior confiança, após observarem as imagens tridimensionais. O estudo suporta a indicação de imagens por TCFC antes do diagnóstico ortodôntico e do plano de tratamento quando o paciente apresenta um dente não irrompido com erupção retardada ou em local questionável, uma reabsorção radicular acentuada ou uma discrepância esquelética severa.

Mossaz et al.8 realizaram TCFC em 82 pacientes com dentes supranumerários para avaliar a localização e as características morfológicas desses dentes e para verificar a extensão de reabsorção radicular dos dentes adjacentes. Após a análise das imagens por dois ortodontistas, independentemente, dados sobre os dentes retidos e adjacentes foram compilados e estudados. Eles concluíram que o uso de TCFC proporciona uma informação 3D precisa sobre a localização e a forma do dente supranumerário retido, assim como a prevalência e o grau de reabsorção radicular dos dentes vizinhos, com moderada a alta correlação entre os examinadores (Fig. 7, 8, 9).

Considerações Finais

Rischen et al.13 realizaram uma revisão sistemática sobre a documentação necessária para o diagnóstico e tratamento ortodôntico em virtude do crescente uso de novas tecnologias, como TCFC e scanners de boca, com captura digital das imagens dos dentes. Tradicionalmente, modelos de gesso, fotografias intra- e extrabucais e uma combinação de radiografias bidimensionais (perfil e panorâmica) são usadas para o tratamento ortodôntico. No entanto, não existem evidências claras sobre a indicação específica de uma documentação ortodôntica padrão para todos os casos. Após uma revisão sistemática, onde 1.041 publicações foram revisadas e 17 estavam dentro dos critérios, a pergunta realizada foi se o uso da documentação X, comparada com a documentação Y, mudou ou mudaria o plano de tratamento. A conclusão foi de que cefalogramas não são rotineiramente necessários em tratamentos de Classe II, que modelos digitais podem ser usados para substituir modelos de gesso e que as tomografias cone beam podem ser indicadas quando caninos retidos estiverem presentes.

Pittapayat et al.9 compararam a concordância de diagnóstico entre TCFC e radiografias panorâmicas para a avaliação ortodôntica inicial. Oito observadores analisaram 38 pacientes com TCFC e panorâmicas, e responderam a 14 questões sobre os casos. As TCFC permitiram melhor concordância entre os observadores e melhor concordância intraobservador e interobervadores. A concordância entre a observação das TCFC e panorâmicas foi moderada. A conclusão, com a qual concordamos, é de que a TCFC tem o potencial de proporcionar informações diagnósticas valiosas para a avaliação ortodôntica inicial e informações extra para o plano de tratamento.

Concluímos que o uso de TCFC é crescente na Ortodontia e deve ser indicado criteriosamente. Como afirmam Noar e Pabari14, a visualização do esqueleto facial em detalhes tridimensionais pode ser uma ideia muito sedutora e interessante. No entanto, sem entender as implicações desses achados mais precisos, tais como uma mínima reabsorção radicular, ou ter a habilidade e experiência de se proporcionar um tratamento preciso e detalhado baseado nessas imagens espetaculares, pode significar que as imagens não terão impacto na clínica diária.

Por outro lado, o uso de TCFC em Ortodontia é uma ferramenta excelente para a obtenção de um diagnóstico adequado, um plano de tratamento mais previsível, um manuseio e educação do paciente mais eficiente, um resultado final melhor, e para a satisfação do paciente. Porém, como recomenda a American Academy of Oral and Maxillofacial Radiology2, em concordância com o Conselho da American Dental Association, a indicação da imagem por TCFC deve ser baseada em uma avaliação clínica inicial, e baseada em necessidades individuais.

Os benefícios reais ou percebidos ao paciente devem superar os riscos da radiação ionizante. Com a evolução dos equipamentos de TCFC, reduzindo o campo de imagem e a quantidade de radiação e aumentando a qualidade da imagem obtida, essas associações dos EUA sugerem quatro considerações para o uso de TCFC em Ortodontia: 1) adquirir a imagem adequadamente, de acordo com a necessidade clínica do caso (por ex., não solicitar TCFC de face completa para avaliar um dente retido, e sim apenas da área específica); 2) avaliar o risco da dose de radiação; 3) minimizar a exposição do paciente à radiação (por ex., não solicitar TCFC mais panorâmica e perfil, ou periapicais) e; 4) manter competência profissional em realizar e interpretar estudos com TCFC (buscar a máxima obtenção de dados a partir das imagens solicitadas).

Assim, como em qualquer tecnologia, com novas ferramentas sempre vêm novas regras. Cabe aos ortodontistas com maior experiência aprender sobre as imagens 3D e suas vantagens, unificar seu conhecimento e experiência clínica com as novas tecnologias, e educar os mais jovens a diagnosticar e tratar seus casos com base em um diagnóstico mais preciso, buscando uma mecânica mais eficiente e com resultados seguros e duradouros, beneficiando ainda mais os pacientes com o tratamento ortodôntico.

>> O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

>> O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

Como citar este artigo: Polido WD. Quais as vantagens do uso de tomografia computadorizada de feixe cônico (cone beam computed tomography) em Ortodontia? Rev Clín Ortod Dental Press. 2014 fev-mar;13(1):26-34

Endereço de correspondência: Waldemar Daudt Polido

E-mail: cirurgia.implantes@polido.com.br

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