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Má conduta em publicações científicas – por Sigmar de Mello Rode

por Sigmar de Mello Rode, Doutor em Odontologia pela USP, ex-Presidente da Região Latino Americana da International Association for Dental Research e Presidente Anterior da Associação Brasileira de Editores Científios, ABEC Brasil.

Rodrigo Rios Faria de Oliveira, Mestre em Direito Civil, Universidade Paulista (São Paulo/SP, Brasil)

Luiz Renato Paranhos, Doutor em Biologia e Patologia Buco-Dental pela Unicamp-Piracicaba


Segundo o Council of Science Editors, o termo “má conduta em pesquisa” se aplica a qualquer ação que envolva tratamento inadequado dos sujeitos envolvidos na pesquisa, ou manipulação proposital dos registros científicos de tal forma que não reflitam a verdade. Muito embora seja relativamente fácil de conceituar, é, frequentemente, difícil de identificar —  principalmente nas publicações científicas.

publicações científicas
Fabricação de dados e imagens estão entre os mais graves tipos de má conduta em publicações científicas (Foto: Freepik)

Quando nos reportamos ao “tratamento inadequado do sujeito”, percebemos uma situação mais favorável, considerando-se a necessidade de submeter as pesquisas aos órgãos reguladores das questões bioéticas envolvendo animais, seres humanos ou meio ambiente. Quando identificamos uma má conduta, é muito importante verificar se foi intencional ou “acidental” — ambas merecem algum tipo de punição.

Cada vez mais se evidenciam relatos e punições às más condutas em pesquisa, que podem ser uma advertência, retratação do texto ou, até mesmo, demissões e punições pecuniárias. Existem inúmeros tipos de má conduta no relato das pesquisas. Entre os mais graves estão a falsificação (alteração/deturpação) ou a fabricação de dados e imagens, pois desvirtuam a verdade e levam a falsas premissas, confundindo os clínicos e/ou pesquisadores.

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A cópia parcial ou total de um texto, não autorizada ou não referenciada, caracteriza plágio. Talvez esse seja um dos principais problemas encontrados nas publicações, tão grave que direciona várias instituições de ensino, pesquisa e fomento a criar códigos de orientação e conduta, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), entre outros.

Constantemente são criadas ferramentas para identificar o plágio; entretanto, elas identificam somente similaridades, assim não há um “número mágico” para caracterizar essa má conduta, pois as similaridades dependem de uma interpretação atenta. Consta, em nosso ordenamento jurídico, que a figura do plágio vem a ser, nos termos do artigo 184 do Código Penal, a violação aos direitos de autor e os que lhe são conexos.

Há necessidade de observarmos, ainda, a Constituição da República, em seu artigo 5º, XXVII, onde tal inciso nos ensina que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;”.

Apenas com o intuito complementar à questão em análise, fazemos verificar a legislação acerca dos direitos autorais, a Lei 9.610/1998, onde positiva que ao autor pertencem “os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. Assim, fácil perceber que o autor é detentor dos direitos inerentes sobre as suas criações e, na hipótese de se autoplagiar, elemento esse não tipificado em nossa legislação, ele se enquadraria, simultaneamente, nas figuras de vítima e ofensor.

Dessa forma, podemos afirmar que, de maneira errônea, alguns autores se reportam à denominação de “autoplágio”. Poderíamos, em última análise, vislumbrar uma possível responsabilização, no âmbito cível, acerca de cessão de direitos autorais a terceiros.

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A autoria das publicações também é problema relevante, porque muitas vezes os autores não usam um padrão para a citação de autores no texto, colocando autores inadequados ou esquecendo de inseri-los. Para a área da saúde existem as normas do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), que preconizam que o autor de um texto científico deve ter uma contribuição substancial à concepção e ao desenho do trabalho científico, aquisição, interpretação e análise dos dados; participar da redação e revisão crítica do trabalho, com real contribuição intelectual ao seu conteúdo; e aprovar o conteúdo final a ser publicado. Se não cumprir essas condições, deverá ser citado na seção de agradecimentos.

Infelizmente, é muito comum ouvir-se relatos de pressões por parte de coordenadores, professores e orientadores, obrigando os subordinados, na maioria das vezes alunos de graduação ou de pós-graduação, a citarem o nome de pessoas que muitas vezes nem sabem de que se trata o artigo a ser publicado. Assim, ascendência e “gratidão” não fazem autoria de artigo científico.

De acordo com Rode e Galletti Queiroz, “a relação entre ciência e produção científica é evidente, sendo a última produto da primeira; a ciência é feita através da realização de estudos éticos e depois disseminada pela publicação de artigos técnico-científcos”. Para tanto, a honestidade é fundamental para os autores, e hoje não se pode mais alegar ignorância. Vale o dito popular “Confiança é como papel: uma vez amassado, nunca mais volta a ser perfeito como antes”.

 

* publicado originalmente como editorial da Dental Press Journal of Orthodontics (DPJO)

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