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Morfologia superficial e propriedades mecânicas de ligaduras ortodônticas envelhecidas in vivo

Introdução: a degradação das ligaduras elásticas no ambiente bucal resulta na necessidade de substituição periódica para manter-se a força ótima durante o tratamento ortodôntico.

Objetivo: a proposta desse trabalho foi realizar um estudo clínico prospectivo randomizado da degradação de ligaduras elásticas ortodônticas envelhecidas no ambiente bucal por microscopia eletrônica de varredura e por ensaio de tração.

Métodos: duzentas ligaduras foram randomicamente selecionadas e inseridas ao redor dos braquetes de 5 pacientes voluntários e, então, removidas, em grupos de 10, após diferentes tempos (1, 2, 3 e 4 semanas). O grupo controle foi formado por outras 50 ligaduras que não foram submetidas à degradação intrabucal.

Resultados: o ensaio mecânico demonstrou diminuição no limite de resistência à fratura após 4 semanas de degradação e não demonstrou diferença estatisticamente significativa no limite de elasticidade. A análise por microscopia eletrônica de varredura revelou que a superfície dos elastômeros tornou-se significativamente degradada após 4 semanas. A degradação teve início na primeira semana, quando o acréscimo de rugosidade superficial pôde ser detectado em algumas áreas. Posteriormente, a superfície tornou-se gradativamente mais rugosa, sendo que após 4 semanas toda a região apresentou-se rugosa e com algumas fraturas superficiais.

Conclusões: as ligaduras elásticas envelhecidas no ambiente bucal apresentaram maior degradação superficial e menor perda das propriedades mecânicas após o período experimental máximo.

Palavras-chave: Elastômero. Ligadura elástica. Degradação.

 

INTRODUÇÃO

Os materiais poliméricos têm sido utilizados na Ortodontia desde os tempos mais remotos14,15, sendo os elastômeros os principais polímeros de uso clínico. Dessa forma, os elastômeros são materiais dentários comumente utilizados para a movimentação dentária ortodôntica, que é obtida por meio da aplicação de força de baixa intensidade e de longa duração21. Seu uso se dá com a transformação da energia potencial elástica em energia mecânica, resultando no movimento dentário3,12.

A borracha natural (BN) foi comercialmente produzida no início do último século com o cultivo da seringueira (Haevea brasiliensis), na Amazônia. O polímero natural, sintetizado a partir de subprodutos dessa espécie vegetal, possuía alto peso molecular, sendo composto por três unidades de trans-isopreno no final da molécula e por milhares de unidades de cis-isopreno ao longo da cadeia principal.

A borracha à base de isopreno sintético (BS) é um polímero com unidades cis-isopreno combinadas por ligações específicas na cadeia principal4. A BS possui propriedades mecânicas superiores às da BN para o uso ortodôntico16. As borrachas sintéticas são os principais polímeros utilizados em Ortodontia por produzirem força ideal, serem confortáveis, de fácil higienização e de baixo custo19. Entretanto, esses materiais apresentam rápida degradação na cavidade bucal e, consequentemente, pequena vida útil. As principais causas da degradação acelerada são a variação do pH e da temperatura, a umidade do ambiente, o estresse e a ação bacteriana7.

A complexa conjunção dessas condições causa uma degradação exacerbada dos elastômeros na cavidade bucal. Alguns desses fatores, tais como umidade e temperatura, podem ser artificialmente simulados em estudos in vitro. Entretanto, outros fatores como a complexidade da flora bucal e seus produtos são de difícil reprodução. O agrupamento de todos esses fatores pode induzir a alterações substanciais na estrutura e na superfície dos elastômeros durante o processo de degradação10.

Sendo assim, a proposta do presente trabalho foi investigar a degradação de ligaduras elastoméricas ortodônticas no ambiente bucal por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e por meio de ensaio de tração adaptado.

 

MATERIAL e MÉTODOS

Duzentas e cinquenta ligaduras ortodônticas elastoméricas obtidas diretamente do fabricante (TP Orthodontics, Indiana, EUA) foram randomicamente distribuídas em 5 grupos, compostos por 50 amostras cada. Cinco pacientes voluntários, saudáveis, que não apresentavam nenhuma complicação médica nos últimos dois meses, foram selecionados entre os pacientes que iniciariam o tratamento ortodôntico corretivo fixo no departamento de Ortodontia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os pacientes foram convidados a participar do estudo durante o período de 6 semanas. Após o aceite, o termo de consentimento foi exposto e assinado no instante da instalação do aparelho ortodôntico fixo. Quarenta elastômeros foram mantidos na cavidade bucal de cada paciente por 1, 2, 3 ou 4 semanas, e o grupo controle foi composto por 50 amostras que não foram submetidas ao ambiente intrabucal.

A distribuição amostral foi realizada da seguinte forma:

» Na primeira visita, 20 ligaduras ortodônticas elastoméricas foram randomicamente selecionadas e instaladas ao redor dos braquetes de segundos pré-molares do lado direito até o mesmo elemento dentário do lado oposto, em ambas as arcadas.

» Na segunda visita, após uma semana, 10 ligaduras foram removidas (grupo 1 semana) e novas ligaduras foram instaladas substituindo as removidas. Entre as amostras retiradas, 5 foram submetidas ao ensaio de tração adaptado e outras 5 foram recobertas com ouro e avaliadas por MEV.

» Na terceira visita, 10 ligaduras que permaneciam na cavidade bucal por duas semanas foram removidas (grupo 2 semanas) e avaliadas sob a mesma divisão amostral. Novas amostras foram instaladas.

» Após duas semanas, na quarta visita, 10 ligaduras que permaneciam na cavidade bucal por três semanas foram removidas (grupo 3 semanas) e analisadas tal como nos demais grupos.

» No último encontro, passadas mais duas semanas, o grupo de ligaduras que estava na cavidade por quatro semanas foi removido (grupo 4 semanas) e avaliado por ensaio de tração e MEV, tal como nos outros grupos.

O ensaio de tração foi realizado em temperatura ambiente com uso da máquina universal de ensaios (Emic DL 10000), com velocidade de 2mm/minuto e com célula de carga de 50N. Visando adaptar o ensaio para as reduzidas dimensões das ligaduras, um par de ganchos de aço inoxidável (0,032” de diâmetro) foi confeccionado e fixado às garras superior e inferior da máquina de ensaios (Fig. 1)11.

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O limite de resistência e o limite elástico foram utilizados como parâmetros do ensaio21. Os dados foram comparados estatisticamente com o teste paramétrico ANOVA e quando diferença significativa foi detectada, o pós-teste de Tukey5 foi utilizado com nível de significância de 0,05% para confrontamento específico das médias.

Para a avaliação da degradação superficial por meio de MEV, as amostras foram recobertas com ouro por três minutos, sob corrente de 20mÅ e vácuo de 200mTorr. As imagens foram obtidas por meio de detecção de elétrons secundários refletidos pela amostra (JSM 5800, Jeol, Tóquio, Japão)23.

 

RESULTADOS

Os resultados do presente trabalho forneceram evidências de maior degradação superficial do que de perda de propriedades mecânicas após inserção na cavidade bucal dos elastômeros ortodônticos. O ensaio de tração indicou poucas alterações nas propriedades mecânicas em ambos os parâmetros utilizados. O limite de resistência não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos controle, 1 semana, 2 semanas e 3 semanas. Entretanto, o grupo 4 semanas apresentou valores significativamente menores que os dos demais grupos. O limite elástico não demonstrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos avaliados (Fig. 2).

A análise de superfície indicou degradação gradual dos elastômeros, caracterizada pelo aumento da rugosidade superficial. A propriedade de viscoelasticidade foi detectada após a primeira semana e tornou-se mais intensa com o aumento do tempo de permanência na cavidade bucal. A rugosidade de superfície foi observada em regiões específicas após a primeira semana. Os grupos 2 semanas e 3 semanas demonstraram maior área de aumento de rugosidade. No grupo 4 semanas, microfraturas foram observadas nas superfícies elastoméricas, e a área total apresentou-se com rugosidade aumentada (Fig. 3).

DISCUSSÃO

A morfologia superficial das ligaduras elásticas ortodônticas foi alterada significativamente após seu uso normal em ambiente bucal durante intervalos progressivos. Essas mudanças do biomaterial em uso são chamadas de “envelhecimento”. No presente estudo, o envelhecimento das ligaduras elásticas foi caracterizado pelo gradual aumento de rugosidade superficial e por poucas alterações nas propriedades mecânicas do material. Comparando os resultados do teste de tração com a análise de MEV, pode-se sugerir que os elastômeros apresentaram mais degradação superficial do que perda de propriedades mecânicas.

Os elastômeros ortodônticos são biodegradados no ambiente bucal, principalmente por hidrólise. As ligações secundárias são quebradas e o resultado é o fenômeno da relaxação2,13, cuja principal característica é a degradação desses materiais. Esse fenômeno é responsável pela necessidade de constantes substituições das ligaduras durante o tratamento clínico. A consequência da relaxação é o decréscimo da energia mecânica transmitida ao dente e, por fim, a redução de efetividade do movimento dentário2,11,13,14. Após a relaxação, os elastômeros comumente sofrem os efeitos da fluência viscoelástica. Esse fenômeno consiste na deformação plástica quando o elastômero é submetido a forças abaixo do limite elástico6,17. Esse efeito pode ser claramente observado na Figura 3. Deformações permanentes foram visíveis em todas as ligaduras submetidas ao ambiente bucal; entretanto, nenhuma delas foi tracionada além do limite elástico.

Hwang e Cha14, em um estudo in vitro, observaram rápida relaxação em elásticos em cadeia. Esses autores descreveram redução de 50% da força inicial nas primeiras 24 horas. Andreasen e Bishara1, em um estudo in vivo, descreveram redução de 74% da força inicial após o mesmo intervalo de degradação. Importantes mecanismos de degradação estão presentes apenas no ambiente bucal; por exemplo, o acúmulo de placa sobre os elastômeros e o constante contato com enzimas, que causam acentuada degradação destes biomateriais11. No presente estudo, o aumento gradual de rugosidade ocorreu durante o tempo de permanência. Eliades et al.10 descreveram que as superfícies elastoméricas foram modificadas por adsorção irreversível de material proteico, formando o biofilme após 24 horas em cavidade bucal. Passadas três semanas, o biofilme exibiu mineralização excessiva e aumento de rugosidade de superfície10. Em concordância, as fotomicrografias dos grupos 1, 2, 3 e 4 semanas exibiram aumento de rugosidade superficial, que sugestivamente pode ter sido causada pela formação e mineralização do biofilme.

Fatores presentes no ambiente bucal, como o estresse intermitente, a variação de pH e temperatura e o conteúdo de oxigênio, estão relacionados com a relaxação. Dentre esses, a variação de temperatura é o fator de maior significância no mecanismo de degradação16,18,22. De Genova et al.8 relataram que a temperatura da cavidade bucal pode variar de 0 a 64°C. Assim, a degradação depende da variação do ambiente bucal, que depende de cada indivíduo11. Apesar cada paciente possuir diferentes hábitos alimentares, no presente trabalho foram observados efeitos de viscoelasticidade similares para as ligaduras de todos esses pacientes. O aumento do diâmetro interno e a diminuição da espessura das ligaduras foram claramente observados após a primeira semana. Essa degradação foi gradualmente exacerbada com o aumento de tempo de permanência na cavidade bucal (Fig. 3).

Outro fator importante de degradação é a imersão dos polímeros em solução aquosa, como a saliva. O mecanismo consiste em absorção e dissolução das cadeias poliméricas. O líquido é absorvido, penetrando entre as macromoléculas. Esse processo produz aumento da força interna entre as cadeias, separando-as e expandindo o polímero. A degradação dos elastômeros também pode ocorrer por oxidação, resultando em fraturas superficiais. A oxidação consiste na interação das macromoléculas com o ozônio e o oxigênio.

O mecanismo responsável pela degradação química é a cisão das cadeias poliméricas na ligação dupla entre átomos de carbono, atacados principalmente pelo ozônio4. No presente estudo foram observadas fraturas superficiais nas ligaduras do grupo 4 semanas. Essas ligaduras estiveram parcialmente imersas no fluído bucal durante o período experimental. Assim, houve contato parcial com o ar e, consequentemente, com o ozônio e oxigênio, que são agentes de degradação.

A presença da flora bacteriana é outro fator importante de degradação. Bode et al.4 isolaram bactérias com potencial de degradação dos elastômeros sintéticos e naturais. Os autores concluíram que as bactérias aceleraram o processo de biodegradação, sendo que a maior parte dessas está presente no ambiente bucal.

O complexo ambiente bucal combina uma série de variáveis, como variação de temperatura e pH, bactérias, enzimas, estresse mecânico, conteúdo químico, entre outros, os quais resultam na degradação dos elastômeros. Estudos adicionais são necessários para produzir novos elastômeros sintéticos capazes de resistir a esse rigoroso ambiente.

 

CONCLUSÕES 

As ligaduras elastoméricas envelhecidas no ambiente bucal demonstraram maior degradação superficial que perda de propriedades mecânicas após o período experimental máximo.

A significância clínica dos resultados consiste em as ligaduras elastoméricas apresentarem significativa degradação superficial após a primeira semana na cavidade bucal. Esse processo aumenta gradativamente, resultando, ao final de quatro semanas, em marcada rugosidade superficial, induzindo o acúmulo de placa bacteriana.

 

Como citar este artigo: Guimarães GS, Morais LS, Souza MMG, Elias CN. Superficial morphology and mechanical properties and of in vivo aged orthodontic ligatures. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):107-12.

Enviado em: 29 de maio de 2010 – Revisado e aceito: 21 de fevereiro de 2011

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Glaucio Serra Guimarães

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