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Tratamento estético dos dentes: expectativa versus realidade – por William Kabbach

William Kabbach
Mestre e doutor em Dentística pela UNESP (Araraquara/SP)

O cirurgião-dentista que se aventura a oferecer tratamentos estéticos tem, invariavelmente, que lidar com a expectativa de seus pacientes quanto ao tratamento oferecido. Expectativa é a condição de quem espera um resultado que vá ao encontro do seu desejo. O desejo dos pacientes, quando procuram tratamentos estéticos, é ter os dentes mais belos. Cabe, então, ao dentista realizar esse desejo e dar ao paciente um sorriso mais bonito, por meio das técnicas que nossa profissão dispõe.

Acontece que, na prática, ser capaz de cor responder ao desejo dos pacientes é muito mais difícil do que na teoria. Vejamos: o dentista deve compreender qual é o desejo do paciente, o que, por si só, já não é uma tarefa fácil. Darei um exemplo que aconteceu há pouco tempo em meu consultório. Uma paciente com 45 anos de idade me procurou querendo um tratamento estético para seu sorriso. Ela tinha acabado de finalizar um tratamento ortodôntico e gostaria de ter seus dentes “mais bonitos”. Eu interpretei essa sua fala com o que tenho de referência de um sorriso bonito: dentes brancos, bem alinhados, bem contornados e com todas as características de um sorriso de capa de revista.

Na avaliação clínica, observei dentes escurecidos, com tratamento endodôntico e um retentor intrarradicular metálico fundido no dente #12, dentes alinhados e perfil gengival satisfatório (Fig. 1).

Figura 1:Aspecto inicial dos dentes anterossuperiores. Figura 2: Pino anatômico sendo confeccionado no dente #21. Figura 3: Aspecto dos dentes #12 e #21 preparados para receber coroas em resina composta, e dente #11 sem qualquer preparo. Figura 4: Coroas em resina composta nos dentes #12 e #21, e lente de contato dental em resina composta sobre o dente #11. Figura 5: Aspecto final, após cimenta-ção adesiva das peças em resina composta (Foto: JCDR/Dental Press)

Após o clareamento dental, fiz um primeiro plano de tratamento, com cerâmicas de canino a canino, dando nova cor, contorno e forma aos dentes, pois, ao meu ver, seria uma opção ótima para mimetizar substratos de colorações variadas (dente hígido; dente escurecido, com tratamento endodôntico e pino metálico). Fiz, também, um segundo plano de tratamento, com coroas em resina sobre os dentes #21 e #12, e faceta em resina no dente #11 — os dentes mais comprometidos esteticamente—, mantendo a coloração e o padrão da forma dental natural da paciente. Em função da grande diferença de preço dos dois tratamentos, a paciente optou pela segunda opção de tratamento em resina composta.

Pois bem, assim seria, então, realizado. Nesse mesmo dia, logo após ter atendido a essa paciente, um grande amigo protético e parceiro de trabalho me solicitou um caso de anteriores com substratos diferentes, para documentar; nesse caso, ele faria as peças sem qualquer custo. Na mesma hora, eu, bastante animado, comuniquei à paciente que, devido a essa circunstância, poderíamos fazer o caso dela todo em cerâmica sem custo nenhum, e ela, acredito que contagiada pela minha euforia, concordou.

Na sessão seguinte, instalei um pino anatômico no dente #21 (Fig. 2) e repreparei os dentes #21 e #12, instalando os provisórios sobre os dentes preparados. Marquei, então, um retorno para a próxima sessão, para preparar os outros dentes que receberiam as lentes de contato dental. Na sessão seguinte, no entanto, a paciente chegou no horário marcado e disse estar com tontura, achando ser labirintite, mas que iria ao médico para uma avaliação. Achei por bem, então, adiar a sessão e o preparo desses dentes para outro dia.

No dia seguinte, logo depois de sua consulta com o médico, ela foi diretamente ao consultório pedindo para falar comigo e, muito sem jeito, disse-me que o médico a diagnosticou com síndrome do pânico e que ela portanto, gostaria de suspender o tratamento, pois os dentes a traziam muitas preocupações.

Pego de surpresa, confesso que fiquei frustrado. Naquele instante, a minha expectativa de fazer desse um caso lindo tinha sido declinada, mas estava diante de mim um ser humano com toda a complexidade da vida real. Fiquei compadecido dela e pedi, sem tentar convencê-la, que ficasse à vontade pra decidir se seguiríamos ou não com o tratamento. Expliquei que com mais uma sessão poderíamos instalar as peças em resina composta, como ela havia escolhido ao início do tratamento.

Então, no mesmo dia, a moldei (Fig. 3) e, no dia seguinte, instalei coroas no dentes #21 e #12 e uma “lente de contato em resina composta” no dente #11 (Fig. 4). O resultado estético pode ser conferido na Figura 5.

Esse é um exemplo de uma situação delicada, mas que pode ser bastante rotineira em um consultório, na qual expectativas se confrontaram e foram frustradas. Mas a tarefa de corresponder aos desejos dos pacientes é, sem dúvida, o maior desafio para o dentista que trabalha com Odontologia Estética.

Essa é apenas uma história do dia a dia de um consultório, mas que vem recheada de ensinamentos e nos faz refletir sobre o nosso papel enquanto dentistas e a forma como encaramos nossa tão bela e desafiadora profissão.

Ainda que lentes de contato em cerâmica tenham se tornado o desejo de muitas pessoas, devido à sua fama nos meios de comunicação, elas podem não ser o desejo ou a prioridade de todos, cabendo a nós muita atenção ao ouvir nossos pacientes, considerando sempre sua individualidade, pois, ao trabalhar com Odontologia Estética, estamos lidando, acima de tudo, com seres humanos.

*Publicado originalmente na JCDR.

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