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Sugestão de um novo protocolo terapêutico em dente permanente traumatizado: relato de caso

Resumo

 

Introdução: o presente caso clínico se refere a dois dentes, de um único paciente, que foram, inicialmente, apenas imobilizados com uma contenção semirrígida por 15 dias e sem intervenção endodôntica. Objetivo: descrever o caso de dois dentes acometidos por luxação extrusiva e tratados por meio de uma pasta obturadora composta por hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco. Métodos: após o acompanhamento de um mês, notou-se que os dentes não apresentavam vitalidade pulpar e que, radiograficamente, demonstravam sinais de reabsorção externa. Foi realizado o tratamento endodôntico e a utilização desse novo protocolo terapêutico de medicação intracanal, que pode ser concluído em uma única sessão, e com possibilidade de permanência por até quatro anos no conduto radicular. Resultados: no presente relato, a pasta obturadora permaneceu no canal radicular, sem necessidade de troca, por 24 meses, com regressão das lesões periapicais e paralisação das reabsorções inflamatórias. Conclusão: diante disso, pode-se concluir que essa pasta obturadora pode demonstrar sucesso e efetividade para o tratamento de dentes traumatizados com reabsorção radicular.

 

 

Palavras-chave: Endodontia. Hidróxido de cálcio. Alvéo- lo dentário. Luxação extrusiva. Trauma dentário. Clorexidina gel. Óxido de zinco.

 

 

Introdução

É alta a incidência do traumatismo dentário na população, podendo acometer pessoas de qualquer faixa etária, porém, crianças e adultos jovens são os mais afetados. As causas mais frequentes dos traumas dentários são quedas, batidas, acidentes ciclísticos, automobilísticos e práticas desportivas, entre outros, que podem levar a diferentes tipos de traumatismos dentários1-4. Com relação ao dente mais afetado, 85,39% dos casos de traumatismo estão relacionados aos incisivos, provavelmente devido ao seu posicionamento na arcada5,6.

Essas injúrias traumáticas podem ser classificadas de diversas formas, sendo a denominação de luxações a mais comum. Essa denominação envolve o trauma onde o dente é deslocado de sua posição original, subdividida de acordo com a direção do deslocamento, podendo ser: concussão, subluxação, luxação extrusiva, luxação lateral, luxação intrusiva e avulsão7,8. Os danos de um trauma podem afetar não só os tecidos duros e a polpa dentária, mas, também, os tecidos de sustentação, isoladamente ou de maneira associada, podendo até, em casos extremos, levar à perda do dente6. Luxações extrusivas são definidas como o deslocamento parcial do dente para fora do alvéolo e, de acordo com Andreasenet al.9,10, acometem cerca de 64% dos casos de traumas dentários. As complicações referentes a esse tipo de trauma podem ocorrer semanas ou até mesmo anos após o acidente11.

As calcificações, necrose pulpar e reabsorções são as sequelas mais comuns após um trauma7,12. Entre essas complicações pós-traumáticas, as reabsorções apresentam o pior prognóstico13,14, e, segundo a Associação Americana de Endodontia15, são consideradas condições associadas a processos fisiológicos e patológicos que resultam na perda de dentina, cemento e osso alveolar, e, de acordo com o mecanismo de ocorrência, podem ser classificadas em inflamatória ou por substituição16.

O tratamento para luxações extrusivas, descrito por diversos autores17-20, preconiza que se faça a reposição de incisivos extruídos e uma imobilização semirrígida pelo profissional, onde não se deve interferir na oclusão nem na função, mantendo-a por, aproximadamente, 15 dias, variando em cada caso. Essa contenção é realizada com fio ortodôntico e resina fotopolimerizável, visando a regeneração das fibras periodontais. Somado a isso, torna-se extremamente importante manter o acompanhamento clínico e radiográfico do paciente, pois, em caso de necrose pulpar e reabsorção radicular inflamatória, o profissional deverá intervir por meio da terapia endodôntica.

Durante o tratamento endodôntico de um dente reimplantado, recomenda-se o uso de uma medicação intracanal que complemente a desinfecção e que, especialmente, contenha ou amenize o processo de reabsorção inflamatória. O procedimento que mais comumente se utiliza previamente à obturação é o de trocas periódicas de hidróxido de cálcio, associado a diferentes veículos, por apresentar excelente atividade antimicrobiana e inibir a atuação de células clássicas envolvidas na reabsorção21-31.

Recentemente, uma nova terapia medicamentosa, que associa hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco, tem sido proposta para o tratamento de dentes avulsionados32,33,34. A associação entre essas substâncias permite a formação de uma pasta obturadora provisória, que permanece no canal durante longos períodos, não sendo necessária a realização de renovações, apresentando resultados satisfatórios32,35,36 — exceto nos casos de reabsorção por substituição, por ser um processo contínuo32. Essa pasta proporciona ao paciente uma condição mais agradável, de menos visitas ao seu dentista, com um custo reduzido, pelo fato de não precisar das trocas sucessivas. Em casos de dentes com rizogênese incompleta, pode promover o fechamento apical e reduzir todos os sinais e sintomas clínicos por um período de até nove meses em dentes acometidos por traumatismos33. Além disso, proporciona o reparo periapical em dentes com reabsorções radiculares inflamatórias33. Essas propriedades podem ser explicadas por sua rápida capacidade de difusão na dentina radicular, o que ocasiona a inibição de crescimento bacteriano nas superfícies externas das raízes37,38, permitindo a obtenção de resultados satisfatórios.

Dessa maneira, o objetivo do presente estudo foi descrever o caso de dois dentes acometidos por luxação extrusiva e tratados por meio de uma pasta obturadora composta por hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco.

 

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 17 anos de idade, compareceu ao Serviço de Traumatismos Dentários da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-UNICAMP), com histórico de trauma nos elementos 11 e 21. O atendimento emergencial foi realizado na Santa Casa na cidade de Limeira/SP, onde foi diagnosticada luxação extrusiva dos dentes 11 e 21. O trauma ocorreu durante a prática de esportes em um centro esportivo universitário. No hospital, foi realizada uma contenção semirrígida que permaneceu durante 15 dias. A contenção foi removida após esse período e, posteriormente, o paciente foi encaminhado à FOP-UNICAMP para dar continuidade ao tratamento.

O paciente compareceu à FOP-UNICAMP um mês após o traumatismo. Durante a avaliação clínica inicial e radiográfica, observou-se que os dentes 11 e 21 apresentavam ausência de vitalidade pulpar, ausência de dor à percussão vertical/horizontal e à palpação. Foi realizada radiografia periapical (Fig. 1), podendo ser observada rizogênese completa, reabsorção radicular externa e lesão periapical nos dentes envolvidos. Diante do quadro de necrose pulpar, foi proposta realização do tratamento endodôntico por meio de uma pasta que associa hidróxido de cálcio P.A., clorexidina gel a 2% e óxido de zinco, na proporção de 2:1:2, com consistência de “massa de vidraceiro”.

Após os procedimentos de abertura coronária e isolamento absoluto, realizou-se a neutralização do conteúdo séptico-tóxico e o preparo biomecânico coroa-ápice com o auxílio de brocas Gates Gliden nº 5, 4 e 3 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) com o intuito de descontaminar os terços cervical e médio nos dentes 11 e 21. A odontometria foi realizada por meio do localizador apical eletrônico (Novapex, Forum Technologies, Rishon LeZion, Israel). Os canais foram instrumentados manualmente no comprimento de trabalho até a lima # 45 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça). Durante toda instrumentação, a substância química utilizada foi a clorexidina gel a 2% (Endogel, Essencial Pharma, Itapetininga/MG), que era inserida no interior do canal a cada troca de instrumento, seguida de uma irrigação com 5ml de soro fisiológico.

A remoção da smear layer foi realizada por meio da irrigação com 3ml de EDTA a 17% por 3 minutos, seguida de irrigação final com soro. Os canais foram secados com pontas de papel absorvente (Konne Indústria e Comércio de Materiais Odontológicos Ltda., Belo Horizonte/MG) e, logo depois, preenchidos com a pasta que associa hidróxido de cálcio P.A. (Biodinâmica Quim. e Farm. Ltda., Ibiporã/PR), clorexidina gel a 2% (Endogel, Essencial Pharma, Itapetininga/MG) e óxido de zinco (S.S. White Artigos Dentários, Ltda., Rio de Janeiro/RJ). A pasta foi manipulada em consistência semelhante ao “coltosol” ou à “massa de vidraceiro”, na proporção de 2:1:2, e foi inserida por incrementos com condensadores verticais medium e fine medium (Konne Indústria e Comércio de Materiais Odontológicos Ltda.) em toda extensão do canal. Posteriormente, o preenchimento com a pasta obturadora foi certificado por meio de radiografia periapical e os canais foram selados com coltosol (Vigodent S/A Indústria e Comércio, Rio de Janeiro/RJ) e resina composta (Filtek Z350, 3M Dental Products, Saint Paul, EUA) (Fig. 2).

A cada três meses, o paciente retornava à faculdade apenas para acompanhamento clínico e radiográfico, e era possível observar a presença da medicação/pasta preenchendo completamente o canal, excluindo a necessidade de sua renovação. Após 12 meses de tratamento, notou-se remissão da lesão periapical (Fig. 3A). Após 24 meses de proservação, verificou-se que a medicação continuava preenchendo toda extensão do canal radicular, sem necessidade de renovação, sendo possível observar a regressão da lesão periapical e paralisação da reabsorção inflamatória (Fig. 3B).

 

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Discussão

O tratamento endodôntico é uma forma previsível de salvar o dente na maioria dos casos de traumatismo dentário. O sucesso do tratamento, seguido de uma restauração imediata de boa qualidade, objetiva devolver ao paciente sua função e estética por anos. Dessa forma, o tratamento endodôntico pode ser considerado uma opção segura e viável39.

Frente a essas situações de necessidade de tratamento endodôntico devido a traumas, vários protocolos terapêuticos têm sido propostos para minimizar as sequelas decorrentes. Existem relatos da utilização de soda cáustica40, polimixina B-Otosporin41, lisozimas42, formocresol43, clorexidina44,45,46 e hidróxido de cálcio, em várias associações47,48.

Alguns autores24,49,50 preconizam trocas sucessivas de hidróxido de cálcio como medicação intracanal, em intervalos de tempo variáveis, pois esse é considerado o mais efetivo entre as medicações intracanais51,52,53, que, segundo Pacios et al.54, pode ser empregado com diversos veículos, tais como água destilada, clorexidina, propilenoglicol, solução anestésica, PMCC e o PMCC com propilenoglicol, conferindo resultados satisfatórios para o uso clínico como medicação intracanal. O relato de caso do presente estudo contrapõe esses trabalhos, pois não foram realizadas trocas sucessivas, corroborando o trabalho de Felippe et al.35, em que afirmaram não haver proveito em se realizar várias sessões para trocas de pasta de hidróxido de cálcio em dentes com rizogênese incompleta e sistemas de canais radiculares infectados.

Apesar do hidróxido de cálcio ser o mais utilizado, não pode ser considerado um medicamento universal, já que não é efetivo para todas as bactérias presentes no sistema de canais radiculares55. Tendo em vista suas propriedades antimicrobianas satisfatórias, a clorexidina constitui uma substância importante para a associação com o hidróxido de cálcio. Essa associação tem como objetivo aumentar as propriedades antimicrobianas do hidróxido de cálcio, mantendo suas características biológicas e mecânicas de barreira física47. O óxido de zinco é um pó branco amarelado fino, inodoro, amorfo, insolúvel em água e no álcool, radiopaco e ligeiramente antisséptico56, que pode estar presente na composição de cimentos endodônticos57 e em cones de guta-percha58.

Por esses benefícios, o presente estudo de caso clínico avaliou o resultado de um protocolo terapêutico utilizando os três componentes juntos: hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco, formando uma pasta com consistência de “coltosol”, podendo ser realiza em sessão única, substituindo as trocas periódicas da medicação intracanal e sem dissolução durante os controles trimestrais, com resultados semelhantes aos encontrados em estudos anteriores32,33,59,60,61.

Considerando a observação da não dissolução da pasta em questão, conferida radiograficamente pelo preenchimento do canal, sugere-se que esse preenchimento seja garantido apenas pela presença do óxido de zinco, já que após vários meses todo o hidróxido de cálcio e a clorexidina gel presentes já sofreram dissolução32,59. Esses resultados também foram encontrados em nosso estudo, sendo realizada uma proservação por 24 meses, sendo que nesse período não houve necessidade de troca da medicação e conseguiu-se o reparo periapical e a estabilização das reabsorções, comprovando a eficácia da atuação da medicação por um longo período, sem a necessidade de substituição da medicação no interior do canal radicular.

Para Gomes et al.31 e Souza-Filho et al.62, durante o período de controle e sem a troca da pasta, o óxido de zinco possivelmente atua apenas como um material inerte, apresentando um selamento que previne a contaminação do canal radicular e permite, ao mesmo tempo, um reparo na região periapical. Soma-se a isso o fato de que essa permanência pode alcançar períodos de até quatro anos, de acordo com a literatura. Isso contrapõe o trabalho realizado por Moorer e Genet63, os quais sugeriram que fossem realizados mais estudos para que se conhecesse melhor as propriedades biológicas do óxido de zinco, já que não o consideraram um composto inerte.

A associação do hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco, manipulada na proporção de 2:1:2, foi previamente estudada in vitro37,38,47,62,64,65, quando foi demonstrada sua ação antimicrobiana, capacidade de manter um pH alcalino e consistência adequada para inserção clínica no canal radicular. Além disso, apresenta uma rápida capacidade de difusão na dentina radicular, ocasionando a inibição de crescimento bacteriano nas superfícies externas das raízes — como já foi citado anteriormente —, sendo o fator que pode ter colaborado na diminuição de reabsorções externas observadas no presente estudo.

 

Conclusão 

Diante das observações do presente relato, correlacionadas com achados da literatura, pode-se concluir que:

» A pasta obturadora composta por hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco, na proporção de 2:1:2, é eficaz no tratamento de dente permanente com rizogênese completa traumatizado e acometido por luxação extrusiva, estimulando o reparo das lesões periapicais e paralisação das reabsorções inflamatórias.

» Essa técnica proporciona a conclusão do tratamento em uma única sessão, permanecendo ativa por todo período de tratamento, sendo vantajoso ao paciente por diminuir os custos financeiros e também sua frequência no consultório odontológico.

» A consistência de “coltosol” da pasta obturadora provisória, composta por hidróxido de cálcio, clorexidina gel a 2% e óxido de zinco, na proporção de 2:1:2, facilita sua inserção e visualização radiográfica.

 

 

Como citar este artigo: Marion JJC, Martelosso LV, Nagata JY, Lima TFR, Soares AJ. Suggesting a new therapeutic protocol for traumatized permanent teeth: Case report. Dental Press Endod. 2014 Jan-Apr;4(1):71-7.

 

» Os pacientes que aparecem no presente artigo autorizaram previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Recebido: 01/11/2013. Aceito: 02/11/2013.

 

Endereço para correspondência: Jefferson J. C. Marion

Rua Néo Alves Martins, 3176 – 6º andar – Sala 64 – Centro

CEP: 87-013.060 – Maringá/PR – E-mail: jefferson@jmarion.com.br

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