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Má oclusão de Classe I de Angle, com mordida aberta anterior, tratada com extrações de dentes permanentes

Autor: Matheus Melo Pithon

Professor da Disciplina de Ortodontia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Mestre e Doutor em Ortodontia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Ortodontia pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal). Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO).

Resumo

O presente caso clínico apresenta o tratamento ortodôntico de uma má oclusão de Classe I de Angle com mordida aberta anterior e biprotrusão dentária, em paciente do sexo feminino com 28 anos de idade. O tratamento de escolha para o caso foi o de extrações dentárias, seguidas por retração dos dentes anteriores, com consequente fechamento da mordida aberta anterior e melhor acomodação dos dentes em suas bases ósseas. Esse caso foi apresentado à Diretoria do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO) como parte dos requisitos para a obtenção do título de Diplomado pelo BBO.

Palavras-chave: Mordida aberta. Extração dentária. Ortodontia corretiva.

Historia e Etiologia

Paciente do sexo feminino com 28 anos e 8 meses de idade, apresentou-se à consulta inicial com bom estado geral de saúde e queixa principal de “dentes da frente não se tocam, não conseguindo cortar nada”. Seu histórico odontológico não possuía registros significativos, apenas algumas restaurações realizadas sem envolvimento endodôntico e perda óssea moderada na região dos molares superiores e inferiores. A paciente relatou que possuía o hábito de roer as unhas (onicofagia) quando nervosa. Relatou, ainda, que não se lembrava quando tinha sido extraído o primeiro molar inferior direito. Em relação às atividades funcionais, apresentava alterações no posicionamento lingual durante os movimentos de deglutição. Tinha higiene bucal adequada, com alta frequência de cárie.

Diagnóstico

Com relação ao aspecto facial, a paciente apresentava perfil convexo (Ls–linha S = + 4mm, Li–linha S = 6mm), selamento labial passivo, ângulo nasolabial diminuído, terço inferior da face aumentado, falta de espaço para acomodação dos dentes 12 e 22, e ausência de assimetrias evidentes (Fig. 1).

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A avaliação oclusal revelou uma má oclusão de Classe I de Angle; sobra de espaço na arcada inferior, com discrepância de perímetro positiva de 3,6mm, discrepância de Bolton inferior com excesso de 2,9mm na região posterior e 1,1mm na região anterior; linha média superior coincidente e inferior com 0,5mm de desvio para a direita; sobressaliência de 0,5mm e mordida aberta anterior de 2mm na região dos incisivos laterais e canino esquerdo, e de 1mm na região dos incisivos centrais e molares inferiores do lado direito, inclinados para mesial (Fig. 1, 2).

Com relação às assimetrias, no sentido anteroposterior, o dente 26 apresentava-se 1mm para mesial em relação ao 16; o dente 23, 0,5mm mesial ao 13; e o 33, 3mm mesial ao 43. No sentido transverso, o dente 26 apresentava-se 1mm vestibular em relação ao 16; o 23, 0,5mm vestibular ao 13; e o 43, 1mm vestibular ao 33. As arcadas possuíam formato parabólico, com sobra de espaço na arcada inferior — em decorrência da extração prematura do dente 46 — e falta de espaço na arcada superior para a acomodação dos dentes 12 e 22 (Fig. 2).

Na radiografia panorâmica, verificou-se inclinação para mesial dos molares inferiores do lado direito (47 e 48), devido à extração do dente 46; perda óssea moderada na região de molares superiores e inferiores; imagens radiopacas nas coroas dos pré-molares e molares, compatíveis com restaurações metálicas; e presença de todos os terceiros molares (Fig. 3).

As radiografias periapicais revelaram reabsorção radicular nas raízes dos incisivos superiores, com maior perda nos dentes 21 e 22, e perda da crista óssea alveolar na região anterior (Fig. 3).

Quanto às características esqueléticas, a paciente apresentava relação de classe II (ANB = 7o), com a maxila protruída em relação à base do crânio e a mandíbula bem posicionada (SNA = 90o e SNB = 83o). Padrão de crescimento equilibrado, com tendência vertical de crescimento facial (SN-GoGn = 39o) (Fig. 4, Tab. 1).

A investigação cefalométrica (Fig. 4, Tab. 1) informou, também, sobre a projeção e vestibularização dos incisivos superiores e inferiores (1.NA = 25o, 1-NA = 6mm, 1.NB = 49o e 1-NB = 15mm).

Quanto ao aspecto funcional, a paciente não apresentava guias caninas e possuía guia anterior com diversos contatos prematuros posteriores.

Objetivos do Tratamento

Os objetivos do tratamento foram a redução da biprotrusão, com diminuição do ângulo nasolabial; o fechamento da mordida aberta anterior; alinhamento e nivelamento dentário, com boas inclinações axiais e todos os espaços fechados; adequação do tamanho mesiodistal dos dentes, com eliminação da discrepância de Bolton; obtenção de simetria nas arcadas superior e inferior; além de sobremordida e sobressaliência normais, com caninos em relacionamento de chave de oclusão.

Plano de Tratamento

O plano de tratamento proposto envolveu a extração dos dentes 14, 24 e 34. Não foi proposta a extração do dente 44 porque a paciente já havia perdido o dente 46. Como recurso de ancoragem, optou-se pela instalação de placa de Nance na arcada superior (botão de Nance com dimensões aumentadas do acrílico) e arco lingual inferior. Como plano de tratamento alternativo, foi proposta à paciente a instalação de mini-implantes ortodônticos como recurso de ancoragem, em vez do uso da placa de Nance e arco lingual. Inicialmente, a ideia seria a montagem parcial do aparelho na arcada superior, sem a colagem nos dentes 12 e 22 — que se apresentavam sem espaço para alinhamento —, instalação de placa de Nance e exodontia dos dentes 14 e 24. Em seguida, retração parcial dos dentes 13 e 23 com arco 0,020” passivo e inclusão dos dentes 12 e 22, seguida de alinhamento e nivelamento com arcos 0,012”, 0,014”, 0,016”, 0,018” e 0,020”. No arco 0,020”, a retração dos caninos seria finalizada, seguida da confecção de arco 0,019” x 0,026” com alças em forma de gota invertida na distal dos incisivos laterais, para retração dos incisivos.

Na arcada inferior, o plano de tratamento era a montagem do aparelho ortodôntico, seguida da solicitação de exodontia do dente 34 e início do alinhamento e nivelamento com arcos 0,012”, 0,014”, 0,016” e 0,020”. Após a verticalização do dente 47, seria instalado arco lingual apoiado nesse dente e no dente 36, como recurso de ancoragem. Com o arco 0,020” posicionado, seria realizada a retração dos dentes 33 e 45, seguida da retração dos dentes 44 e 43 do lado direito. Retraídos os caninos inferiores, um arco 0,019” x 0,026” com alças em forma de gota invertida na distal dos incisivos laterais inferiores seria confeccionado para retração dos dentes anteroinferiores.

Finalizada a retração dos dentes anterossuperiores e inferiores, elásticos de intercuspidação seriam utilizados. Finalizado o caso clínico com a correção da má oclusão, o aparelho ortodôntico seria removido, seguido da instalação de placa de contenção wraparound na arcada superior e barra intercaninos fixa na arcada inferior.

Progresso do Tratamento

Para tratamento dessa má oclusão, foi utilizado aparatologia fixa tipo Edgewise standard (0,022” x 0,028”). Inicialmente, foi realizada bandagem dos dentes 16, 17, 26, 27, 36, 37, 47 e 48; instalação de braquetes simples nos dentes 16, 26, 36 e 47 e tubo simples nos dentes 17, 27, 37 e 48. Foi realizada, na mesma sessão, moldagem de transferência para confecção de placa de Nance superior apoiada nos dentes 16 e 26. Na sequência, colagem de braquetes nos demais dentes, com exceção do 14, 24, 34, 12 e 22; e solicitação de exodontia dos dentes 14, 24 e 34.

O tratamento, na arcada superior, iniciou-se com a confecção de arco passivo 0,020” e início da retração parcial do dentes 13 e 23 com elástico em cadeia. Nessa etapa, os dentes posteriores foram mantidos amarrados, aumentando a ancoragem posterior. Após a obtenção de espaço suficiente para a acomodação do dentes 12 e 22, foram colados braquetes a eles, com início do alinhamento e nivelamento com arcos 0,012”, 0,014”, 0,016”, 0,018” e 0,020” com dobras de primeira e segunda ordem coordenados e simétricos. Com o arco 0,020”, foi retomada a retração dos dentes 13 e 23. Na sequência, arco 0,019” x 0,026” com alças em forma de gota invertida na distal dos incisivos laterais. Durante a retração, os dentes anteriores foram mantidos unidos com amarrilho metálico, evitando-se a abertura de espaços. Foi incorporada ao arco curva de Spee acentuada, para controle da sobremordida. Passada essa etapa, removeu-se a placa de Nance e confeccionou-se arco 0,019” x 0,026” de aço com forma e torques ideais e coordenados para finalização do tratamento.

Na arcada inferior, o tratamento iniciou-se com a confecção de arcos para alinhamento e nivelamento 0,012”, 0,014”, 0,016” e 0,020” contínuos e com dobras de primeira e segunda ordem. Após a verticalização do dente 47, moldagem de transferência para confecção de arco lingual apoiado nele e no dente 36. Na sequência, iniciou-se a retração do dentes 33 e 45 com elásticos em cadeia, estando os dentes posteriores e anteriores amarrados, formando um bloco posterior e anterior. Para retração dos dentes anteriores, foi confeccionado arco 0,019” x 0,026” com alças em forma de gota invertida na distal dos incisivos laterais. Durante a retração, os dentes anteriores foram mantidos unidos com amarrilho metálico, evitando a abertura de espaços. Foi incorporada ao arco curva de Spee reversa, para controle da sobremordida. Após a retração, removeu-se o arco lingual e confeccionou-se arco 0,019” x 0,026” de aço, com forma e torques ideais e coordenados para finalização do tratamento. Elásticos intermaxilares de intercuspidação posterior (1/8” pesado) e anterior (5/16” médio) foram utilizados.

Após a remoção do aparelho ortodôntico, foi instalada placa tipo wraparound na arcada superior e barra intercaninos fixa na arcada inferior.

Resultados Obtidos

Ao avaliar a face da paciente e sua oclusão na documentação ortodôntica pós-tratamento, pode-se verificar que todas as metas propostas foram obtidas (Fig. 5 a 9). Quanto ao aspecto facial, houve melhora do perfil com a redução da biprotrusão, manutenção do selamento labial passivo, aumento do ângulo nasolabial, além da obtenção de boa linha de sorriso, com melhores inclinações dentárias e boa disposição dos dentes na arcada (Fig. 5).

Esqueleticamente, ocorreu melhora no relacionamento maxilomandibular, com redução do ângulo ANB em 1o, em virtude do melhor posicionamento dos dentes em suas bases ósseas. O padrão vertical manteve-se inalterado, sem piora no componente vertical da paciente (Fig. 8).

Em relação ao aspecto dentário, ocorreu correção do relacionamento entre os caninos do lado direito, que apresentavam-se em classe II; manutenção do relacionamento entre os molares do lado esquerdo em chave de oclusão; obtenção de relacionamento molar de classe II no lado direito; e retração com discreta extrusão dos incisivos superiores. Os molares superiores e inferiores sofreram discreta mesialização e não extruíram, e os incisivos inferiores foram retraídos e intruídos. Houve correção do apinhamento na arcada superior e fechamento dos espaços na arcada inferior, obtenção de espaço para acomodação dos dentes 12 e 22, verticalização de pré-molares e molares inferiores, e readequação do diâmetro mesiodistal dos dentes anteriores e posteriores inferiores, eliminando a discrepância de Bolton existente. Todas essas modificações promoveram correção dos pontos de contato e da sobressaliência; fechamento da mordida aberta anterior, com obtenção de correta sobremordida; além de arcadas coordenadas e simétricas, e linhas médias coincidentes com a linha média facial (Fig. 5, 6).

Quanto ao aspecto funcional, foram obtidos contatos bilaterais simultâneos em harmonia com a relação cêntrica e desoclusão dos dentes posteriores pelos anteriores nos movimentos excursivos mandibulares.

Com relação à situação das raízes, ocorreu relativa piora da reabsorção radicular, sem comprometimento da estabilidade dos dentes (Fig. 7).

Considerações Finais

O tratamento ortodôntico com extrações dentárias tem sido motivo de debates e opiniões controversas1,2. As principais discussões são em relação à estabilidade pós-tratamento, ao impacto das extrações sobre a estética facial e o aprofundamento do perfil2.

Atualmente, sabe-se que o mais importante para alcançar a estabilidade pós-tratamento ortodôntico, em casos com ou sem extrações dentárias, é a qualidade da oclusão após sua finalização3. Portanto, deve-se buscar uma oclusão excelente, com contatos bilaterais simultâneos em harmonia com a relação cêntrica e a desoclusão imediata dos dentes posteriores pelos anteriores, nos movimentos excursivos mandibulares4.

Existe consenso de que as alterações mais expressivas ocorridas no perfil facial com o tratamento ortodôntico ocorrem na região labial após a extração dos primeiros pré-molares, seguida da retração dos incisivos. Contudo, vários fatores devem ser considerados antes da decisão por exodontias. Esses fatores são a estética do perfil, o tamanho do nariz, a posição do incisivo inferior, a tipologia facial, o estado dos tecidos gengivais, a quantidade de apinhamento, a biomecânica do tratamento, o crescimento facial previsto e o tipo de má oclusão5.

Nesse caso, optou-se pelo tratamento com extrações porque a paciente apresentava os incisivos muito projetados, interferindo na estética facial. Os resultados advindos desse tratamento escolhido mostraram-se satisfatórios, uma vez que os incisivos foram bem posicionados em suas bases ósseas, conseguindo-se bom relacionamento entre as arcadas sem que ocorresse aprofundamento do perfil, o que seria um desastre nessa paciente, em particular, devido à sua descendência direta da raça negra.

Tomando-se como base os registros ao final do tratamento ortodôntico, pôde-se verificar que todos os objetivos foram alcançados. Obteve-se um relacionamento de chave de oclusão para os caninos, a redução da biprotrusão, correção da sobressaliência, da mordida aberta e dos maus posicionamentos dentários individuais.

Referências

1. Pithon MM. Orthodontic treatment in an elderly patient with extraction of upper premolar. Gerodontology. 2012;29(2):e1146-51.

2. Ruellas ACO, Ruellas RMO, Romano FL, Pithon MM, Santos RL. Extrações dentárias em Ortodontia: avaliação de elementos de diagnóstico. Dental Press J Orthod. 2010;15(3):134-57.

3. Teittinen M, Tuovinen V, Tammela L, Schatzle M, Peltomaki T. Long-term stability of anterior open bite closure corrected by surgical-orthodontic treatment. Eur J Orthod. 2012;34(2):238-43.

4. Oliveira MV, Pithon MM. Attempted traction of impacted and ankylosed maxillary canines. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2012;142(1):106-14.

5. Steyn CL, Maritz JS, du Preez RJ, Harris AM. Facial profile changes with various orthodontic premolar extraction sequences during growth. SADJ. 2004;59(4):139-41, 143-5.

» Caso clínico categoria 2, aprovado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO).

» O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

» A paciente que ilustra o presente artigo autorizou previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

Como citar este artigo: Pithon MM. Angle Class I malocclusion with anterior open bite treated with extraction of permanent teeth. Dental Press J Orthod. 2013 Mar-Apr;18(2):133-40.

Endereço para correspondência: Matheus Melo Pithon

Email: matheuspithon@gmail.com

 

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