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Sepse e a prática odontológica – o que todo dentista deve saber

Morte de ex-vocalista do Dominó alerta sobre perigos de infecções na boca; profissionais devem usar de protocolos oficiais de conduta para resguardar pacientes, a profissão e o bem-estar social, diz especialista

A morte do ex-vocalista da banda Dominó Ricardo Bueno, aos 40 anos, na última quinta-feira (16), após uma infecção generalizada causada por um problema odontológico, faz um alerta para o problema: a infecção, em qualquer parte do corpo, não pode ser negligenciada. Quando mal tratadas, infecções podem evoluir e se espalhar pelo corpo, por meio da corrente sanguínea, condição conhecida como sepse ou infecção generalizada. Apesar de mais raro em casos de doenças bucais, a sepse é um risco também para pacientes odontológicos.

Ídolo adolescente dos anos 1990, ex-vocalista do Dominó Ricardo Bueno morreu em decorrência de uma sepse causada por abcesso odontogênico (Foto: Divulgação)

“Um simples abscesso gengival, periodontal ou, ainda, um abscesso periapical, assim como uma injeção contaminada, uma cirurgia simples e procedimentos aparentemente inofensivos, como colocar um piercing ou fazer uma tatuagem, podem levar a uma sepse se o paciente estiver debilitado por dieta inadequada, vícios, recebendo corticoides ou submetido a uma vida estressante”, afirma o professor titular de Patologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Alberto Consolaro, em artigo publicado na edição v12n1 da Revista Dental Press de Odontologia Estética.

De acordo com ele, a sepse representa um estado de anarquia biológica, em que os sistemas do corpo e os mecanismos de defesa ficam descoordenados, atuando cada um à sua maneira, levando o organismo à falência como um todo, e até ao óbito. A partir de um determinado ponto, o problema deixa de ser as bactérias indutoras e passa a ser recuperar ou restabelecer a sincronia dos mecanismos que fazem o organismo funcionar normalmente.

Números alarmantes

Quase sempre o paciente com sepse vai para uma Unidade de Terapia Intensiva, e a taxa de mortalidade é alta. Dados do Instituto Latino Americano da Sepse mostram que 55,7% morrem nas 229 UTIs brasileiras pesquisadas, enquanto nos EUA morrem 32%; na França, 30% e na Austrália, 18%. Cerca de 25% das vagas de UTIs estão ocupadas por pacientes com sepse, sendo a principal causa de morte nessas unidades.

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Uma das razões para essa alta mortalidade refere-se ao fato dos pacientes e profissionais da saúde demorarem a procurar a UTI, diz o texto. A pesquisa revelou, ainda, que 44% dos médicos não sabem diagnosticar a sepse e que apenas 7% dos brasileiros já ouviram falar dela. Ainda na abordagem do Instituto Latino Americano da Sepse dos pacientes com sepse, 40% já chegam na UTI com a doença instalada. A procura por hospital é, geralmente, retardada por ignorância ou comodismo. Os principais sinais são: febre, mal estar, fraqueza, tremores, tontura, falta de ar e diarreia. “Quanto mais cedo tratada, muito menor a mortalidade. O treinamento dos médicos e paramédicos, bem como a informação à população, reduziriam em muito os casos de óbito por sepse”, diz Consolaro.

Bacteremia, o início da sepse

O artigo de Alberto Consolaro explica que o nosso organismo controla com facilidade as bacteremias diárias, desde que os mecanismos de defesa funcionem sincronizadamente, especialmente a inflamação e o sistema imunológico, suportados por rins, pulmões, fígado e coração — esses devem estar funcionando normalmente. No entanto, deficiências nutricionais por alimentos inadequados, regimes e dietas malucas, uma vida estressante associada ao sedentarismo, cigarro, álcool e drogas, e o diabetes melito não controlado promovem uma falta de efetividade desses mecanismos contra as bactérias, especialmente as do dia a dia.

No sangue, bactérias podem circular todos os dias, mas sobrevivem por apenas alguns segundos ou minutos. Se sobreviverem mais tempo, o organismo pode exacerbar as reações e perder o controle e a sincronia sobre os sistemas e mecanismos de defesa: a sepse. (L = leucócitos; H = hemácias; B = bactérias)

Do mesmo modo, pacientes em terapia contra o câncer, com doenças autoimunes, insuficiência respiratória ou renal e cistite também ficam debilitados. Nesses estados debilitantes, o que seria uma bacteremia habitual passa a ser uma contaminação importante.

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As bactérias, de um modo geral, duplicam-se, em média, a cada 20 minutos, o que é conhecido como tempo médio de geração. Quando estão debilitados os mecanismos de defesa, como a inflamação e resposta imunológica, o tempo para se destruir as bactérias pode ultrapassar os tempos médios de geração, e as bactérias proliferam no meio interno sanguíneo ou tecidual, aumentando em muito sua quantidade e distribuição.

Com um número maior de bactérias ou vários pontos contaminados, o organismo rapidamente pode reagir de forma assoberbada, desorganizada ou hiperdimensionada, dando origem à sepse, também referida entre os especialistas como SIRS, ou Síndrome da Resposta Inlamatória Sistêmica (do inglês Systemic Inflammatory Response Syndrom), de origem microbiana.

Como evitar?

Uma avaliação prévia e rigorosa das condições sistêmicas, antes de qualquer procedimento que exponha o meio interno do corpo ao meio externo, é fundamental para se evitar problemas. “E quanto antes ela for diagnosticada e tratada, aumenta-se a possibilidade de salvar o paciente dessa situação”, alerta o patologista.

“Um procedimento cirúrgico simples — como raspagens, pequenas cirurgias gengivais ou uma frenectomia — representa uma possibilidade de comunicar-se o meio interno com o externo: haverá, inevitavelmente, bacteremias”, diz Consolaro. O mesmo pode-se afirmar de preparos subgengivais, colocações de grampos e matrizes. Procedimentos injetáveis de material também representam portas para entrada microbiana.

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Mas será que em todos os procedimentos intrabucais que envolvem comunicação entre os meios interno e externo ocorre a bacteremia? Em todos esses casos, pode-se questionar que qualquer consequência decorrente dessa presença transitória de bactérias no sangue (inclusive uma septicemia) pode ter sido, efetivamente, induzida pelo atendimento odontológico? Poderia o paciente questionar o profissional sobre sua responsabilidade como indutor do processo?

Alberto Consolaro é professor titular de Patologia da FOB-USP e autor de diversos livros publicados pela Dental Press, entre eles “Inflamação e Reparo” (Foto: Dental Press)

Consolaro é categórico: “A resposta, infelizmente, é sim, apesar de ser minimamente possível, do ponto de vista das probabilidades estatísticas, mas poderia.” E completa: usar a antibioticoterapia preventiva, para se resguardar de problemas jurídicos e de responsabilidade profissional deve ser uma discussão premente para que o profissional possa usar protocolos oficiais de conduta e resguardar seus pacientes, sua profissão e seu bem-estar social e financeiro.

Ele acredita que esses protocolos de conduta e terapêutica poderiam ser adotados com as sociedades médicas e odontológicas do Brasil, em associação com as universidades e centros de pesquisa sobre esse tema, usando como exemplo o que se faz a esse respeito em outros países mais desenvolvidos.

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