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Reabsorção interna não tem como ser induzida pelo tratamento ortodôntico: a causa é o traumatismo dentário!

Resumo

Os odontoblastos “revestem” a parede interna da dentina, protegendo-a da ação dos clastos que a reabsorveriam por possuir proteínas antigênicas que “deveriam” ser eliminadas. Quando pequenas partes da camada odontoblástica são deslocadas para o interior da polpa por forças súbitas e abruptas do traumatismo dentário, as áreas de dentina exposta ao tecido conjuntivo pulpar que permaneceu vital podem induzir as reabsorções internas.

As forças do movimento ortodôntico são muito menores e dissipantes, sem capacidade de induzir esse tipo de lesão na camada odontoblástica e, por consequência, esse não está relacionado entre as causas de reabsorção interna. As reabsorções internas antes, durante e após o tratamento ortodôntico devem ser encaminhadas para o endodontista e explicado ao paciente que a causa foi o traumatismo dentário — em geral do tipo concussão —, na maioria das vezes, esquecido por parte do paciente ao longo do tempo.

Palavras-chave: Reabsorção interna. Tratamento ortodôntico. Traumatismo dentário. Concussão dentária.

Organização da camada odontoblástica: analogias e a função protetora

Os odontoblastos, nos cortes teciduais, apresentam-se um ao lado do outro como uma cerca de estacas de madeira unidas firmemente por vigas transversais, conhecida como paliçada e muito utilizada para fins militares — podendo ser belas, quando bem feitas (Fig. 1). É usual descrever-se esse odontoblastos como “dispostos em paliçada”.

Pode-se afirmar também que os odontoblastos na superfície pulpar da dentina se posicionam, em conjunto, como um balaústre (Fig. 2), um elemento de ornamentação muito usado na arquitetura, em terraços, como um muro de proteção ou enfeites de parapeitos e escadas, na construção civil.

A união lateral entre os odontoblastos está tão bem constituída que alguns morfologistas chegam a comparar a camada odontoblástica com um revestimento epitelial (Fig. 3). Essa organização da camada odontoblástica visa proteger e “esconder” a dentina e suas proteínas antigênicas dos componentes celulares do sistema imunológico. Evita-se, assim, que unidades osteorremodeladoras e seus clastos a reabsorvam internamente, na polpa dentária, para eliminar esses antígenos sequestrados ou “escondidos” em sua estrutura.

Tratamento ortodôntico difere totalmente de traumatismo dentário

Movimentos abruptos sobre a estrutura dentária — mesmo os de menor intensidade, a ponto de não afetarem a estrutura periodontal, como acontece nas concussões dentárias — podem levar a deslocamentos focais de pequenas porções da camada odontoblástica, sem perda da vitalidade pulpar.

Nesse tipo de traumatismo dentário (a concussão), não há qualquer aumento de mobilidade dentária, apenas uma discreta sensibilidade dolorosa por algumas horas1. Em algumas situações, mesmo no menor traumatismo dentário, por ser abrupto e conforme a direção da fonte geradora do impacto, as forças podem se concentrar em uma determinada área da polpa.

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As áreas de dentina exposta ao tecido conjuntivo pulpar estimulam o reconhecimento antigênico das proteínas sequestradas da dentina. O organismo, via sistema imunológico, organiza unidades osteorremodeladoras e seus clastos iniciam a reabsorção interna1.

A movimentação ortodôntica, mesmo as mais intensas e descontroladas, gera forças que, na sua intensidade, não são comparáveis às de um traumatismo dentário, mesmo aqueles de menor intensidade. Além da diferença desproporcional quanto à intensidade, as forças ortodônticas são dissipantes e diminuem gradativamente à medida que os tecidos periodontais e ossos reacomodam as suas estruturas em novos espaços e formas. Sem movimentos abruptos e súbitos, não há como deslocar focos, fragmentos ou áreas de camada odontoblástica da parede interna da dentina.

Reabsorção Interna em dentes íntegros: O significado!

A reabsorção interna, com base no conhecimento contemporâneo, deve ser atribuída quase exclusivamente ao traumatismo dentário, especialmente em dentes aparentemente hígidos clinicamente.

Mesmo que o paciente não consiga se lembrar de traumatismos dentários específicos no dente afetado, deve-se atribuir sua causa a esses traumatismos. A concussão dentária dificilmente fica marcada na memória do paciente, devido à sua baixa ou ausente sintomatologia e falta de consequências clínicas imediatas. Outra opção, para os casos em que o paciente não se lembra do acidente dentário traumático, pode ser denominar a reabsorção interna como idiopática, ou seja, de causa não identificável, muito embora não exista, com suporte em evidências, outra causa que não seja o traumatismo dentário.

Nos casos de reabsorção interna em dentes aparentemente hígidos, e que estejam em ou tenham sido submetidos a tratamento ortodôntico, não se deve atribuir a origem do processo às forças da movimentação dentária; mas sim ao traumatismo dentário, que pode ocorrer em qualquer fase da vida, inclusive durante e imediatamente após um tratamento ortodôntico.

Nos traumatismos dentários mais intensos, a reabsorção interna quase sempre está ausente, pois, se intensas, súbitas e abruptas, as forças traumáticas rompem com os feixes neurovasculares que suportam a sensibilidade e vascularização pulpar, levando-a à necrose. Para que a reabsorção interna tenha início e evolua, requer-se uma constante atividade das unidades osteorremodeladoras e seus clastos e, para isso, se faz necessário um tecido vivo e vascularizado ao seu redor. A reabsorção interna não se inicia ou progride em casos de necroses pulpares.

Do mesmo modo que no tratamento ortodôntico, as forças de uma oclusão traumática não são abruptas e súbitas a ponto de promoverem deslocamentos de fragmentos ou pequenas áreas focais da camada odontoblástica, seguidos de exposição direta da dentina ao tecido conjuntivo pulpar e consequente reabsorção interna. O padrão e o tipo de forças geradas na oclusão traumática  também não são comparáveis, em intensidade e efeito, às forças do traumatismo dentário: elas não conseguem induzir o início e a progressão da reabsorção interna. Por fim, mesmo em dentes aparentemente hígidos e com oclusão traumática e lesão de trauma oclusal, a reabsorção interna deve ser atribuída ao traumatismo dentário.

Conduta e prognóstico da reabsorção interna durante e após o tratamento ortodôntico

O especialista em Ortodontia, frente ao um caso clínico de reabsorção interna, deve encaminhá-lo ao endodontista, que promoverá o tratamento endodôntico, com bom prognóstico, de um modo geral. Nos casos mais avançados de reabsorção interna (Fig. 4) em que a estrutura dentária tenha ficado excessivamente fragilizada, o tratamento endodôntico pode induzir a um prognóstico regular ou ruim, pois fraturas secundárias podem levar à perda dentária. Nesses casos, a perda dentária será inevitável e a indicação de implante osseointegrável para substituir o dente será necessária.

O ortodontista jamais deverá postergar o encaminhamento do paciente com reabsorção interna para o endodontista, visto que trata-se de uma pulpopatia inflamatória irreversível, que progride lenta e continuadamente. O diagnóstico e o tratamento do caso em suas fases iniciais proporcionam um bom prognóstico, sem perda dentária.

A comunicação franca e ética entre o ortodontista e o endodontista deve ter como base a premissa e as evidências de que, na literatura, nenhum caso de reabsorção interna foi atribuído de forma comprovada ao tratamento ortodôntico. Em todos os casos bem documentados, a história de traumatismo dentário anterior está presente.

Em geral, quando algum profissional clínico atribui como causa da reabsorção interna o tratamento ortodôntico, isso decorre do fato de que, no seu raciocínio, o movimento dentário, o traumatismo dentário e o trauma oclusal sejam induzidos pelo mesmo tipo de força — quanto à sua distribuição, intensidade e tempo de duração —, o que implica em um significativo erro de interpretação clínica.

Consideração final

As forças do movimento ortodôntico são dissipantes e muito menores do que as do menor traumatismo dentário (a concussão), e não têm capacidade de lesar a camada odontoblástica. No traumatismo dentário, as forças são abruptas e súbitas, deslocando pequenas partes da camada odontoblástica para o centro da polpa, expondo dentina e, em consequência, provocando reabsorção interna. As reabsorções internas antes, durante e após o tratamento ortodôntico devem ser encaminhadas para o endodontista, e o paciente orientado de que a causa foi o traumatismo dentário — em geral do tipo concussão — que, na maioria das vezes, é esquecido por parte do paciente ao longo do tempo.

>> Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Como citar este artigo: Consolaro A, Consolaro RB. Reabsorção interna não tem como ser induzida pelo tratamento ortodôntico: a causa é o traumatismo dentário! Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 dez-2014 jan;12(6):102-6.

Endereço de correspondência: Alberto Consolaro

E-mail: consolaro@uol.com.br

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