Dental Press Portal

Primeiro pré-molar inferior com três canais e duas raízes: relato de caso

Resumo

Introdução: a possibilidade de encontrarmos canais radiculares adicionais deve ser considerada em dentes com baixa frequência de anormalidade na anatomia do sistema de canais radiculares. Objetivo: esse artigo relata um caso relativamente incomum de um primeiro pré-molar inferior com duas raízes e três canais, que foi tratado adequadamente por meio da terapia endodôntica. Métodos: após a radiografia inicial, foi constatada a presença de mais de uma raiz. Cuidado adicional foi necessário para explorar os canais radiculares, confirmando a presença de três canais por meio de um microscópio operatório. Os canais foram instrumentados com a técnica rotatória híbrida preconizada pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba, e obturados com a técnica de condensação lateral e cimento Sealer 26. Conclusão: para se atingir o melhor resultado possível no tratamento endodôntico, é importante ter um bom conhecimento da morfologia do sistema de canais radiculares, assim como usar de modo apropriado os métodos de diagnóstico existentes.

 

Palavras-chave: Tratamento do canal radicular. Preparo de canal radicular. Dente pré-molar.

 

 

Introdução

O sucesso da terapia endodôntica depende de um bom conhecimento da morfologia radicular e do sistema de canais radiculares, para que seja possível localizar apropriadamente todos os canais, assim como limpar, modelar e obturar o espaço do canal radicular em suas três dimensões1,2,3. A anatomia interna do sistema de canais radiculares pode demonstrar a presença de istmos, canais acessórios e laterais ou diversos tipos de canais, os quais podem complicar os procedimentos de limpeza e de modelagem. A limpeza e modelagem incompleta dessas áreas pode deixar remanescentes teciduais, bactérias ou debris necróticos no canal. A presença desses irritantes pode resultar em uma irritação periapical persistente e, consequentemente, levar ao insucesso do tratamento do canal radicular4.

Autores têm sugerido que os pré-molares inferiores podem apresentar uma das grandes dificuldades para realizar um tratamento endodôntico bem-sucedido, quando comparados aos outros dentes, isso devido à grande variação anatômica do canal5. Além disso, foi demonstrado em um estudo que o primeiro pré-molar inferior apresentou o maior índice de insucesso, sendo de 11,45%3. Estudos prévios têm relatado muitas variações da anatomia interna desse dente. A maioria de todos os primeiros pré-molares inferiores apresenta uma única raiz (97,9%), e em apenas 1,8% foram encontrados duas raízes6. Quanto à morfologia interna desse grupo dentário, Vertucci7 encontrou que 74% apresentaram um canal no ápice radicular, 25,5% dois canais e 0,5% três. Sendo assim, o presente artigo relata um caso de primeiro pré-molar inferior que apresentou uma morfologia incomum, com duas raízes e três canais.

 

Relato do caso

Adulto, com 37 anos de idade, compareceu à faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-UNICAMP) com a queixa principal de dor espontânea na região mandibular posterior direita, havia uma semana. O histórico médico do paciente mostrou boa saúde, sem nenhum comprometimento sistêmico. O exame clínico intrabucal revelou a presença de edema na gengiva vestibular, dor à percussão, sensibilidade à palpação periapical e ausência de bolsa periodontal. Além disso, a cavidade dentária apresentava um material restaurador temporário — acordo com o paciente, um dentista local realizou um procedimento de emergência antes de procurar a faculdade. Em vista vestibular, era possível visualizar uma bifurcação radicular, sugerindo a presença de mais de uma raiz. No exame radiográfico foi confirmada a presença de uma anatomia incomum, assim como um alargamento do espaço do ligamento periodontal e lesão periapical (Fig. 1).

De acordo com os exames clínicos e radiográficos, o diagnóstico foi de abscesso agudo periapical. Após o procedimento de anestesia com cloridrato de lidocaína a 2% contendo epinefrina a 1:100000 (DFL, Rio de Janeiro), o dente foi isolado com lençol de borracha, e, para o acesso endodôntico, foi escolhido uma broca diamantada #1014 (KG Sorensen, Barueri/SP). A inspeção da câmara pulpar e a localização dos orifícios dos canais radiculares foram realizadas com auxílio de um microscópio clínico (DM Pro, Opto Eletronica SA, São Paulo/SP) e sonda exploratória (S.S. White, Rio de Janeiro/RJ). Todos os orifícios apresentavam-se em direções opostas (vestibular, lingual e distal). Os forames apicais dos canais também se encontravam separados. A limpeza e modelagem do sistema de canais radiculares foi realizada utilizando a técnica de instrumentação rotatória híbrida preconizada pelo departamento de Endodontia da FOP-UNICAMP. A patência foraminal foi obtida com uma lima tipo K #10 e a determinação do comprimento de trabalho foi feita eletronicamente utilizando o localizador apical Romiapex A-15 (Romidan, Londres, Inglaterra). A instrumentação dos canais radiculares foi realizada com gel de clorexidina a 2% como substância química auxiliar. Os canais foram secados com pontas de papel absorvente, e foi inserida uma pasta de clorexidina gel a 2% e hidróxido de cálcio como medicação intracanal. Após 7 dias não foi possível obturar os canais radiculares pela persistência de exsudato purulento. A instrumentação foi realizada novamente e prescreveu-se uma medicação sistêmica, consistindo de amoxicilina 500mg e metronidazol 400mg, durante 7 dias. Após esse período, o dente encontrava-se completamente assintomático, sem edema, e, então, o tratamento endodôntico foi finalizado. Para isso, os canais radiculares foram irrigados com EDTA a 17% durante três minutos, secados com pontas de papel absorvente estéril e obturados com guta-percha e Sealer 26, utilizando a técnica da compactação lateral ativa (Dentsply Maillefer, Petrópolis/RJ). Uma radiografia final foi feita para comprovar a qualidade de obturação (Fig. 2, 3).

 

endo_v03_n03_74fig01

 

Discussão

Uma das principais causas do insucesso do tratamento endodôntico é a incompleta instrumentação e desinfecção do sistema de canais radiculares5,8,9. O conhecimento dessa complexa anatomia do sistema de canais radiculares é essencial para se realizar um tratamento endodôntico, e deve ser vista antes ou durante o tratamento. Variações anatômicas como canais ou raízes adicionais podem não ser encontradas, podendo resultar em insucesso do tratamento. Esse fato torna-se importante, já que autores têm demonstrado que, especificamente, o pré-molar inferior possui um número desproporcional de flare-ups e insucessos endodônticos5. Essas variações anatômicas podem resultar em um desbridamento inadequado, podendo deixar irritantes dentro do sistema de canais radiculares e, assim, resultar em um ambiente desfavorável para que ocorra reparo dos tecidos periapicais4.

Devido à presença dessas variações, algumas sugestões podem ajudar o clínico a identificar múltiplos sistemas de canais radiculares no primeiro pré-molar inferior e, assim, obter um tratamento com melhor resultado. Nesse sentido, métodos como a realização de múltiplas radiografias pré-operatórias, assim como radiografias mesializadas ou distalizadas, podem ajudar a identificar o tipo de sistema de canais presente. Caso a anatomia radicular tenha uma configuração indefinida após realização de várias radiografias, essa é a indicação de uma possível presença de segunda raiz, ou até mesmo uma possível terceira5. Adicionalmente, torna-se importante realizar um adequado acesso endodôntico para que seja possível permitir localizar todo o possível sistema de canal radicular10. O uso de magnificação e iluminação são pré-requisitos importantes para avaliar as mudanças na coloração e para trabalhar no interior do dente. Além disso, os clínicos devem estar preparados para utilizar adequadamente os métodos de diagnóstico disponíveis, como, por exemplo, o microscópio operatório. O surgimento de lupas de magnificação e microscópios cirúrgicos revolucionaram a prática da Endodontia. A vantagem de se utilizar essas lupas na Endodontia convencional está na possibilidade de aumentar a visualização do canal radicular — que é muito complexo —, o que permite que o clínico possa investigar o sistema de canais radiculares e, assim, possa limpar e modelar com maior eficácia.

 

Conclusão

É extremamente importante que o clínico utilize todos os meios de diagnóstico disponíveis para localizar e tratar todo o sistema de canais radiculares. Além disso, requisitos como interpretação cuidadosa das radiografias anguladas, adequado acesso coronário e exploração cuidadosa do interior do dente, idealmente sob magnificação, são importantes para se obter sucesso no tratamento endodôntico.

 

 

 

Como citar este artigo: Miyagaki DC, Lacerda AC, Cecchin D, Ferraz CCR. Mandibular first premolar with three canals and two roots: A case report. Dental Press Endod. 2013 Sept-Dec;3(3):74-7.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

 

Recebido: 04/08/2013. Aceito: 08/08/2013.

 

Endereço para correspondência: Daniela Cristina Miyagaki

Rua Silva Jardim, 1441 – Apto 46 – Piracicaba/SP

CEP: 13.419-140 – Email: danimiyagaki@hotmail.com

Sair da versão mobile