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Ponto de equilíbrio – por Flávia Artese

flavia artese

Flávia Artese
Doutora em Ortodontia pela UFRJ, professora associada da UERJ, diplomada pelo BBO e editora-chefe da Dental Press Journal of Orthodontics (DPJO)

Historicamente, a humanidade alterna ciclos na sua incansável busca por explicações nas mais diversas esferas, sejam elas artísticas, filosóficas ou científicas. Essa inquietação, inerente à nossa espécie, parece vir acompanhada de um certo conflito, pois também nos prendemos a crenças arraigadas ou atitudes já habituais e que desejamos ser definitivas, seja por proteção ou por conforto, seja, simplesmente, para estabelecer um ponto de vista.

Ao ler pela primeira vez a transcrição do debate acalorado de Case, Dewey e Cryer, em 1911, a subjetividade das opiniões ali reproduzidas, a favor ou contra as extrações dentárias por motivos ortodônticos, de fato impressiona. Isso pode ser explicado pela fragilidade da ciência à época, mas deixa bem claro os antagonismos repletos de “nuncas” e “sempres” em cada lado da discussão.

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Ao longo da história da nossa especialidade, esse pêndulo de mudanças continua afortunadamente balançando. Desde o advento da cefalometria, e da sua adoção por Tweed no processo de diagnóstico, quando seus tratamentos, que até então eram não extracionistas, passaram por uma importante reavaliação.

Instigado por sua insatisfação com as faces de seus pacientes, Tweed criou uma nova forma de diagnóstico, que revolucionou a Ortodontia, estabelecendo critérios objetivos para se indicar extrações dentárias. Apesar de hoje sabermos que as extrações não garantem a estabilidade promulgada por Tweed, a sua necessidade para as modifcações da face ou dissoluções de apinhamentos severos foi sendo adaptada às necessidades da Ortodontia contemporânea. Tal procedimento já se encontra sufcientemente sedimentado, de tal forma que não gera mais comoções. No entanto, esse relativo consenso surgiu a partir de muita insatisfação, de opiniões díspares e de muitas dúvidas

Temos, assim, assistido a muitas mudanças, como nos anos 1980, com a introdução dos braquetes com prescrições e das ligas superelásticas. Nos seus lançamentos, para se sobressaírem no mercado, esses recursos eram chamados, pelo
“marketing” da época, de braquetes e fios inteligentes. Naquele tempo, isso foi interpretado por alguns como uma desvalorização do papel do ortodontista no tratamento. Novas discussões surgiram, a especialidade se manteve e, por
fim, os braquetes com prescrição e os fios superelásticos foram adequadamente assimilados como excelentes ferramentas de trabalho, que escolhemos de acordo com nosso diagnóstico e necessidade, servindo para a reestruturação do
nosso exercício clínico.

Vivemos, recentemente, outras oscilações pendulares, como os mecanismos de aceleração do movimento dentário por meio de braquetes autoligáveis e a ideia da redução do atrito ao fio ou, ainda, dos mecanismos de plataformas vibratórias, que também acirram as esperanças dos especialistas na busca por tratamentos mais velozes, embora se apoiem em evidências
bastante inconclusivas. Ainda nessa linha, parece crescer o pensamento generalizado de que nossos pacientes são mais consumidores do que realmente pacientes, e que as novas tecnologias digitais novamente nos substituirão e nos aniquilarão
do exercício da nossa profissão. Talvez por conta do balanço que essas novidades trazem com elas, nós estamos nos equilibrando entre a dualidade de sermos doutores ou vendedores de tratamentos. No entanto, quando resultados não saem conforme o planejado, quem entra em cena? O vendedor ou o doutor?

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Nesse turbilhão de ondas que permeia nossa história, a única certeza que persiste é a necessidade do desequilíbrio para a busca do equilíbrio. Nesse embate entre as novidades que se sobressaem de forma impactante e a quietude daquilo que já está sedimentado e que parece não servir mais, o resultado, por incrível que pareça, é o progresso. São os descontentamentos que nos levam à reflexão e à mudança de direção e, por algum tempo, nos assentamos no que acreditamos ser nosso ponto de equilíbrio. Até que venha uma nova onda e mexa com a verdadeira necessidade da ciência.

* Texto publicado originalmente como editorial da edição v23n2 da DPJO.

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