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Não cuidamos de dente… cuidamos de gente

Como disse o Dr. Felipe Augusto Rodrigues Rossi, na última edição da JCDR:

“Não cuidamos de dente… cuidamos de gente.”

Quando fui convidado a participar desse projeto, bateu uma vontade enlouquecedora de trazer os dentistas para um despertar de consciência, para um olhar pra fora do consultório, um olhar pra fora da bolha em que passamos horas e talvez, para alguns, a vida inteira. Mas, felizmente, abandonei a ideia, que pode parecer soberba minha, e na hora me veio a imagem de um menino que conheci lá no sertão nordestino, estado de Pernambuco, município de Floresta, longe de qualquer cidade cosmopolita ou urbana, e bem afastada de CAD-CAMs, Odontologia digital e likes. Quando conheci o Tiago, ele já tinha feito 17 anos. Me lembro bem dele, olhando desconfiado, na porta da sala de aula, a qual durante 5 dias transformamos em consultório odontológico, com 5 cadeiras em pleno funcionamento, levando Odontologia de qualidade para aqueles que foram esquecidos. E são muitos: no Brasil, são mais de 20 milhões que nunca foram atendidos por qualquer colega entre os mais de 300.000 dentistas com seu registro ativo junto ao CFO. País com maior número de dentistas do mundo, uma conta que não fecha.

Voltemos ao Tiago, menino que fazia parte dessas estatísticas até aquele dia. Perguntei seu nome e ele respondeu, muito tímido. De cara, percebi que havia algum problema. Tiago não tinha os centrais superiores e seus laterais estavam destruídos pela cárie. Estamos falando, aqui, de dentes; mas o problema era muita mais profundo, e falaremos dele depois. Coloquei o menino na cadeira e ele não sabia nem o que estava acontecendo. Chegou a ser um pouco engraçada a cena dele assustado, sendo levado para algo novo. Mas a graça acabou ali. Tratamos com humanização e tecnologia — que, sim, pode andar juntas. Tiago tinha seu sorriso de volta, mas não sabia sorrir. Não adiantava apenas colocar seus dentes em uma adesiva improvisada de resina composta. Entreguei o espelho na mão dele e esperei a reação… e ela não veio. Me senti frustrado; na hora, fugiu da minha compreensão. Tiago foi embora e eu, desapontado, sem entender. Passaram 30 minutos e vem ele de novo, mas agora acompanhado de sua mãe, uma senhora com seus mais de 40 anos, castigados pelo trabalho duro, que mais pareciam 70.

– Quero falar com o responsável.
– Sou eu.
– Queria te contar uma história… Tiago com 12 anos sofreu um acidente de bicicleta e perdeu os dentes da frente. Todos os aniversários e todos os Natais, ele me pedia pra colocar dentes nele. Eu dizia que não podia, e ele chorava. Eu chorava também. Para uma mãe, é muito difícil não poder ajudar. Ele não queria ir pra escola, não apresentava trabalhos na frente dos outros alunos; era muito difícil. Eu não tenho condições, e dizia sempre pra ele que um dia Deus iria ajudar. E Deus mandou vocês; vieram de São Paulo pra cuidar da gente, que ninguém se lembra.

Foi difícil demais escutar aquilo… todo mundo emocionado, ela chorando muito e eu também.

– Queria te dar um presente, doutor.

Ela estendeu a mão e me deu uma sacola dessas de supermercado, um pouco pesada… e eu abri.

Tinha muito mais do que aquelas goiabas, tinha gratidão, amor e felicidade.

Choramos juntos, em um grande abraço, um momento muito especial, muito além da Odontologia.

Ficou marcado pra mim, e para todos que estavam ali, que não cuidamos de dente, nós cuidamos de gente.

 

 

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