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Presença de pus indica bactérias no local

Resumo

A presença de pus indica, necessariamente, a contaminação bacteriana da área por estafilococos e estreptococos. A interação dos neutrófilos com essas bactérias representa o mecanismo de formação do pus no organismo humano. A presença dessas bactérias pode ser assim analisada e questionada: (1) As bactérias já estavam no local antes do procedimento cirúrgico? (2) O material colocado estava previamente contaminado pelas bactérias? (3) Houve falha na cadeia asséptica? (4) Houve negligência da higiene bucal por parte do paciente no pós-operatório? Se o pus está se formando, os estafilococos e os estreptococos estão presentes na área.

Palavras-chave: Abscesso. Bactérias. Pus. Contaminação.

O corpo humano tem dez trilhões de células, e cem trilhões de bactérias — ou seja, dez vezes mais. Um dado impressionante, que nos permite ressaltar a importância das microbiotas com que convivemos. A presença das bactérias em nossas vidas é fundamental para estimular nossos mecanismos de defesa. As bactérias, inicialmente chamadas de animalículos, partilham o ambiente das microbiotas com fungos, vírus e parasitas.

A pele e mucosas, como tegumentos naturais, exercem vários mecanismos de defesa e atuam como barreira física, química e biológica contra a penetração de microrganismos no meio interno. O tecido conjuntivo representa o meio interno, constituindo, por exemplo, a submucosa bucal, a derme e o tecido ósseo.

Em cortes, dilacerações, ablações, cirurgias, punções e outras formas de perda da continuidade da pele ou mucosa, as bactérias da microbiota entram nos tecidos conjuntivos subjacentes, pois os tegumentos foram transpostos, vencidos ou ignorados. A entrada de bactérias no meio interno, nas perdas de continuidade dos epitélios da pele e mucosas, torna-se inevitável, devido à quantidade de oportunidade oferecidas.

Enfim, convivemos, compartilhamos e nos equilibramos biologicamente com uma grande quantidade de bactérias em nossas superfícies externas e internas. O organismo está preparado para a eventual entrada de bactérias no meio interno, que ocorre praticamente todos os dias.

Quando as bactérias entram nos tecidos conjuntivos, a inflamação é imediatamente desencadeada. Os vasos sanguíneos deixarão passar para a região muitas substâncias plasmáticas, o exsudato e, também, muitas células leucocitárias, que, em conjunto, recebem o nome de infiltrado (Fig. 1).

Os vasos sanguíneos exsudam os componentes plasmáticos

Entre as substâncias que imediatamente saem dos vasos sanguíneos, após a entrada das bactérias para o local, estão os anticorpos ou imunoglobulinas. Esses produtos reagem de forma específica e desencadeiam mecanismos que destroem as bactérias que compõem as microbiotas humanas, juntamente com outros componentes do plasma — como as proteínas e enzimas que, em conjunto, recebem o nome de complemento.

Como o organismo sabe, antecipada e especificamente, que essas bactérias serão as que irão entrar no meio interno? Todos os dias elas entram ou tentam invadir o organismo; todos os dias o sistema imunológico está sendo estimulado a produzir anticorpos e outros produtos voltados especificamente para combatê-las. Por isso que no plasma sanguíneo há elevados níveis de anticorpos específicos contra as bactérias das microbiotas e as que predominam são as dos tipos morfológicos de estafilococos e estreptococos.

A chegada dos neutrófilos e a formação do pus

Noventa minutos depois de qualquer agressão nos tecidos conjuntivos, como a entrada de bactérias, as primeiras células inflamatórias a chegarem em grande número — quase exclusivamente pelas próximas 48-72h — são os neutrófilos. As células inflamatórias, imunológicas ou de defesa são os leucócitos, que circulam continuadamente no sangue (Fig. 1).

Os neutrófilos são os leucócitos mais numerosos no sangue (50-60%) e são especializados em fagocitar bactérias, especialmente estafilococos e estreptococos. A sua função de interagir, fagocitar e destruir esse tipo de bactérias está relacionada com a presença de muitos grânulos carregados de enzimas e outros produtos poderosos no citoplasma (Fig. 2). Outros tipos de bactérias — como os bacilos da tuberculose e da hanseníase, por exemplo — não interagem com os neutrófilos. Em síntese, neutrófilos interagem quase exclusivamente com estafilococos e estreptococos.

Os neutrófilos são programados para interagir com os estafilococos e estreptococos porque esses são os microrganismos predominantes em nossas microbiotas nas mais variadas superfícies internas e externas, inclusive as da boca.

Quando as bactérias das microbiotas conseguem ultrapassar as barreiras da pele e mucosas, ou elas são abertas, imediatamente os anticorpos, proteínas do complemento e outras enzimas e produtos estão prontos para inibir, destruir e neutralizá-las. Noventa minutos depois, chegam os neutrófilos, para fagocitá-las e eliminá-las por completo.

Quando os neutrófilos interagem com as bactérias, o citoplasma, antes de fechar o ‘abraço’ que construiu em torno do microrganismo para fagocitá-lo, libera o conteúdo de seus grânulos e lisossomos à base de enzimas proteolíticas degradativas e de substâncias bactericidas, como o peróxido de hidrogênio e soluções cloradas (Fig. 2).

Os produtos derramados ou regurgitados no local pelos neutrófilos degradam, também, o colágeno e outros componentes da matriz extracelular do tecido conjuntivo. As bactérias degradadas, os componentes do conjuntivo dissolvidos e os neutrófilos mortos se juntarão ao exsudato formado pela inflamação, deixando de ter o aspecto inicial de um líquido seroso e assumindo uma cor amarelada e uma consistência viscosa (Fig. 4). Assim se forma o exsudato purulento, também conhecido como pus.

Muitos neutrófilos, quando não conseguem destruir as bactérias que fagocitaram, explodem e liberam enorme quantidade de enzimas degradativas nos tecidos locais, um fenômeno conhecido como citólise (Fig. 3).

Os neutrófilos são, eventualmente, chamados de piócitos ou as células do pus, e os estafilococos e estreptococos também denominados de bactérias piogênicas ou produtoras de pus. O conjunto formado pelo pus acumulado localmente e circundado por neutrófilos é, em geral, chamado de abscesso.

Se a quantidade de bactérias for pequena, não “se forma” pus!

Se o número de bactérias que entram em uma determinada área do tecido conjuntivo for pequeno, os mesmos fenômenos destrutivos resultantes da interação bactérias e neutrófilos ocorrem, mas a formação de pus não é visível, ou seja o exsudato inicialmente seroso não chega a ganhar o aspecto viscoso e amarelado, mas os fenômenos ocorrem da mesma forma!

Em outras palavras: a quantidade de bactérias que entram nos tecidos também é importante para determinar se, clinicamente, haverá ou não a formação de pus.

Em muitas cirurgias bucais — como as parendodônticas, periodontais, para colocação de implantes dentários e mesmo nas intervenções pulpares diretas —, as bactérias geralmente entram na área cirúrgica, mas em número pequeno: desse modo, os anticorpos e outras proteínas, juntamente com os neutrófilos, acabam com elas rapidamente, sem que a formação de pus se estabeleça na região. Da mesma forma, no coto ou no ligamento periodontal apical, em abordagens endodônticas, as bactérias chegam até lá, mas em número reduzido não teremos formação de pus!

A assepsia representa o conjunto de procedimentos que visam impedir a entrada de bactérias em locais onde elas previamente não existem. Para isso se faz a esterilização, desinfecção e antissepsia. Mas na boca é quase impossível conseguir que nenhuma bactéria adentre no tecido conjuntivo exposto pelos procedimentos endodônticos e/ou cirúrgicos. Os problemas não ocorrem na maioria dos casos porque, ao se tomar todos os cuidados de uma cadeia asséptica, apenas um pequeno número de bactérias chega na ferida cirúrgica. Mesmo que sejam bactérias estreptococos ou estafilococos, a formação de pus não acontecerá nessas condições.

Se houver formação de pus, há bactérias no local

Independentemente do lugar no organismo, a formação de pus tem um significado bem estabelecido: presença de bactérias estafilococos e estreptococos na região. Isso pode acontecer ao redor de um fio de sutura, no alvéolo após a exodontia, na gengiva após a cirurgia ou ao redor de um implante dentário. Alguns raros produtos químicos, como a terebentina, podem levar à formação de pus quando introduzidos em quantidade no tecido conjuntivo, mas essa situação praticamente existe apenas experimentalmente.

A principal, e quase exclusiva, forma de geração de pus nos tecidos decorre da interação entre bactérias e neutrófilos. A presença de pus não significa rejeição, imunorrejeição, qualidade ruim do material utilizado, composição inadequada de um cimento obturador, fio de sutura ruim, tipo ruim de liga metálica, sobrecarga oclusal ou traumatismo.

Os materiais sólidos/particulados, normalmente colocados na intimidade dos tecidos, não induzem formação de pus. Os metais e ligas, cimentos cirúrgicos, cimentos obturadores, resinas, polímeros e outros materiais sólidos, por si só, não promovem a formação de pus a não ser que estejam contaminados por bactérias. O que induz a formação de pus é a contaminação bacteriana por estafilococos e estreptococos. A presença dessas bactérias pode ser assim analisada e questionada:

ϖ As bactérias já estavam no local antes do procedimento cirúrgico?

ϖ O material colocado estava contaminado previamente pelas bactérias?

ϖ Houve falha na cadeia asséptica?

ϖ Houve negligência da higiene bucal por parte do paciente no pós-operatório?

Não importa qual a explicação, se o pus está se formando, é porque os estafilococos e os estreptococos estão presentes na área.

Consideração final

A presença de pus em uma determinada área indica, necessariamente, sua contaminação bacteriana por estafilococos e estreptococos. A interação dos neutrófilos com essas bactérias representa o principal e mais importante mecanismo de formação do pus no organismo humano. Ainda, pode ser um ponto importante de reflexão clínica: como, quando e porque as bactérias chegaram até o local.

Uma fez fui questionado e convidado a responder por escrito à seguinte pergunta7: O que significa a presença de pus ao redor de um implante osseointegrável? Esse questionamento se estende, naturalmente, a outras situações clínicas e, aqui especialmente, endodônticas: na prática clínica, a formação do pus ocorre apenas e necessariamente na presença de bactérias!

 

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