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Precisão de medições lineares em tomografias computadorizadas por feixe cônico e helicoidal, realizadas em mandíbulas humanas

Resumo

Introdução: a obtenção de métodos de imagem capazes de reproduzir com adequada precisão as dimensões maxilomandibulares é de vital importância para o diagnóstico e o planejamento seguro de procedimentos cirúrgicos. Objetivo: verificar, in vitro, a precisão de medições lineares de um exame de tomografia computadorizada helicoidal e de dois sistemas de tomografia computadorizada por feixe cônico. Método: dez mandíbulas humanas secas foram submetidas a três diferentes exames de tomografia: CBCT i-CAT, CBCT NewTom 3G e HCT helicoidal Picker CT Twin Flash. As medições realizadas diretamente na mandíbula foram feitas com um paquímetro digital, e as tomográficas por meio do software ImplantViewer 2.604. Foram mensuradas seis regiões de cada mandíbula seca, sendo agrupadas em duas regiões de primeiro molar inferior (Sítio PMI), duas regiões de primeiro pré-molar inferior (Sítio PPMI) e em duas regiões de incisivo lateral inferior (Sítio ILI). Resultados: nos sítios ILI e PPMI, as três tomografias estudadas demonstraram precisão semelhante entre si. No sítio PMI, a CBCT i-CAT mostrou-se mais precisa que as dos demais sistemas. Conclusão: pode-se concluir que nos sítios ILI e PPMI as três TCs estudadas apresentam limites de concordância e de precisão semelhantes, e que no sítio PMI a CBCT i-CAT apresentou um limite de concordância de menor amplitude, sendo mais precisa que a dos demais exames.

 

Palavras-chave: Tomografia computadorizada espiral. Tomografia computadorizada de feixe cônico. Implantes dentários. Imagem tridimensional.

 

 

Introdução

As tomografias computadorizadas (TCs) permitem a reconstrução volumétrica e a manipulação — com fidelidade e em escala real — das imagens por meio de softwares1,2,3.

As TC podem ser divididas, basicamente, em duas categorias: a tomografia computadorizada helicoidal (TCH) e a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC)4.

Na TCH, as imagens digitais são obtidas por meio de cortes seccionais da região de interesse, e os dados obtidos são reformatados e reconstruídos em imagens bi- e tridimensionais. A TCH permite reconstruções de imagens em proporções reais, com fidelidade e resolução excelentes devido à possibilidade de cortes de até 0,5mm de espessura1-4.

Nos aparelhos de TCH dotados de multidetectores (multislice), a emissão de radiação é muito menor que a dos tomógrafos de apenas um detector (single slice), sendo reduzido também o tempo para aquisição dos dados3,5,6.

A TCFC, diferentemente da TCH, que adquire os dados por fatias, baseia-se na emissão de um feixe cônico de raios X em um único giro de 360° em torno da cabeça do paciente, quanto todo o volume das estruturas é obtido. Após a aquisição dos dados, as imagens são reconstruídas volumetricamente, bidimensionalmente e tridimensionalmente pelo software. Os idealizadores afirmavam também que as doses de radiação efetiva seriam mais baixas que na TCH2,7,8.

Por existir, basicamente, dois tipos de TCs, e ambas com indicação para diagnóstico e planejamento nas áreas médicas e odontológicas, justifica-se a avaliação de ambos os métodos, comparando-os às medições reais realizadas em mandíbulas humanas. Assim, o objetivo do presente trabalho in vitro foi avaliar a precisão de medições lineares de um exame de TCH e de dois sistemas de TCFC, confrontando esses dados com os valores obtidos nos exames físicos, realizados em dez mandíbulas humanas secas.

 

Material e Métodos

Foram confeccionadas guias tomográficas em resina acrílica autopolimerizável e, também, dentes de estoque, imitando uma prótese parcial removível ou uma prótese total para cada mandíbula, dependendo da presença ou não de elementos dentários. Como critério de exclusão, estabeleceu-se que as mandíbulas não pudessem apresentar dentes nas regiões referentes aos elementos pares. Após a montagem de dentes em roletes de cera confeccionados com cera dentária rosa, os dentes de estoque correspondentes aos elementos pares foram todos removidos, simulando sua ausência (Fig. 1).

Na porção cervical de cada espaço edêntulo, foram posicionadas esferas de aço, utilizadas como referências para a realização das medições tanto nas tomografias quanto nas medições físicas realizadas diretamente nas mandíbulas. As esferas de aço foram posicionadas nas regiões dos elementos pares (46, 44, 42, 32, 34 e 36), em cada uma das dez mandíbulas (Fig. 2).

 

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Após o posicionamento das esferas de aço, as guias foram acrilizadas (Fig. 3). Foi utilizada uma fita adesiva para a correta fixação durante a realização dos exames, sendo realizada em três pontos, nas regiões dos elementos 36/37, 31/32 e 46/47.

As mandíbulas foram submetidas a diferentes exames de TC: TCFC i-CAT (Kavo, Imaging Science, EUA), CTCB NewTom 3G (QR S.r.l., Itália) e TCH Picker CT Twin Flash (Elscint, Israel), sem inclinação do gantry. Para o correto posicionamento da mandíbula em relação ao gantry, nas tomografias NewTom 3G e Picker CT Twin Flash, as mandíbulas foram apoiadas em uma base de cera dentária rosa (Fig. 4). Na TCFC i-CAT foi utilizada a base para calibração do próprio aparelho (Fig. 5). As imagens, gravadas em padrão DICOM, foram convertidas e manipuladas no software de tratamento de imagem ImplantViewer 2.604 (Anne Solutions, Brasil).

As medições físicas, realizadas diretamente na mandíbula, foram feitas com o auxílio de um paquímetro digital de precisão de 0,01mm (Lee Tools, China) por um único observador, seguindo os seguintes parâmetros: medição da altura óssea na região referente a cada esfera de aço, do topo da crista óssea alveolar à cortical inferior do osso basal (Fig. 6). As medições nas TC foram realizadas diretamente no computador por meio do software ImplantViewer, por um único observador, seguindo os seguintes parâmetros: medição da altura óssea no corte tomográfico referente ao posicionamento de cada esfera de aço, do topo da crista óssea à cortical inferior do osso basal (Fig. 7).

Foi utilizado apenas um software (ImplantViewer 2.604), com o intuito de eliminar qualquer discrepância que pudesse haver entre diferentes softwares de manipulação de imagens.

Todas as medições foram realizadas duas vezes, por um único observador, com intervalo de 7 dias.

Foi avaliada a media linear da altura óssea, na região referente a cada esfera de aço, do topo da crista óssea à cortical inferior da mandíbula. Foram mensuradas seis regiões de cada mandíbula seca, sendo duas regiões de primeiro molar inferior (direita e esquerda; “PMI”), duas regiões de primeiro pré-molar inferior (direita e esquerda; “PPMI”), e duas regiões de incisivo lateral inferior (direita e esquerda; “ILI”). Cada região foi mensurada duas vezes pelo mesmo observador. Foram utilizadas dez mandíbulas secas, e cada protocolo de medição repetido 4 vezes, em função de cada técnica: medição física (paquímetro), TCH, TCFC i-CAT e TCFC NewTom.

Assim, o total de 6 regiões é constituído por três sítios, sendo realizadas as medições duas vezes por região, em 10 mandíbulas humanas secas, nas quatro técnicas. Isso totalizou 480 medições. A unidade experimental utilizada foi o milímetro (mm).

Na área clínica, muitas vezes se deseja medir “quantidades” (variáveis) no organismo vivo, como pressão arterial, dimensões ósseas, etc. Essas variáveis podem ser extremamente difíceis — ou impossíveis — de se medir diretamente, sem efeitos adversos sobre o paciente; assim, seus valores verdadeiros permanecem desconhecidos9,10,11.

Em vez disso, com a ciência nós temos métodos indiretos de medição. Quando um novo método é proposto, podemos avaliar seu valor comparando apenas com outras técnicas já estabelecidas, não com a quantidade “real” que está sendo mensurada. Nós não podemos estar certos de que o método faz uma medição inequivocamente correta, por isso tentamos avaliar o grau de concordância (“agreement”) entre os métodos9,10,11.

O que importa é o valor pelo qual os métodos discordam (falta de precisão). Queremos saber o quanto o novo método difere dos métodos mais antigos ou de referência, para que (se isso não for suficiente para causar problemas na interpretação clínica) possamos substituir o método antigo pelo novo, ou até mesmo usar os dois alternadamente9,10,11.

 

 

 

 

 

Foram adotados limites de concordância de 95% entre os métodos de imagens e o método físico. Os limites de concordância estabeleceram os parâmetros dentro dos quais podem se localizar 95% das diferenças entre o método de imagem em questão e o de referência — para quaisquer medições futuras, dentro das condições experimentais utilizadas. A ideia de precisão entre os métodos está na análise da amplitude desses limites, de forma que quanto menor a amplitude dos limites, maior a concordância e a precisão entre um dado método de imagem e o método de referência. O ponto fundamental sobre se um dado método de fato “concorda” ou apresenta maior precisão que o método de referência deve ser baseado na situação clínica, à qual tal método será aplicado.

 

Resultados

Limites de concordância para o sítio PMI

Os limites de concordância de 95% apontam que a TCH pode ser estimada entre 2,75mm acima e 1,08mm abaixo do método físico. A TCFC i-CAT pode ser estimada entre 0,40mm acima e 0,90mm abaixo do método físico. Por fim, a TCFC NewTom pode ser estimada entre 0,50mm acima e 1,40mm abaixo do método físico (Fig. 8).

Na Figura 8 observa-se, comparativamente, para o sítio PMI, que o limite de concordância mais amplo e menos preciso envolve a TC helicoidal, ao passo que o limite mais curto e mais preciso envolve a TC de feixes cônicos i-CAT. Observa-se, também, a representação gráfica do bias, que é a distância apontada pelas setas, entre a média das diferenças de cada método e o zero.

 

Limites de concordância para o sítio PPMI

Os limites de concordância de 95% apontam que a TCH pode ser estimada entre 1,73mm acima e 1,55mm abaixo do método físico. A TCFC i-CAT pode ser estimada entre 0,62mm acima e 1,99mm abaixo do método físico. Já a TCFC NewTom pode ser estimada entre 0,63mm acima e 2,59mm abaixo do método físico (Fig. 9).

Em comparação, na Figura 9 observa-se para o sítio PPMI que os limites de concordância para os três métodos são graficamente bem próximos. Os métodos helicoidal e NewTom apresentam limites de concordância semelhantes, e um pouco mais amplos que o método i-CAT. Observa-se, também, a representação gráfica do bias, que é a distância apontada pelas setas, entre a média das diferenças de cada método e zero.

 

Limites de concordância para o sítio ILI

Os limites de concordância de 95% apontam que a TCH pode ser estimada entre 0,70mm acima e 1,24mm abaixo do método físico. A TCFC i-CAT pode ser estimada entre 0,88mm acima e 1,64mm abaixo do método físico. Por fim, a TCFC NewTom pode ser estimada entre 0,59mm acima e 2,16mm abaixo do método físico (Fig. 10).

Comparativamente, na Figura 10 observa-se para o sítio ILI que a TCH apresenta limites de concordância menores que TCFC i-CAT e NewTom; no entanto, apresentam limites de concordância semelhantes entre si. Observa-se, também, a representação gráfica do bias, que é a distância apontada pelas setas, entre a média das diferenças de cada método e zero.

 

Discussão

A TCH apresenta vantagens por ser um exame com excelente fidelidade, boa resolução, visualização de tecidos moles e possibilidade de avaliar os tecidos duros nos três planos1,2,5,6,8.

Os métodos de imagem capazes de obter e reproduzir com adequada precisão as dimensões maxilomandibulares são de vital importância para o diagnóstico e planejamento em procedimentos cirúrgicos, tais como os recorrentes na Implantologia9,10. Em vista dos riscos em se realizar procedimentos inerentes à Implantodontia sem a utilização de exames mais profundos, as TCs se tornaram uma valiosa ferramenta no planejamento de procedimentos cirúrgicos4,12-16.

Apesar da alta dose de radiação das TCH, essa é muito usada para as cirurgias implantológicas, também muito utilizada em planejamentos de cirurgias de reconstrução maxilomandibulares e em cirurgias bucomaxilofaciais13,17.

A observação dos tecidos moles é mais nítida na TCH; porém, a qualidade das imagens dos tecidos duros é melhor na TCFC, pois os voxels — que são as estruturas de menor tamanho das imagens — são anisotrópicos na TCH (cubos retangulares), com a profundidade maior que sua altura e espessura; e são isotrópicos na TCFC, iguais nas três dimensões. Outra diferença entre os voxels é que na TCH a superfície do voxel pode chegar a 0,625mm2, enquanto na TCFC pode chegar a 0,125mm cúbicos1,4,18,19.

Quanto à fidelidade das imagens, a literatura19-24 mostra que a acurácia dos dois exames é muito parecida, sendo a TCH citada por alguns autores19,24 como levemente mais fiel que a TCFC, contrastando com os resultados da presente pesquisa, que demonstraram a maior precisão da TCFC i-CAT e a menor da TCFC NewTom, deixando a TCH em posição intermediária. Todavia, os três tipos de exame possuem boa precisão em medições lineares19-24.

Concordando com os resultados de Ludlow et al.25, em um intervalo de até 2mm de diferença entre as medidas obtidas, observou-se, para a TCFC NewTom, uma porcentagem de 94,16% de concordância; e em um intervalo de até 1mm de diferença entre as medidas obtidas, observou-se a concordância de 71,66%. Para a TCFC do sistema i-CAT, foi observada uma porcentagem de 97,48% de concordância em um intervalo de até 2mm; e em um intervalo de até 1mm de diferença entre as medidas obtidas, a concordância foi de 82,49%.

As medições virtuais realizadas em exames com a tecnologia de feixe cônico eram constantemente menores que as medições realizadas com paquímetro, tanto na TCFC NewTom — que teve 83,33% das medições virtuais menores que as medições físicas — quanto na TCFC i-CAT — que teve 75,85% das medições virtuais menores que as medições físicas —, o que concorda com o relatado por Lascala et al.26 No caso da TCH, encontramos uma porcentagem de medições virtuais menores que as medições físicas em 42,5% das oportunidades.

Na TCH, apesar de os resultados mostrarem uma proximidade na concordância dentro dos intervalos de até 1 e 2mm, com a TCFC i-CAT as diferenças se mostraram maiores que as medições físicas em 56,66% das oportunidades, sendo que a média desses desvios foi de 0,82mm, com a maior diferença sendo de 3,66mm.

Levando em conta os limites de concordância realizados no presente estudo, observamos que nos sítios PPMI e ILI os limites de concordância se apresentam semelhantes entre si, com um limite de menor amplitude para a TCH no sítio ILI, e, no sítio PPMI, uma menor amplitude dos limites na TCFC i-CAT. Já no sítio PMI, os limites de concordância não se apresentaram semelhantes, sendo observada a menor amplitude dos limites de concordância para a TCFC i-CAT. Os limites de concordância de menor amplitude conferem maior precisão aos exames, ao passo que observamos uma maior precisão para a TCFC i-CAT e menor para a TCFC NewTom e a TCH; porém, todos os exames apresentaram precisões próximas entre si.

Para o sítio PMI, constatamos um limite de concordância de 2,75mm acima e de 1,08mm abaixo para a TC helicoidal — o que gera certa preocupação para o planejamento de implantes osseointegráveis em casos limítrofes, apesar da margem de erro de 2,75mm acima ter sido constatada quando a medição física se apresentou próxima aos 30mm, mensurada pelo menos três vezes maior que num caso limítrofe para instalações de implantes. No mesmo sítio, as TCFC NewTom e i-CAT apresentaram limites de concordância de 0,50mm e de 0,40mm acima, respectivamente — diferenças insignificantes na instalação de implantes osseointegráveis, pois uma pequena mudança de angulação ou no ponto de eleição já configurariam essa pequena diferença. Esses dados concordam com o descrito por Baumgaertel et al.27, que descrevem a TCFC como um exame confiável, preciso e que pode ser utilizado para análise quantitativa do remanescente ósseo.

Para o sítio PPMI, os limites de concordância positivos se apresentaram estimados em 1,73mm para a TCH, 0,62mm para a TCFC i-CAT e em 0,63mm para a TCFC NewTom, sendo esses limites amplamente aceitáveis para um planejamento cirúrgico, principalmente quando levamos em conta as médias dos desvios, que foram de 0,09mm positivos para a TCH; 0,68mm negativos para a TCFC i-CAT e 0,98mm negativos para a TCFC NewTom28.

Já para o sítio ILI, observamos as médias dos limites de concordância com valores de 0,27mm para a TCH; de 0,38mm para a TCFC i-CAT; e de 0,78mm para a TCFC NewTom — todos negativos, o que representa uma boa precisão para todos os exames dessa região5,19,29. O fato de todas as médias se apresentarem negativas e de os limites positivos não serem tão discrepantes dos valores das medições físicas gera maior segurança em casos de instalações de implantes osseointegráveis, mesmo em casos limítrofes. No caso dessa região, os limites máximos de concordância positivos foram de 0,70mm para a TCH, de 0,88mm para a TCFC i-CAT, e de 0,59mm para a TCFC NewTom.

Levando em conta todas as regiões pesquisadas, encontramos maior precisão para a TCFC i-CAT, o que concorda com exposto por Loubele et al.5, que afirmaram que esse sistema é o mais preciso entre quatro sistemas de TCFC.

Pode-se concluir que nos sítios ILI e PPMI as três TCs estudadas apresentam limites de concordância e precisão semelhantes; e que no sítio PMI, a TCFC i-CAT apresentou um limite de concordância de menor amplitude e mais preciso que os demais exames.

 

 

Como citar este artigo:

Terra GTC, Oliveira JX, Agra CM, Pinto ACG. Accuracy of linear bone measurements with cone-beam and spiral computed tomography in human mandibles. Dental Press Implantol. 2013 Apr-June;7(2):99-106.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Endereço para correspondência:

Guilherme Teixeira Coelho Terra

Universidade Ibirapuera, Departamento de Odontologia – Av Interlagos, 1329.

CEP: 04.661-100 – São Paulo/SP

E-mail: drguilhermeterra@yahoo.com.br

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