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Ortodontia Baseada em Evidência: isso tem a ver com o seu paciente?

Por Fernanda Angelieri, professora associada da Universidade Metodista de São Paulo

Essa seção será conduzida de forma a proporcionar subsídios ao clínico para a compreensão e análise crítica dos artigos científicos, com a elucidação dos principais tipos de estudos científicos, metodologia específica e análise estatística para a prática clínica baseada em evidência científica. O objetivo é aproximar o clínico da ciência, atuando como facilitadora da compreensão dos intricados métodos científicos.

A inovação científica e tecnológica observada nas últimas décadas na Ortodontia é inegável. Obviamente, nós, ortodontistas, queremos oferecer o que há de mais atual e eficiente aos nossos pacientes. Contudo, como nossos pacientes deverão ser submetidos a essas inovações? Em outras palavras, como o ortodontista deve alterar sua conduta clínica de forma segura, adotando novos aparelhos, técnicas ou materiais?

Em pesquisa1 publicada recentemente, ortodontistas americanos afirmaram modificar o tratamento de seus pacientes baseados, primariamente, na opinião de um expert, seguida pela consulta de artigos de casos clínicos, conselhos de colegas e artigos de revisão de literatura, respectivamente. Entretanto, seria prudente alterar o tratamento de um paciente baseado na opinião de um expert?

Com a finalidade de responder cientificamente às questões clínicas em Saúde, o conceito da prática clínica baseada em evidência científica surgiu inicialmente na Medicina, na década de 902. A prática clínica baseada em evidência científica consiste na procura e aplicabilidade da melhor e mais atual evidência científica, de maneira a contribuir na tomada de decisão para os cuidados em Saúde3,4.

Frente à grande oferta de informação nos dias atuais, o processo da procura e identificação dos melhores e mais confiáveis resultados científicos, capazes de nortear a prática clínica baseada em evidência, envolve desde a hierarquização dos artigos científicos, como também a adequada interpretação desses resultados.

Segundo a hierarquia da evidência científica, as revisões sistemáticas e metanálises encontram-se no mais alto nível da prova científica (Fig. 1). Diferentemente das tradicionais revisões de literatura, em que a escolha dos artigos científicos dependia fundamentalmente dos autores, nas revisões sistemáticas a seleção dos artigos científicos emprega uma rigorosa metodologia científica, que deve ser compreensível e reproduzível3. Além disso, deve ser realizada uma análise detalhada da qualidade dos estudos, e a procura exaustiva de todos os artigos selecionados, segundo rígidos critérios de inclusão e exclusão, salientando-se a importância da inserção dos ensaios clínicos randomizados. Quando os resultados desses estudos científicos selecionados na revisão sistemática podem ser agrupados e analisados estatisticamente, tem-se a metanálise. Assim, a metanálise aumenta o tamanho geral da amostra e o poder dos testes estatísticos, permitindo maior precisão na avaliação dos efeitos do tratamento. Além da publicação recente de várias revisões sistemáticas e metanálises em periódicos científicos da Ortodontia, há organizações científicas sem fins lucrativos designadas para a produção e distribuição de revisões sistemáticas em Saúde, como a Colaboração Cochrane. Essas revisões sistemáticas/metanálises podem ser obtidas acessando o endereço eletrônico http://www.cochrane.org, na seção sobre Saúde Bucal (Oral Health).

 

 

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Os ensaios clínicos randomizados (RCTs, do inglês randomized clinical trials) são considerados “padrão ouro” nos estudos clínicos terapêuticos. A randomização implica na seleção aleatória dos indivíduos para compor os grupos de tratamento e controle, adicionada à distribuição aleatória dos fatores de confusão (bias, em inglês) nos grupos estudados3. Fatores de confusão consistem em qualquer variável que possa influenciar nos resultados do estudo. Quanto maior o número de fatores de confusão no estudo, menor o seu valor científico. Todavia, muitas vezes questões éticas e de logística envolvidas na seleção e composição dos grupos tratados e controle impedem a randomização dos ensaios clínicos. Apesar do menor valor científico da evidência, os ensaios clínicos não-randomizados fornecem resultados importantes na avaliação das questões terapêuticas em Saúde.

Em grau inferior na hierarquia da evidência científica, encontram-se os estudos coorte. Geralmente, o estudo coorte refere-se à história natural de uma doença, ao seu prognóstico ou etiologia4. Dessa forma, um grupo de indivíduos é observado no decorrer do tempo e um determinado fator de risco será avaliado com relação à sua evolução e influência no curso natural da patologia. Por exemplo, um estudo avaliando a incidência de disfunção temporomandibular (DTM) em indivíduos submetidos ao estresse (fator de risco) e não estressados, com ausência inicial dos sinais e sintomas de DTM.

Os estudos caso-controle consistem na comparação entre duas amostras, sendo que uma amostra apresentará a patologia ou característica analisada e a outra, não3. Os estudos de correlação são considerados caso-controle, por exemplo, associando-se ou não o apinhamento anteroinferior à presença ou ausência dos terceiros molares inferiores.

A série de casos clínicos — e, de forma mais acentuada, o relato de caso clínico — apenas demonstra a habilidade de um único profissional em tratar um ou mais pacientes. Assim, esse tipo de estudo nem sempre reflete a realidade do emprego de uma determinada terapêutica quando tratamos um paciente selecionado aleatoriamente3, considerando-se a enorme quantidade de variáveis presentes não controladas.

Embora profundamente enraizada no meio ortodôntico, a opinião de um expert assume um dos mais baixos níveis de evidência científica. Isso se deve ao caráter altamente subjetivo3 implícito na opinião, que geralmente engloba a experiência clínica vivida por aquele profissional, o conhecimento adquirido e experiências de ordem pessoal e psicológica. Entretanto, deve ser lembrado que a Ortodontia, em seus primórdios, foi construída em torno de grandes experts, como Angle, Tweed e Ricketts. Portanto, a opinião de um expert deve ser considerada, mas somente terá validade em termos de evidência científica se comprovada por ensaios clínicos, de preferência, randomizados.

Apesar da importância dos estudos in vitro e em animais, para determinados tópicos da Ortodontia — como, por exemplo, respectivamente, a avaliação da citotoxicidade e mutagenicidade de materiais utilizados em Ortodontia ou mesmo estudos histológicos da movimentação ortodôntica —, esses estudos compreendem o menor nível de evidência científica para a prática clínica. Isso se deve ao fato deles não se referirem diretamente à realidade clínica4.

Devido à grande quantidade e diversidade de estudos científicos, vale salientar que o intuito de hierarquizá-los visa à obtenção rápida e eficiente da resposta clínica baseada em evidência científica, por meio da consulta de revisões sistemáticas/metanálises. Contudo, apesar da publicação recente de várias revisões sistemáticas na Colaboração Cochrane e, principalmente, nos periódicos científicos em Ortodontia, inúmeras questões clínicas ainda não se encontram totalmente respondidas pelas revisões sistemáticas/metanálises5.

Diante desse panorama atual, torna-se de suma importância a procura de todos os tipos de estudos nas principais bases de dados disponíveis, destacando-se: a MEDLINE (acessada publicamente por meio do endereço eletrônico www.pubmed.org), a LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, disponível no endereço eletrônico http://lilacs.bvsalud.org/), SciELO (Scientific Electronic Library Online, disponível no endereço eletrônico www.scielo.br) e o Portal Capes (acessado no endereço eletrônico www.periodicos.capes.gov.br). Além disso, assume destacada relevância não só a identificação do tipo de estudo, mas também a adequada interpretação da qualidade metodológica dos artigos científicos. Na era da prática clínica baseada em evidência, é de suma importância que os ortodontistas tenham um maior entendimento do complexo design da pesquisa e análise estatística para tratar efetivamente seus pacientes no novo milênio6.

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