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Emprego do MTA no tratamento de perfuração radicular cervical: relato de caso

Resumo

Objetivo: Relatar o tratamento de um dente com perfuração radicular cervical ocasionada durante o tratamento endodôntico.

Método: a paciente compareceu ao consultório do endodontista com sintomatologia dolorosa resultante de uma perfuração radicular cervical exposta ao meio bucal. Foi realizado tratamento endodôntico em múltiplas sessões, utilizando a medicação intracanal com pasta à base de hidróxido de cálcio e propilenoglicol, a fim de auxiliar a descontaminação do canal radicular e da perfuração.

O selamento da perfuração radicular foi feito com MTA por ser um material capaz de formar tecido mineralizado devido à sua habilidade de selamento, biocompatibilidade e alcalinidade. Além disso, a umidade presente nos tecidos periodontais pode prover o meio necessário para que aconteça a adaptação do MTA sobre as paredes da perfuração e sua expansão de presa, justificando seu uso no caso apresentado, já que se trata de perfuração cervical, local de difícil controle da umidade.

Conclusão: os autores concluíram que o MTA é um excelente material para selamento de perfuração radicular cervical.

Palavras-chave: Tratamento do canal radicular. Hidróxido de cálcio. Endodontia.

Introdução

A perfuração radicular é um acidente de técnica em que é feita uma abertura artificial, comunicando a câmara pulpar, canais radiculares e tecidos periapicais. Esses acidentes, em geral, ocorrem devido a causas iatrogênicas, que consistem na falta de conhecimento da anatomia dentária, calcificação total da câmara coronária e terço cervical, falhas na análise da radiografia de diagnóstico, desgastes acentuados e mal direcionados, assim como falta de pré-curvamento das limas em caso de canais curvos. Patologias como cáries, reabsorções internas e externas, também são fatores que podem levar a esses acidentes.

Entre os fatores que afetam o prognóstico nas perfurações radiculares, deve-se considerar a localização (terço cervical, médio ou apical), a extensão, presença ou ausência de bolsa periodontal, o tempo decorrido entre a perfuração e o tratamento, a compatibilidade biológica e a capacidade seladora do material obturador.

Quanto mais rápido a perfuração for selada, mais favorável será o prognóstico, principalmente quando se tratar de perfurações envolvendo o terço cervical e da câmara pulpar. Nessa localização, por estar mais próxima ao meio bucal, a contaminação por bactérias estabelecendo um processo infeccioso no local se torna mais fácil, acarretando na perda do dente afetado, caso o reparo não seja feito rapidamente. No entanto, para o terço médio e apical da raiz, não é necessário um selamento imediato, desde que a área esteja devidamente protegida da infiltração bacteriana.

A perfuração pode ser diagnosticada pelo aparecimento súbito de hemorragia no canal radicular ou por sua persistência após a remoção do tecido pulpar, também pela exploração clínica, aspecto radiográfico mostrando a lima no periodonto, constatação de lesão lateral e pino direcionado fora do longo eixo da raiz.

Para um tratamento adequado, a perfuração deve ser selada com um material biocompatível, capaz de produzir um bom selamento, com boas propriedades físicas, radiopaco, não reabsorvível, de fácil manipulação e com capacidade de promover osteogênese e cementogênese.

Tendo em vista as qualidades e limitações dos materiais até então rotineiramente utilizados para o selamento de perfurações dentárias, tem-se buscado um material que se aproxime das características de um selador ideal. Com o propósito de suprir tais deficiências e a partir da evolução tecnológica dos novos materiais, surgiu na década de 90 na Universidade de Loma Linda, Califórnia, chefiados pelo Professor Torabinejad, um grupo que desenvolveu um novo cimento denominado agregado trióxido mineral (MTA).

A partir de então, vários estudos foram realizados com esse material, analisando-se sua biocompatibilidade, suas propriedades físicas e químicas, antimicrobianascitotoxicidade, mutagenicidade, capeamento pulpar, análise da capacidade seladora em obturações retrógradas, adaptação marginal em microscopia eletrônica de varredura (MEV), bem como a sua utilização em perfurações radiculares.

Ainda, sobre as aplicações do MTA, também está indicado nos casos de tratamentos conservadores da polpa dentária, tratamentos de apicigênese e apicificação, como material selador de perfurações resultantes de reabsorções internas e externas comunicantes, como material obturador de sistemas de canais radiculares de dentes decíduos e permanentes, como material reparador de fraturas radiculares verticais e horizontais, e como plug apical.

A capacidade de formação de tecido mineralizado do MTA pode ser atribuída à sua habilidade de selamento, biocompatibilidade, alcalinidade ou, até mesmo, por outras propriedades a ele associadas.

O objetivo do presente trabalho é relatar o tratamento de um dente com perfuração radicular cervical, ocasionada durante o tratamento endodôntico e selada com MTA, bem como evidenciar as vantagens e desvantagens do emprego e inserção desse material no vedamento da perfuração e ainda na manutenção do elemento dentário na cavidade bucal, exercendo suas funções estéticas e mastigatórias.

Relato de caso

Uma paciente de 19 anos de idade foi encaminhada para tratamento endodôntico do dente 43, em junho de 2010. Durante a anamnese, foi verificado que não havia histórico de doença sistêmica; porém, a paciente relatou ser alérgica à substância medicamentosa paracetamol. No histórico odontológico, a paciente relatou estar em tratamento ortodôntico, e que, devido a uma infiltração marginal em uma restauração no dente 43, foi encaminhada a um cirurgião-dentista (CD) para efetuar a troca da restauração.

Ao iniciar o procedimento restaurador, o dentista informou à paciente que, devido à profundidade da restauração, havia ocorrido uma exposição pulpar, e que haveria necessidade de, a partir daquele momento, efetuar tratamento endodôntico; mas, só após dar início ao tratamento, durante uma tentativa de encontrar o canal radicular, ocorreu uma perfuração lateral na raiz, sendo que só a partir desse ocorrido que a paciente foi encaminhada a um especialista de Endodontia para realizar o fechamento da perfuração e o tratamento do canal radicular.

Durante o exame clínico intrabucal pôde-se observar que o dente 43 apresentava-se com sua cavidade de acesso aberta, sem restauração provisória ou curativo endodôntico e ainda com remanescente de tecido cariado. Também apresentava sensibilidade à percussão horizontal e vertical, com ausência de edema, fístula e mobilidade dentária. Em relação aos testes térmicos para verificar a sensibilidade pulpar, as respostas também foram negativas.

Ao se realizar o exame radiográfico periapical intrabucal do dente 43, foi evidenciado um desgaste excessivo na abertura e na porção cervical. Por mesial era possível ver o trajeto da perfuração. A imagem também apresentava um ponto radiopaco, extrarradicular, sugestivo de algum tipo de material restaurador (Fig. 1A). Após realização de todos os testes e exames clínicos, o diagnóstico clínico provável era de necrose pulpar.

A paciente foi informada sobre as várias possibilidades de tratamento, tanto para a perfuração quanto para o canal radicular, optando por fazer o tratamento endodôntico com fechamento da perfuração via canal, preferencialmente sem complementação via cirúrgica e com aplicação de medicação intracanal. Foi solicitado ao ortodontista que, até o término do tratamento endodôntico, fosse interrompida a aplicação de força ortodôntica nesse elemento dentário.

A partir desse momento, deu-se início ao tratamento endodôntico com a anestesia local e instalação do isolamento absoluto. Foi realizada melhoria da cavidade de acesso e remoção do tecido cariado com broca esférica de baixa rotação. O preparo biomecânico do canal radicular foi realizado com limas endodônticas manuais e irrigado com hipoclorito de sódio 2,5%.

Durante o preparo biomecânico do canal radicular, foi realizada a odontometria de confirmação do comprimento de trabalho e realização da patência apical (Fig. 1B). Após o preparo biomecânico do canal radicular, esse foi seco com pontas de papel estéreis e, então, foi inundado com EDTA trissódico 17% por 3 minutos, com agitação manual para melhor limpeza do canal. Após esse período, o EDTA foi removido e nova irrigação com hipoclorito de sódio foi realizada, seguida de nova secagem do canal radicular. Na sequência, houve a aplicação de uma medicação intracanal à base de pasta de hidróxido de cálcio com propilenoglicol, a fim de auxiliar na descontaminação do canal radicular e da perfuração.

Passados 15 dias, a medicação intracanal foi removida com a finalidade de promover o fechamento da perfuração. O material escolhido para fazer o fechamento definitivo da perfuração foi o MTA branco da marca Angelus, que foi manipulado conforme indicação do fabricante. A inserção do MTA na perfuração foi feita com calcadores tipo Paiva, e o assentamento final do mesmo foi realizado com bolinhas de algodão umedecidas em água destilada. O MTA foi inserido na perfuração com auxílio de microscópio e sem exercer muita pressão para evitar que extravasasse para o ligamento periodontal.

Realizou-se tomada radiográfica periapical intrabucal para verificar o assentamento do MTA na perfuração. Foi possível observar radiograficamente que não houve extravasamento para a região do ligamento periodontal, descartando momentaneamente a intervenção cirúrgica para o caso (Fig. 1C).

A medicação intracanal à base de pasta de hidróxido de cálcio foi aplicada por um período de 3 meses, sendo substituída a cada 45 dias. Após um período de 4 meses (outubro de 2010), realizou-se a obturação definitiva do canal radicular por meio da prova do cone de guta-percha (Fig. 2A), dando continuidade à obturação com cimento à base de hidróxido de cálcio e cones de guta-percha secundários por meio da técnica de condensação lateral seguida de condensação vertical (Fig. 2B). A câmara pulpar foi limpa e selada provisoriamente com bolinha de algodão estéril e Coltosol, se solicitando à paciente que procurasse seu dentista para realizar procedimentos restauradores definitivos pós-tratamento endodôntico.

Na Figura 2B é possível observar a obturação do canal radicular, o fechamento da perfuração com MTA e, na porção apical por mesial, a obturação de um canal secundário, que já era possível ser visualizado na Figura 2A.

Após 10 meses de conclusão do tratamento endodôntico, a paciente foi chamada para realizar a primeira proservação radiográfica. Na radiografia periapical intrabucal foi possível observar a integridade da região periapical com continuidade da lâmina dura, indicando clinicamente o reparo periapical (Fig. 2C).

perfuração radicular

Discussão

O sucesso dos procedimentos não cirúrgicos de perfurações radiculares está diretamente relacionado à severidade do dano inicial causado ao tecido periodontal, do tamanho e da localização da perfuração, da capacidade de selamento e da biocompatibilidade do material obturador, bem como da presença ou não de contaminação bacteriana.

No relato apresentado, a perfuração cervical não foi selada imediatamente após ter ocorrido, como sugerem alguns autores que afirmam em seus estudos que o prognóstico é muito mais favorável quando isso acontece devido à ausência de contaminações bacterianas. Houve a opção por tratar a perfuração e o canal radicular com trocas de medicação intracanal e irrigação com hipoclorito de sódio devido ao fato de que a câmara pulpar e o canal radicular estavam expostos ao meio bucal.

Assim, baseamo-nos nos estudos de Estrela e Estrela, que afirmam que o combate à infecção bacteriana por meio de abundante irrigação com solução de hipoclorito de sódio, devido às suas propriedades solventes de matéria orgânica e antibacteriana, completa o saneamento promovido pelo preparo biomecânico. O emprego da medicação intracanal à base de pasta de hidróxido de cálcio com propilenoglicol, entre sessões, para complementar a desinfecção e/ou deposição de tecido mineralizado por meio do seu efeito antisséptico, ação bactericida e elevado pH, corroboram os trabalhos de Holland et al.

Estrela e Estrela afirmaram que, devido à liberação de íons hidroxila, há inativação de enzimas intra e extracelulares, desfavorecendo a sobrevivência bacteriana. Todavia, o trabalho de Felippe et al. afirma não existir vantagens em se realizar trocas de pasta de hidróxido de cálcio durante o tratamento de dentes despolpados e canais contaminados.

A escolha do propilenoglicol como veículo para o hidróxido de cálcio se baseia nos estudos de O’Neil, apresentando grande capacidade de solubilização de materiais orgânicos e, também, por que, segundo Seidenfeld e Hanzlik, o propilenoglicol tem aproximadamente a mesma densidade da água e não causa nenhum efeito cumulativo demonstrável.

A atividade antimicrobiana do propilenoglicol para o uso sistêmico foi estudada por Olitzky, que relatou que soluções concentradas desse composto têm uma eficiência germicida comprovada e que o seu uso como um veículo pode fornecer um potencial para a prevenção ou o tratamento de infecções microbianas.

Outros autores relataram que além do propilenoglicol ser um veículo bem reconhecido para medicamentos, também tem se mostrado ser menos citotóxico do que outros veículos comumente usados para medicamentos intracanal, e possui propriedades antibacterianas altamente benéficas no tratamento endodôntico, embora os resultados encontrados por Safavi e Nakayama demostrem que o hidróxido de cálcio não se dissocia quando em propilenoglicol, pois precisa de água para se dissociar.

O EDTA 17% foi utilizado por três minutos antes da aplicação de medicação intracanal em todas as sessões, bem como antes da obturação definitiva do canal radicular, a fim de remover o smear layer, pois vários trabalhos têm demonstrado que sua remoção é conseguida com o uso desse fármaco.

Passados 15 dias, foi feito o fechamento da perfuração radicular com MTA porque, segundo Torabinejad e Chivian, ele é um material capaz de formar tecido mineralizado devido à sua habilidade de selamento, biocompatibilidade, alcalinidade e, ainda, porque, de acordo com estudos apresentados por Sluyk et al., a umidade presente nos tecidos periodontais pode prover o meio necessário para que aconteça a adaptação do MTA sobre as paredes da perfuração, e também para que aconteça a expansão de presa, justificando seu uso no caso apresentado, já que se trata de perfuração cervical, local de difícil controle da umidade.

Nesse caso também se optou pelo emprego do MTA porque sua radiopacidade é superior à da dentina e do tecido ósseo, do IRM, do Super Eba e guta-percha, proporcionando a observação diagnóstica, o que o torna o material de escolha. Isso também porque estudos feitos por Holland et al., a fim de explicar o mecanismo de indução de formação mineral do MTA, concluíram que mesmo o MTA não contendo hidróxido de cálcio em sua composição, ele foi capaz de formar tecido mineralizado devido à presença de óxido de cálcio, que, ao reagir com os tecidos periapicais, forma o hidróxido de cálcio.

Os autores desse estudo concordam com Marion a respeito das dificuldades de se trabalhar o MTA com veículo aquoso (água destilada), devido ao seu tempo de presa inicial e, também, em relação à sua dificuldade de inserção, pois, ao ser manipulado com esse veículo, o MTA apresenta-se com aspecto pouco aglutinável e arenoso.

Segundo Namazikhah, é importante ressaltar que o MTA, quando utilizado em ambientes com inflamação, possa sofrer interferências em suas propriedades físico-químicas, fazendo com que um pH ácido impeça a presa do MTA e reduza sua força e dureza. Todavia, em situações nas quais os fatores que iniciam ou perpetuam o processo inflamatório são removidos, como no caso apresentado, há possibilidade de, num período não longo de tempo, o ambiente retornar à sua normalidade.

Apesar das vantagens e limitações do MTA já citadas anteriormente, vários estudos mostraram que ao analisar o comportamento biológico dos materiais empregados no selamento de perfurações radiculares, o MTA tem mostrado comportamento similar ou menos tóxicos que os demais. Isso comprova sua ótima capacidade de reparo, bem como justifica o seu emprego no tratamento de perfurações radiculares na região cervical.

Conclusão

Foi possível concluir que, após a aplicação clínica do MTA no caso apresentado, os resultados clínicos quanto à eleição do MTA como material obturador de perfuração radicular cervical mostraram-se eficientes, pois, após 10 meses de proservação, foi possível observar que o dente tratado continuava na cavidade bucal exercendo suas funções primárias quanto à estética e à mastigação.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

Endereço para correspondência:

Jefferson José de Carvalho Marion

Rua Néo Alves Martins, 3176 – 6º andar – sala 64 – Centro

CEP: 87.013-060 – Maringá/PR

Email: jefferson@jmarion.com.br / atendimento@jmarion.com.br

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