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Osteonecrose de mandíbula associada ao uso de bisfosfonato após instalação de implantes: relato de caso

Resumo

A reabilitação bucal de pacientes com perdas dentárias múltiplas ou unitárias com implantes osseointegrados tem se tornado um tratamento com altas taxas de sucesso. Apesar disso, uma séria complicações pode afetar a sobrevida desses implantes, como a osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos.

Os bisfosfonatos são uma classe de medicamentos que têm por função a inibição da atividade dos osteoclastos, interferindo na remodelação e no turnover ósseo. São indicados para retardar o envolvimento ósseo em algumas condições malignas, como em mielomas múltiplos e metástase do câncer de mama e próstata, no tratamento da doença de Paget e da osteoporose.

Clinicamente, as BRONJ (Bisphosphonated Related Osteonecrosis of the Jaw) aparecem como perda da continuidade da mucosa bucal com exposição do osso subjacente, podendo ser extremamente dolorosas, persistentes e não responder aos tratamentos convencionais. Assim, o objetivo do presente trabalho é revisar a literatura sobre o tema apresentado e relatar um caso clínico de BRONJ em mandíbula após a fixação de implantes.

Palavras-chave: Osteonecrose. Bisfosfonato associado a osteonecrose da mandíbula. Implantes dentários.

Introdução

A reabilitação bucal de pacientes com perdas dentárias múltiplas ou unitárias com implantes odontológicos tem se tornado um tratamento com altas taxas de sucesso. Apesar disso, uma séria complicações pode afetar a sobrevida desses implantes, como a osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos.

Mundialmente conhecida como BRONJ (Bisphosphonated Related Osteonecrosis of the Jaw), essa é uma enfermidade caracterizada por uma exposição de osso necrótico afetando tanto a mandíbula quanto a maxila.Clinicamente, aparece como perda da continuidade da mucosa bucal com exposição do osso subjacente, semelhantemente àquelas da osteonecrose induzida por radiação — as osteorradionecroses.

Pode ser extremamente dolorosa, persistente e não responder aos tratamentos convencionais, tais como debridamento, antibioticoterapia e oxigenoterapia hiperbárica1,2.Os bisfosfonatos são uma classe de medicamentos que têm por função a inibição da atividade dos osteoclastos, tendo muita ligação com os ossos, interferindo na remodelação e no turnover ósseo, sendo que, possivelmente, interferem na angiogênese ao inibir o fator de crescimento endotelial vascular2.

Essa condição complica a instalação de implantes, já que o processo de osseointegração depende da fisiologia normal do osso. Apesar disso, esses medicamentos têm grandes benefícios sobre a qualidade de vida dos pacientes que fazem o usam.

Tais medicamentos podem ser administrados por via oral ou endovenosa, sendo indicados para retardar o envolvimento ósseo em algumas condições malignas, como em mielomas múltiplos e metástase do câncer de mama e próstata, no tratamento da doença de Paget e da osteoporose. Os bisfosfonatos nitrogenados mais recentes — os aminobisfosfonatos — têm grande potência e melhor seletividade, sendo que os mais comumente usados são alendronato, risedronato, ibandronato, pamidronato e zoledronato2,6.

Nos últimos anos, a literatura vem descrevendo a associação entre osteonecrose dos maxilares e o uso de bisfosfonatos, sendo o primeiro caso publicado em 1995 em uma revista de cirurgia bucomaxilofacial, descrevendo uma falha na osseointegração de implantes dentários em mandíbula de um paciente que havia se submetido à terapia com bisfosfonato no tratamento de osteoporose.

A primeira revisão extensa sobre esse assunto foi publicada somente em 2003 por Marx et al., com 36 casos de osteonecrose dos maxilares associados ao uso de pamidronato e zoledronato. A arcada inferior foi afetada em 80%, a superior em 14%, e ambas em 6% dos pacientes. As lesões estavam associadas a extrações dentárias em 78% dos casos, desenvolveram-se espontaneamente nos outros 22%.

Ruggiero et al. publicaram uma análise de 63 casos de pacientes com osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos, tendo sido observado que, na maioria dos casos, os sintomas típicos apresentados foram dor e osso exposto no local de uma extração dentária prévia, sendo que apenas 14% dos pacientes não sofreram quaisquer procedimentos dentários prévios, apresentando exposição óssea espontânea.

Marx et al.6 observaram 119 casos de osteonecrose maxilar, sendo que em 68,1% dos pacientes a necrose estava na mandíbula, em 27,7% na maxila e em 4,2% era bimaxilar. Esses pacientes estavam em tratamento de mieloma múltiplo (52,1% dos casos), metástases do câncer de mama (42%) ou de próstata (3,4%), e osteoporose (2,5%), com diferentes tipos de bisfosfonatos, cujo evento precipitante que produziu as exposições ósseas foram: exposições espontâneas (25,2%), remoções de dentes (37,8%), periodontite avançada (28,6%), cirurgia periodontal (11,2%), implantes dentários (3,4%) e cirurgia endodôntica (0,8%).

Rincón et al.7, em uma análise de 15 casos de osteonecrose associada ao uso de bisfosfonatos, constataram que, desses 15 casos, 10 indivíduos eram mulheres (66,6%) e 5 homens (33,3%), com uma idade média de 64 anos (41 a 75 anos). Houve remoção do dente em 6 casos. O local mais afetado foi a mandíbula, com 12 casos; a maxila teve dois casos e houve um caso bimaxilar. Complicações mais graves foram encontradas nesses pacientes, sendo três casos de fístula cutânea, dois de comunicação oroantral e sinusite maxilar associada e uma fratura patológica da mandíbula.

O risco de osteonecrose dos maxilares em pacientes que fazem uso de bisfosfonato sugere que todos procedimentos cirúrgicos eletivos, tais como a colocação de implantes dentários, devem ser evitados. Dados publicados indicam que uma extração dentária é o principal agente etiológico para o desenvolvimento de BRONJ, e que poucos casos de osteonecrose ou de falha do implante foram observados após procedimentos cirúrgicos para instalação de implantes dentários.

Koka et al. realizaram um levantamento, sendo identificados 370 pacientes do sexo feminino (totalizando 818 implantes), na pós-menopausa, com mais de 50 anos de idade e que foram submetidos a cirurgia de implantes. Os incluídos no estudo foram divididos em dois grupos: usuários de bisfosfonatos para a osteoporose ou osteopenia (grupo BP), e não-usuários de bisfosfonatos (grupo não-BP), resultando em 69 pacientes (com 148 implantes) no grupo BP e em 301 pacientes (com 670 implantes) no grupo de não-BP.

Em geral, as taxas de sobrevivência foram excelentes em ambos os grupos: 120 dos 121 (99,17%) implantes no grupo BP, e 163 de 166 (98,19%) implantes no grupo não-BP.

Martin et al. pesquisaram 8.572 indivíduos que fizeram uso de bisfosfonatos bucais, sendo que 589 relataram ter implantes dentários, incluindo 130 que tinham um implante colocado no ano anterior. Falha do implante foi relatada em 16 indivíduos, todos mulheres, com idade média no momento da falha do implante de 70,2 ± 7,6 anos.

Todas receberam tratamento com alendronato por via oral, com indicação terapêutica para controle de osteoporose primária ou secundária, ou prevenção de fraturas. Dentro desse subgrupo de 16 pacientes com falha implantes, um total de 44 implantes foram colocados, com um total de 26 falhas, sendo 8 implantes com perda precoce (≤ 1 ano) e 18 implantes com perda tardia (> 1 ano).

Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é relatar o caso clínico de uma paciente com quadro de osteonecrose em mandíbula associada ao uso de bisfosfonato após a fixação de implantes.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 78 anos de idade, leucoderma, foi encaminhada à clinica de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da UFMG (FO/UFMG) para avaliação de infecção ativa em mandíbula, entre forames, após perda dos implantes instalados previamente (sem informação da data).

Durante a anamnese, a paciente relatou uso de medicação para controle de hipertensão arterial. Continuando a avaliação, diante do quadro apresentado, a paciente foi questionada novamente quanto ao uso de medicamentos. Ela relatou usar um medicamento “sem importância”, tendo em vista que esse era usado apenas uma vez por semana. Após melhor investigação, descobriu-se que fazia uso de alendronato de sódio, um medicamento da família dos bisfosfonatos, usado para controle da osteoporose, por via oral, uma vez por semana, há aproximadamente de quatro anos.

A história pregressa consta de instalação de quatro implantes em mandíbula, interforaminais e reabilitação protética, provenientes de outro serviço (Fig. 1). Já com a prótese definitiva instalada, a paciente queixava-se de incômodo na região dos implantes, sendo solicitada uma tomografia computadorizada (Fig. 2), a qual revelou área hipodensa próxima a um dos implantes, indicando rarefação óssea e perda óssea peri-implantar. Após a descoberta das alterações nos implantes, a paciente decidiu interromper o uso do bisfosfonato sem comunicar nenhum profissional. Embora tenha suspendido o uso da medicação, o quadro clínico piorou, ocorrendo inflamação, infecção e perda dos implantes (Fig. 3).

Essa paciente apresentava quadro de abscesso agudo, com aumento de volume em região submandibular, eritema, trismo, dor severa, disfagia e drenagem ativa intrabucal em rebordo alveolar inferior (Fig. 4, 5). Em análise de uma nova TC (cortes axiais e reconstrução 3D), notou-se ausência dos implantes e extensa destruição do osso da sínfise mandibular (Fig. 6).

O tratamento inicial instituído foi antibioticoterapia com clindamicina via oral, bochechos com gluconato de clorexidina a 0,12% e realização de cirurgias para debridamento da área, de forma mais conservadora (Fig. 7). Como não se obteve o resultado esperado, a paciente foi encaminhada ao Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e submetida, três meses após a consulta inicial, à cirurgia para ressecção em bloco do segmento anterior da mandíbula por via intrabucal, sob anestesia geral e em ambiente hospitalar.

osteonecroseHoje, a paciente encontra-se em acompanhamento clínico e radiográfico. Ao exame da radiografia panorâmica, realizada dois meses depois (Fig. 8), observou-se ausência de sinais de osteonecrose, sem sinais clínicos de infecção ou de complicações (Fig. 9, 10). A paciente apresenta boa abertura bucal, sem limitações para se alimentar, não relata queixas álgicas, relata melhora na qualidade de vida e encontra-se satisfeita com o tratamento.

Discussão

Apesar de serem necessários novos estudos para elucidar a interrelação existente entre osteonecrose dos maxilares e o uso de bisfosfonatos, não se pode ignorar a correlação direta existente. Vários casos têm sido relatados na literatura, evidenciando que a maioria dos indivíduos afetados são do sexo feminino4-8, assim como no caso apresentado. Outros dados importantes são a maior predisposição da mandíbula4-8 em desenvolver a osteonecrose (o que condiz com o presente trabalho), e o quadro clínico mais comum da BRONJ, que é composto por dor, reparo tecidual deficiente ou tardio, colapso de tecido mole, infecção, áreas de necrose óssea e osteomielite2.

Os autores são unânimes em afirmar que a maioria dos pacientes que desenvolveram osteonecrose dos maxilares fazem uso de bisfosfonatos para o tratamento da hipercalcemia maligna associada a mieloma múltiplo e câncer de mama, seguidos de osteoporose e câncer de próstata. A indicação terapêutica mais usual para controle de osteoporose é com bisfosfonatos por via oral2,6. No caso apresentado, a paciente fazia uso de alendronato de sódio, um aminobisfosfonato de uso por via oral.

De acordo com a literatura, o surgimento de osteonecrose pode ocorrer espontaneamente, porém muitas vezes existe um evento precipitante6. A extração dentária é o principal fator etiológico encontrado, mas a instalação de implantes também pode desencadear um quadro de BRONJ, como no caso apresentado.

Apesar de muitos estudos encorajarem a reabilitação com implantes osseointegráveis de pacientes em uso de bisfosfonatos8,9, deve-se ter o máximo de cautela em seu tratamento, adotando medidas multidisciplinares que possam minimizar os riscos. Tornam-se necessários uma boa anamnese e uma boa discussão do paciente com o médico, visando a viabilidade de uma intervenção cirúrgica nesses pacientes. Novas pesquisas devem ser feitas por se tratar de uma condição nova, para a qual não há um protocolo terapêutico baseado em evidências.

A interrupção da terapia com bisfosfonatos quando for necessário procedimento cirúrgico-bucal ou quando for diagnosticada BRONJ ainda é controversa na literatura. Essa interrupção, quando realizada, deve ser sob consentimento médico. No caso apresentado, a paciente decidiu interromper o uso do alendronato sem orientação médica, por acreditar que muitos medicamentos estariam causando as alterações. Apesar da suspensão, não houve melhora do quadro.

O tratamento da BRONJ varia entre os autores, podendo ser uma abordagem conservadora ou mais radical. Quando o tratamento é conservador, esse inclui antibioticoterapia oral ou endovenosa nos casos associados à infecção, bochechos ou irrigações das feridas para reduzir a carga bacteriana e a colonização, além da remoção cirúrgica de sequestros ósseos nos casos sintomáticos onde a área dolorosa de exposição óssea necrótica é fonte constante de infecção e não responde a antibioticoterapia local e sistêmica.

Nos casos em que a abordagem conservadora não for eficaz, os autores recomendam a ressecção óssea com margem de segurança, sendo necessária uma cirurgia mais agressiva2. No presente caso, foi feita uma tentativa de tratamento conservador, com antibioticoterapia oral e tópica, além de duas intervenções para debridamento. Como não se obteve sucesso, foi realizada ressecção em bloco do osso afetado.

Conclusão

Com base na literatura pesquisada e no caso apresentado, pode-se concluir que a osteonecrose dos bisfosfonatos associada ao uso dos maxilares é uma complicação séria, de difícil manejo na clínica odontológica, que pode trazer grande morbidade e sequelas aos pacientes. Sendo assim, a prevenção é extremamente importante, sendo o cirurgião-dentista (CD) peça fundamental na orientação quanto à higiene bucal e eliminação de quaisquer focos infecciosos ou irritativos em pacientes que fazem uso de bisfosfonatos, instituindo critérios de avaliação odontológica semelhantes àqueles aplicados a pacientes candidatos à radioterapia de cabeça e pescoço. Além disso, torna-se essencial que o conheça os riscos do desenvolvimento da BRONJ, suas consequências e modalidades de tratamento, para uma melhor condução de possíveis casos.

Como citar este artigo:

Meira HC, Rocha MM, Noronha VRAS, Aguiar EG, Sousa AA, Rodrigues Neto DJ. Mandibular osteonecrosis associated with bisphosphonate use after implant placement: Case report. Dental Press Implantol. 2013 Apr-June;7(2):107-14.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

» A paciente que aparece no presente artigo autorizou previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

Endereço para correspondência:

Henrique Côrtes Meira

Rua Kimberlita, 108 – Apt 102 – Santa Tereza – Belo Horizonte/MG

CEP: 31010-260 – E-mail: meirahc@hotmail.com

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