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Má oclusão Classe II, divisão 2 de Angle com sobremordida acentuada

Arno Locks: Mestre em Ortodontia pela UFRJ. Doutor em Ortodontia pela UNESP. Pós-Doutorado na Universidade de Aarhus, Dinamarca. Professor de Ortodontia na UFSC. Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO).

Resumo: A má oclusão de Classe II divisão 2 de Angle, é caracterizada pela relação molar de Classe II associada a um posicionamento vertical ou retroinclinado dos incisivos superiores e, geralmente, a uma sobremordida exagerada. O presente caso clínico foi apresentado à Diretoria do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO) como parte dos requisitos para a obtenção do título de Diplomado pelo BBO.

Palavra chave: Má oclusão Classe II de Angle. Ortodontia corretiva. Sobremordida exagerada.

HISTÓRIA E ETIOLOGIA

Paciente leucoderma, sexo feminino, com 12 anos de idade, compareceu ao consultório relatando que o odontopediatra havia solicitado a exodontia dos quatro primeiros pré-molares como tratamento da má oclusão. A queixa principal, relatada pela mãe e pela paciente, era a busca por uma melhor estética no sorriso, principalmente devido à falta de espaço para todos os dentes, embora não desejassem que fossem feitas extrações dentárias.

DIAGNÓSTICO

Ao exame clínico extrabucal, observou-se padrão facial simétrico, competência labial, perfil ligeiramente convexo, com pogônio bem desenvolvido e bom ângulo nasolabial (Fig. 1).

A paciente se encontrava em fase final da dentadura mista, com o dente 75 apresentando características clínicas de anquilose (Fig. 1). Na análise de modelos, foi possível observar a relação dentária de Classe II de Angle, divisão 2, ligeiramente assimétrica, com sobremordida e curva de Spee muito acentuadas. Observou-se, ainda, sobressaliência de 0,5mm e linha média inferior deslocada 2mm para a esquerda, além de apinhamento anterior superior e inferior (Fig. 2).

Na análise cefalométrica, observou-se padrão esquelético de Classe II (ANB=5°) com incisivos superiores e inferiores muito verticalizados (1.NA=1º, 1.NB=11º), como pode-se observar na Figura 3 e na Tabela 1.

Na radiografia panorâmica inicial, observou-se a presença de todos os dentes permanentes, incluindo a cripta dos terceiros molares, além dos dentes 75 e 85 em processo final de risólize (Fig. 4).

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OBJETIVOS DO TRATAMENTO

Os objetivos do tratamento foram a correção do padrão esquelético de Classe II, por meio da redução do SNA, e acompanhamento do crescimento anteroposterior mandibular, obtenção de espaço para os caninos e incisivos superiores, dissolução do apinhamento inferior, correção da curva de Spee e da sobremordida e vestibularização dos incisivos superiores e inferiores, visando obter melhor função e estética dentária ao final do tratamento.

PLANO DE TRATAMENTO

Na arcada superior, planejou-se a utilização de aparelho extrabucal de Kloehn com tração cervical, por 12 horas ao dia — com o objetivo de abrir espaços e obter relação molar de chave de oclusão —, seguido da instalação de aparatologia fixa Edgewise convencional. A inclusão dos caninos superiores no arco seria realizada após a obtenção de espaço adequado. Em relação à arcada inferior, planejou-se inicialmente a utilização de placa labioativa, 24 horas por dia, para manutenção do espaço até a completa erupção dos dentes 35 e 45, e favorecendo a projeção dos incisivos. Na sequência, seria montada aparatologia fixa Edgewise convencional, incluindo os dentes 35 e 45 quando possível.

EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO

Primeiramente, como planejado, foi instalado aparelho extrabucal de Kloehn e recomendada a utilização por 12 horas ao dia. Após a abertura de espaços, montou-se a aparatologia fixa para tratamento corretivo, técnica Edgewise convencional, slot 0,022” x 0,028”. Foi instalado arco Twist Flex 0,015” na arcada superior. Na sequência, foram utilizados arcos de aço inoxidável 0,014” até 0,020” para alinhamento e nivelamento. Após a abertura de espaço para o dente 13, instalou-se arco coaxial sobreposto para inclusão do mesmo. Na arcada inferior, imediatamente realizou-se a instalação da placa labioativa e solicitou-se a exodontia dos segundos molares decíduos, para permitir a erupção dos dentes 35 e 45. O aparelho fixo completo foi montado assim que a condição oclusal permitiu, para correção da curva de Spee e da sobremordida.
Para a finalização, foi utilizado arco 0,019” x 0,025”, conforme planejado, com dobras e torques individualizados de acordo com a necessidade.

Após a obtenção dos resultados almejados, utilizou-se, como contenção, aparelho removível tipo wraparound na arcada superior, durante um ano por 24 horas ao dia, seguido do uso noturno nos dois anos seguintes. Após esse período, optou-se pelo uso em noites alternadas durante quatro meses, seguido do uso semanal por mais quatro meses, quando foi, então, suspenso. Na arcada inferior, utilizou-se barra intercaninos confeccionada com fio de aço inoxidável 0,032”.

RESULTADOS DO TRATAMENTO

Após dois anos e dois meses de tratamento, os objetivos propostos foram alcançados, observando-se bom relacionamento dentário. Os lábios foram posicionados mais anteriormente devido à projeção dos incisivos, o que pode ser observado nas fotografias faciais ao final do tratamento (Fig. 5) e na sobreposição total dos traçados cefalométricos (Fig. 9).

As fotografias intrabucais mostram a correção da sobremordida e da inclinação dos incisivos (Fig. 5). Na arcada inferior, obteve-se o nivelamento da curva de Spee, além da manutenção das distâncias intercaninos e intermolares. Apesar da inclinação um pouco acentuada dos incisivos inferiores, a avaliação clínica mostrou periodonto saudável, pois a paciente apresentava, ao início, boa espessura de gengiva inserida.

Houve redução do ângulo SNA de 88° para 86°, e deslocamento maxilar para baixo, além de crescimento mandibular para baixo e para a frente, sem aumento do SN-GoGn, como observado no cefalograma final (Fig. 7, Tab. 1).

Na radiografia panorâmica final, observa-se certo grau de reabsorções radiculares, porém compatíveis com o tratamento ortodôntico (Fig. 8).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A má oclusão de Classe II de Angle é muito frequente entre os pacientes que procuram tratamento ortodôntico7. Diferentes autores1,2,3 observaram redução espontânea do ângulo ANB como consequência do crescimento normal do indivíduo, apesar dessa não se apresentar suficiente para a autocorreção da displasia facial sagital. Portanto, é de grande importância a intervenção do ortodontista ainda na fase de crescimento, favorecendo a obtenção de um perfil harmonioso na idade adulta. Em casos de protrusão maxilar com ângulo SNA elevado, a utilização do aparelho extrabucal de Kloehn se apresenta como boa alternativa, já que esse exerce forte influência sobre o padrão de crescimento maxilar4. Os resultados da intervenção ortopédica na maxila são bem conhecidos no meio científico e adequadamente descritos em estudos com utilização de implantes8.

No presente caso clínico, a projeção dos incisivos foi de grande importância para a correção da sobremordida, redução da discrepância de modelos negativa e nivelamento da curva de Spee. Nos casos de Classe II divisão 2, é muito importante aumentar a inclinação dos incisivos, para se obter mais estabilidade na correção da sobremordida. Pode-se afirmar, então, que os objetivos foram totalmente alcançados, pois o caso se apresenta com função, saúde e estética adequadas.

Referências

1. Brodie AG. Late growth changes in the human face. Angle Orthod. 1953;23(3):146-57.

2. Coben SE. Growth and Class II treatment. Am J Orthod. 1966;5:5-26.

3. Creemore TD. Inhibition or stimulation of the vertical growth of the facial complex, its significance to treatment. Angle Orthod. 1967;37(4):285-97.

4. Mays RA. A cephalometric comparison of two types of extraoral appliance used with the edgewise mechanism. Am J Orthod. 1969;55(2):195-6.

5. Downs WB. Analysis of the dentofacial profile. Angle Orthod. 1956;26:191-212.

6. RIckets RM. Cephalometric synthesis: an exercise in starting objective and planning treatment with tracings of the head roentgenogram. Am J Orthod. 1960;46:647-75.

7. Locks L et al. Prevalência das maloclusões de Angle em uma clínica de Ortodontia. Rev SBO. 1997;3(4):123-5.

8. Melsen B. Effects of cervical anchorage during and after treatment: an implant study. Am J Orthod. 1978;73(5):526-40.

9. Angle EH. Classification of malocclusion. Dent Cosmos. 1899;41(3):248-64.

10. Bittencourt MAV, Machado AW. Prevalência de má oclusão em crianças entre 6-10 anos: um panorama brasileiro. Dental Press J Orthod. 2010;15(6):113-22.

Endereço para correspondência: Arno Locks

Rua Presidente Coutinho, 311 – conj. 1101 – Florianópolis/SC – CEP: 88.015-230

Email: ortoarno@gmail.com

Como citar este artigo: Locks A. Angle Class II, division 2 malocclusion with deep overbite. Dental Press J Orthod. 2012 Nov-Dec;17(6):160-6.

Enviado em: 19 de julho de 2012 – Revisado e aceito: 8 de agosto de 2012

» O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

» A paciente que aparece no presente artigo autorizou previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

 

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