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Síndrome da apneia obstrutiva do sono (saos): considerações gerais sobre etiologia, diagnóstico e tratamento

Apneia pode ser identificada pela língua

Introdução

Conceituação / Etiologia

Por definição, apneia é a interrupção do fluxo aéreo em qualquer nível do trato respiratório, mais notavelmente no nariz e orofaringe, por pelo menos 10 segundos6.

Atualmente, o típico paciente com síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é do sexo masculino, na quinta ou sexta década de vida, de baixa estatura e acima do peso. A SAOS é traiçoeira e tem sido destacada como causa de acidentes no trânsito e no trabalho, isso porque os pacientes desenvolvem cefaleia ao acordar, arritmias cardíacas, dificuldade de concentração e problemas familiares, tais como incômodo geral e desagregação familiar, que podem levar até a separação do casal1.

A sonolência diurna é muito comum porque os múltiplos episódios apneicos fazem com que o sono noturno não seja reconfortante1. Além disso, está atrelada a algumas desordens sistêmicas, direta ou indiretamente, tais como hipertensão arterial sistêmica, hipotireoidismo e afecções cardiopulmonares, o que agrava a situação clínica do paciente8.

Na população não sindrômica, a SAOS é mais comumente vista em pacientes retrognatas e obesos, sendo que o consumo de álcool piora os episódios apneicos. Já na população com síndromes craniofaciais, os principais fatores que ocasionam a SAOS são a hipoplasia da face média e mandibular. Assim, a hipoplasia mandibular pode resultar num colapso posterior da base da língua e na diminuição da via aérea na orofaringe5.

Fisiopatologia e classificação da SAOS

Um sono noturno de 8 horas para o indivíduo adulto é considerado normal para a fisiologia humana. Constitui-se na alternância de dois estágios, as fases REM, do inglês “Rapid Eye Moviment”, e NREM, “Non Rapid Eye Moviment”. Na fase NREM as ondas cerebrais tornam-se mais lentas gradativamente, concomitantemente à diminuição das funções fisiológicas. Já a fase REM é caracterizada pela atonia muscular e movimentação ocular rápida. A maioria da musculatura está em repouso, com exceção dos músculos posturais e respiratórios31.

Nos indivíduos com apneia obstrutiva do sono (AOS), na fase REM ocorre o relaxamento da musculatura e o bloqueio do fluxo aéreo. A apneia é determinada de acordo com a quantidade de paradas respiratórias. É considerada leve quando há até 10 paradas respiratórias durante o sono diário; de 10 a 30 paradas, apneia moderada e, acima de 30 paradas respiratórias, apneia severa28.

A AOS pode ser classificada em três tipos: central, obstrutiva e mista. Nas apneias centrais não é observado movimento do tórax durante a pausa respiratória. Quando ocorre o movimento do tórax durante a pausa respiratória, a apneia é denominada obstrutiva; e, quando ocorre inicialmente um episódio respiratório e posteriormente passa a ser obstrutiva, é classificada como apneia mista13.

A classificação da SAOS fundamenta-se na localização da obstrução, em três níveis distintos: I, II e III. O nível I está localizado na região da orofaringe, ou, mais especificamente, na região uvulopalatina, ou também denominada retropalatal. O nível II localiza-se na base da língua, ocasionado pela hipertrofia ou hiperplasia muscular e da tonsila lingual, sendo associados aos de nível I. Já o nível III representa os processos exclusivos da região da base da língua (hipofaringe), ou região retrolingual11.

Diagnóstico

O diagnóstico da SAOS é realizado por meio dos exames clínicos e imaginológicos. Inicialmente, os questionários da anamnese são colhidos de forma detalhada, inclusive com os familiares ou o cônjuge do paciente, investigando as primeiras suspeitas sobre algum distúrbio do sono26. Além disso, é importante averiguar a respeito da história de aumento de peso, da utilização habitual de medicamentos que produzam sonolência, do consumo de álcool e da história familiar de transtornos do sono, assim como de enfermidades cardíacas, hipertensão e outras patologias neurológicas25.

O exame físico evidenciará as alterações anatômicas específicas e suscetíveis de correção. A obstrução retropalatal é identificada pela avaliação intrabucal, identificando o palato alongado, a úvula hiperêmica, edemaciada e com a borda livre baixa. Na região retrolingual, a faringe pode parecer estreitada por tecido redundante na fossa amigdaliana e em sua parede posterior. Ainda, pode-se notar a macroglossia com impressões dentárias nas bordas da língua17.

A SAOS pode acometer pacientes de todas as faixas etárias, desde neonatos a adultos, bem como pode envolver a população de pacientes não-sindrômicos ou com síndromes que acometem o desenvolvimento craniofacial. O diagnóstico de casos mais severos, com maior acometimento da anatomia craniofacial, é facilmente percebido na clínica pela obstrução acentuada, que ocasiona roncos e episódios de apneia nos neonatos. Porém, a polissonografia, a endoscopia e as técnicas mais modernas de tomografia computadorizada com reconstrução em 3D são indispensáveis para um adequado diagnóstico e plano de tratamento. Antes de qualquer planejamento cirúrgico, os exatos níveis de obstrução devem ser levados em consideração7.

Em um estudo envolvendo 35 pacientes com a síndrome de Treacher Collins (13 crianças e 22 adultos) foi notado que, apesar da hipoplasia mandibular ser comum nesses pacientes, poucos estudos sugeriam correlação à SAOS3,15,16,18,22,24. Os pacientes foram submetidos à polissonografia, sendo avaliados o índice de apneia-hipopneia (IAH) e o índice de oxigenação-desaturação (IOD). O IAH foi definido como o número de apneias obstrutivas e hipopneias por hora, e o IOD foi definido como o número de dessaturações (uma diminuição ≥ 4% da saturação de oxigênio em relação à taxa basal durante 10 segundos) por hora. Os escores de IAH < 1 foram considerados normais para crianças, entre 1 e 5 foram considerados apneia leve, entre 5 e 24 como SAOS moderada, e um escore > 24 foi considerado como SAOS severa12,31. A duração da apneia obstrutiva e hipopneia foi definida como “mais de duas respirações”5. Nas crianças, as pontuações do IOD foram levadas em conta, mas não para a diferenciação diagnóstica entre graus de gravidade da SAOS. Em relação aos adultos, as normas atuais de orientação para adultos com SAOS foram usadas1,9. A SAOS foi diagnosticada quando o IAH esteve fora do limite normal (IAH > 5). IAH de 5 a 15 foi definido como SAOS leve, 15 a 30 como SAOS moderada e IAH > 30 foi definido como SAOS grave.

Tratamentos

Não-cirúrgicos

Primeiramente, aos pacientes com sobrepeso ou obesos e com SAOS, deve-se taxar como prioridade a perda de peso. Consumir menor quantidade de calorias diariamente, dar preferência a alimentos saudáveis e realizar exercícios físicos pode ser de difícil execução, porém os resultados trarão uma melhora na saúde geral e, também, na qualidade do sono.

Em alguns casos, a SAOS ocorre quando os indivíduos dormem em decúbito dorsal. Isso pode ser confirmado ao exame da polissonografia e, quando positivo, medidas para evitar tal posição devem ser adotadas.

Aparelho intrabucal

O tratamento não-cirúrgico por meio do uso de dispositivos intrabucais é bem aceito para as SAOS mais leves, sendo esses divididos em três grupos gerais: retentores de língua, reposicionadores de mandíbula e elevadores de palato, sendo os dois primeiros considerados os principais. O aparelho reposicionador de mandíbula evita a obstrução das vias aéreas ao posicionar a mandíbula para a frente e mover a base da língua anteriormente, ampliando a abertura da área posterior da garganta e promovendo a melhor passagem do ar2 (Fig. 1).

CPAP — Continuous Positive Airway Pressure

O suporte ventilatório com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) é um aparelho utilizado na terapia domiciliar da SAOS, sendo constituído por um gerador de fluxo ou motor refrigerado a ar, uma válvula unidirecional, uma máscara nasofacial e uma válvula de pressão positiva (Fig. 2).

O CPAP é o aparelho de pressão positiva mais utilizado no tratamento da SAOS. O nível de pressão que atinge as vias aéreas é o mesmo durante a inalação e a exalação do ar. O fluxo de ar produzido é responsável por vencer o colapso das vias aéreas superiores, finalmente chegando aos pulmões para realizar as trocas gasosas. Deve ser usado ao dormir e, assim, permanecer por uma média de aproximadamente seis horas por noite, para que se tenha o efeito desejado26,28.

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Cirúrgicos

A primeira cirurgia realizada para o tratamento da SAOS foi a traqueostomia permanente29. Foi muito bem executada e com ótimos resultados nas décadas de 70 e no início dos anos 80, sendo superada pelo desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas.

O tratamento da SAOS é multidisciplinar e, como a apneia, envolve diferentes alterações anatômico-funcionais da língua e tecidos orofaringeanos. Assim, a equipe da anestesiologia, antes da execução da anestesia geral, realiza criteriosa avaliação da cavidade bucal, prevendo, assim, as dificuldades com a intubação dos pacientes. Para tanto, é utilizada a classificação de Mallampati, sendo que Samsoon e Young23 propuseram a distinção em quatro classes para o teste de Mallampati (Fig. 3):

» Classe I: palato mole, fauce, úvula e pilares amigdalianos visíveis.

» Classe II: palato mole, fauce e úvula visíveis.

» Classe III: palato mole e base da úvula visíveis.

» Classe IV: palato mole totalmente não visível.

Quando a SAOS tiver sido mal resolvida com os tratamentos não-cirúrgicos e a relação maxilomandibular ainda for satisfatória, mas existirem alterações dos tecidos moles orofaríngeos, está indicada a uvulopalatofaringoplastia (UPFP). Essa consiste na tonsilectomia associada à adenoidectomia, excisão da úvula e porção redundante da parede lateral da faringe, além da ressecção de 8 a 15mm da borda posterior do palato mole19.

Os métodos tradicionalmente recomendados para UPFP no tratamento da SAOS advogam a excisão da úvula e da porção posterior do palato mole com um bisturi ou laser, a fim de reduzir o palato mole e úvula. Porém, Wolford e Mehra32 relataram que tal técnica pode promover a formação de uma banda cicatricial ao longo da margem posterior do palato mole, e pilares que envolvem as tonsilas palatinas, ocasionando um efeito tipo “cortina”, levando a um estreitamento da largura transversal entre os pilares, retração inferior do palato mole, com consequente constrição da orofaringe, o que pode anular a eficácia clínica do procedimento. Tais problemas potenciais estimularam os autores a desenvolverem uma técnica modificada de UPFP, em que uma sutura especial é usada com a finalidade de um encurtamento controlado do palato mole, e alargamento transversal da via aérea na orofaringe entre os pilares que envolvem as tonsilas palatinas (Fig. 4). Essa técnica está indicada nos casos classificados como classe III e IV de Mallampati, principalmente em pacientes com idades mais avançadas e com excesso de tecido mole na região do palato mole.

Os autores relataram, ainda, terem feito uso da técnica para o tratamento de ronco e SAOS nos quatro anos anteriores à publicação do artigo, obtendo sucesso clínico, tanto quando foi usada independentemente, como quando indicada em combinação com a cirurgia segmentada da maxila e/ou avanço cirúrgico mandibular. Eles não encontraram nenhum caso de insuficiência velofaríngea, fala hipernasal, estenose palatal, infecção ou comprometimento vascular dos segmentos ósseos32 (Fig. 5 e 7).

A cirurgia ortognática por meio do avanço maxilomandibular está indicada para pacientes com SAOS severa, com obesidade mórbida, apresentando deficiência mandibular severa (SNB < 76°) e saturação de O2 abaixo de 70%, além da obtenção de insucesso após em outros tratamentos. Outros procedimentos, tais como a glossectomia parcial e cirurgias nasais (septoplastia, polipectomias ou turbinectomia inferior), são úteis, pois diminuem a resistência do ar nas vias aéreas29.

A cirurgia ortognática por meio da osteotomia sagital bilateral do ramo mandibular (OSBRM) permite o avanço do processo dentoalveolar juntamente com o alongamento dos músculos digástricos (ventre anterior); milo-hióideo, genioglosso e do gênio-hióideo. Dessa forma, a base da língula é deslocada para a frente e para cima, promovendo o aumento do espaço aéreo posterior e criando espaço para o reposicionamento lingual. Nesse contexto, o avanço maxilar traciona o palato mole e o músculo palatoglosso para anterior, aumentando a área retro-palatal e o suporte da língua10 (Fig. 5 e 7). Além disso, a genioplastia de avanço também permite o aumento do espaço aéreo posterior pela reposição anterior da língua10 (Fig. 6, 8 e 9).

Outra técnica disponível é a osteotomia mandibular anterior com miotomia supra-hióidea e suspensão do osso hioide. A osteotomia envolve a região anterior da mandíbula, incluindo os tubérculos genianos, promovendo o avanço e a suspensão do hioide juntamente com a musculatura supra-hióidea. Da mesma forma que as técnicas anteriormente comentadas, essa também possibilita o aumento do espaço aéreo20,21 (Fig. 10).

A distração osteogênica mandibular pode ser uma intervenção eficaz e segura em recém-nascidos diagnosticados com sequência de Pierre Robin com micrognatia severa e obstrução das vias aéreas. É interessante notar que nos pacientes com síndromes adicionais complexas, a obstrução das vias aéreas não é consistentemente aliviada, provavelmente pela deformidade adicional dos terços médio e superior da face, bem como pela possível atresia de coanas. Portanto, após a falha de medidas conservadoras, a distração osteogênica mandibular deve ser considerada a fim de se evitar a necessidade de uma traqueostomia em recém-nascidos micrognatas com obstrução das vias aéreas superiores6,14.

Considerações Finais

Diante do exposto, temos que a SAOS abrange uma parcela significativa e heterogênea da população. Com o desenvolvimento tecnológico e o maior conhecimento acerca do problema, é possível oferecer aos pacientes, com diferentes faixas etárias e níveis de obstrução respiratória, tratamentos cada vez mais individualizados e específicos. É imprescindível a avaliação e tratamento multidisciplinar, em especial nos casos sindrômicos.

A cirurgia bucomaxilofacial, principalmente por meio dos avanços bimaxilares da cirurgia ortognática, é parte importante do arsenal terapêutico dos pacientes que sofrem com a SAOS. Deve-se sempre ser ressaltado que o melhor tratamento só será realizado quando todos os níveis de obstrução forem corretamente diagnosticados e corrigidos.

» Os pacientes que aparecem no presente artigo autorizaram previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

Como citar este artigo: Suguimoto RM, Ramalho-Ferreira G, Faverani LP. Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS): considerações gerais sobre etiologia, diagnóstico e tratamento. Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 abr-maio;12(2):8-16.

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