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Influência dos comprimentos dos arcos de um canal na fratura por fadiga de instrumentos de níquel-titânio mecanizados

Hélio Pereira Lopes1

Márcia Valéria Boussada Vieira2

Carlos Nelson Elias3

Victor Talarico Leal Vieira4

Letícia Chaves de Souza4

Carlos Estrela5

 

Resumo

O objetivo desse estudo foi avaliar a influência do comprimento do arco de um canal artificial no número de ciclos necessários para induzir a fratura por fadiga de um instrumento endodôntico de níquel-titânio (NiTi) mecanizado. Métodos: os instrumentos usados nesse trabalho foram os Mtwo de diâmetro em D0 de 0,35mm, de conicidade 0,02mm/mm e comprimento de 25mm. Os instrumentos foram utilizados em dois canais artificiais metálicos com segmentos curvos, sob velocidade de 300rpm. As curvaturas estavam localizadas nas extremidades dos canais e possuíam diferentes comprimentos de arcos. O dispositivo usado para o teste de flexão rotativa dos instrumentos endodônticos selecionados foi o descrito previamente por Lopes et al1. Resultados: o número de ciclos necessários para causar a fratura por fadiga foi influenciado pelo comprimento do arco do canal artificial. Conclusão: o número de ciclos necessários para induzir a fratura por fadiga nos instrumentos usados em flexão rotativa em canais artificiais de mesmo comprimento de raio diminuiu com o aumento do comprimento do arco.

 

Introdução

A fratura por fadiga é uma grande preocupação quando da instrumentação de canais curvos por meio de instrumentos de níquel-titânio (NiTi) mecanizados. Quando utilizados em canais curvos, os instrumentos de NiTi mecanizados ficam submetidos a um carregamento por flexão rotativa que induz tensões alternadas tratoras e compressivas. A repetição dessas tensões promove mudanças microestruturais acumulativas que induzem a fratura por fadiga do instrumento endodôntico2,3,4.

Por meio do teste de flexão rotativa, podemos quantificar o número de ciclos que um instrumento endodôntico é capaz de resistir até a fratura por fadiga em uma determinada condição de carregamento2,5,7. Esse número depende da geometria dos canais curvos (comprimento do raio, comprimento do arco e posição do arco ao longo do canal).

O objetivo desse estudo foi avaliar a influência dos comprimentos dos arcos de canais artificiais de mesmo raio no número de ciclos necessários para induzir a fratura por fadiga de um instrumento endodôntico de NiTi mecanizado.

 

Material e Métodos

Para a realização desse trabalho, foram selecionados 20 instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados Mtwo (VDW, Munique, Alemanha) de diâmetro em D0 de 0,35mm, de conicidade de 0,04mm/mm e comprimento de 25mm.

Dois canais artificiais foram fabricados em blocos metálicos de aço inoxidável, tendo diâmetro interno de 1,5mm, profundidade de 3,5mm com fundo em U, comprimentos de 20mm e arcos na extremidade com raios de curvatura de 6mm. O arco do primeiro canal (A) mediu 9,42mm (ângulo de 90°), enquanto o segundo canal (B) mediu 12,56mm (ângulo de 120°). Uma placa metálica de aço inoxidável de 1mm de espessura foi confeccionada e parafusada em frente a cada canal com a finalidade de prevenir que o instrumento se deslocasse para fora do canal. Os raios de curvatura dos canais artificiais foram medidos levando-se em consideração a superfície côncava do interior do canal (Fig. 1, 2).

O dispositivo usado no teste de fadiga foi previamente descrito por Lopes et al1. Dez instrumentos foram submetidos a 300 rotações por minuto à direita, em cada canal artificial, até a fratura. O tempo de fratura foi avaliado por um mesmo operador usando um cronômetro digital (Technos, Manaus/AM), sendo estabelecido visualmente quando ocorreu a fratura do instrumento. O número de ciclos até a fratura (NCF) foi obtido pela multiplicação da velocidade de rotação pelo tempo (em segundos) até ocorrer a fratura. Durante o teste, o canal artificial foi preenchido com glicerina para reduzir a fricção do instrumento contra as paredes do canal, minimizando a liberação de calor. Os dados relativos ao número de ciclos obtidos até a fratura dos instrumentos em função dos comprimentos do arco com mesmo raio, foram estatisticamente analisados pelo teste t de Student com nível de significância de 5%.

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Resultados

A média e o desvio-padrão do tempo e do número de ciclos até a fratura do instrumento ocorrer são mostrados na Tabela 1.

A análise estatística usando o teste t de Student mostrou que houve diferença significativa no NCF do instrumento testado em relação aos comprimentos dos arcos de canais com o mesmo raio de curvatura (p<0,0001).

Os resultados mostraram que os instrumentos Mtwo testados no canal com 12,56mm de comprimento do arco fraturaram com menor número de ciclos do que aqueles usados em canais com arco de 9,42mm.

 

Discussão

Para se avaliar a resistência em fadiga de instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados quando submetidos ao teste de flexão rotativa, é necessário padronizar a geometria dos canais artificiais quanto aos comprimentos do raio e do arco e a localização do arco ao longo do canal. Dessa forma, fica evidente que quando se pretende avaliar a influência do comprimento do arco na resistência a fratura por fadiga de um instrumento endodôntico, os demais parâmetros dos canais artificiais obrigatoriamente devem ser iguais.

A maioria dos trabalhos existentes na literatura avalia a influência do ângulo de curvatura, não o comprimento do arco na resistência à fratura por fadiga de um instrumento endodôntico submetido ao teste de flexão rotativa2,6,8-12. O ângulo de curvatura é quantificado em graus, enquanto o comprimento do arco é quantificado em milímetros. É importante esclarecer que o ângulo de curvatura não é sinônimo de comprimento do arco. Assim, a utilização do ângulo de curvatura, e não o comprimento do arco, é questionável, uma vez que ângulos de curvaturas iguais podem apresentar raios e arcos com comprimentos diferentes.

O ângulo de curvatura de um canal também tem sido determinado pelo método de Schneider13. O método é falho, uma vez que não determina o comprimento do raio e nem o comprimento do arco, os quais são parâmetros determinantes na resistência a fratura por fadiga de instrumentos endodônticos submetidos ao teste de flexão rotativa.

Entretanto, esse método e o ângulo de curvatura frequentemente têm sido empregados na avaliação do comportamento mecânico e na resistência a fratura por fadiga de instrumentos endodônticos2,6,8-16. É importante mencionar que não se quantifica uma curvatura pelo ângulo, mas sim pelos comprimentos do raio e do arco. Por meio do conhecimento do valor do ângulo de curvatura e do comprimento do raio (R), determina-se o comprimento do arco (L) através da equação:

 

Em função dos resultados obtidos, podemos afirmar que quanto maior o comprimento do arco, menor será o número de ciclos para a fratura por flexão rotativa de um instrumento endodôntico de NiTi mecanizado. Isso pode ser explicado porque a posição do ponto crítico de maior concentração de tensão de um instrumento endodôntico varia em função do comprimento do arco. Assim, em canais com arcos maiores, o ponto crítico de concentração de tensão fica submetido em uma região de maior diâmetro da haste helicoidal cônica de um instrumento do que nos canais com arcos menores. Consequentemente, o número de ciclos até a falha de um instrumento diminui com o aumento do diâmetro no ponto crítico de concentração de tensão4,15,17.

Houve diferença estatística significativa no NCF dos instrumentos quando se comparou os comprimentos dos arcos dos canais artificiais empregados nesse estudo. Os resultados obtidos estão de acordo com os descritos por outros autores7,18.

Conclusão

O número de ciclos necessários para induzir a fratura por fadiga em instrumentos endodônticos de NiTi Mtwo usados em flexão rotativa em canais artificiais com o mesmo raio de curvatura, diminuiu com o aumento do comprimento do arco.

 

Referências

 1. Lopes HP, Elias CN, Vieira VTL, Moreira EJL, Marques RVL, Oliveira JCM, et al. Effects of electropolishing surface treatment on the cyclic fatigue resistance of BioRace nickel-titanium rotary instruments. J Endod. 2010;36(10):1653-7.

2. Pruett JP, Clement DJ, Carnes DL Jr. Cyclic fatigue testing of nickel-titanium endodontic instruments. J Endod. 1997;23(2):77-85.

3. Haikel Y, Serfaty R, Baterman G, Senger B, Allemann C. Dynamic and cyclic fatigue of engine-driven rotary nickel-titanium endodontic instruments. J Endod. 1999; 25(6):434-40.

4. Lopes HP, Ferreira AAP, Elias CN, Moreira EJL, Oliveira JLM, Siqueira JF Jr. Influence of rotational speed on the cyclic fatigue of rotary nickel-titanium endodontic instruments. J Endod. 2009;35(7):1013-6.

5. Parashos P, Messer HH. Rotary NiTi instrument fracture and its consequences. J Endod. 2006;32:1031-43.

6. Yao JH, Schwartz SA, Beeson TJ. Cyclic fatigue of three types of rotary nickel-titanium files in a dynamic model. J Endod. 2006;32(1):55-7.

7. Lopes HP, Moreira EJL, Elias CN, Almeida RA, Neves MS. Cyclic fatigue of ProTaper instruments. J Endod. 2007;33:55-7.

8. Plotino G, Grande NM, Sorci E, Malagnino VA, Somma F. A comparison of cyclic fatigue between used and new Mtwo Ni-Ti rotary instruments. Int Endod J. 2006;39(9):716-23.

9. Tripi TR, Bonaccorso A, Condorelli GG. Cyclic fatigue of different nickel-titanium endodontic rotary instruments. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2006;102:e106-14.

10. Gambarini G, Grande NM, Plotino G, Somma F, Garala M, De Luca M, et al. Fatigue resistance of engine-driven rotary nickel-titanium instruments produced by new manufacturing methods. J Endod. 2008;34(8):1003-5.

11. Testarelli L, Grande NM, Plotino G, Lendini M, Pongione G, De Paolis G, et al. Cyclic fatigue of different nickel-titanium rotary instruments: a comparative study. Open Dent J. 2009;3:55-8.

12. Inan U, Aydin C, Demirkaya K. Cyclic fatigue resistance of new and used Mtwo rotary nickel-titanium instruments in two defferent radii of curvature. Aust Endod J. 2011;37:105-8.

13. Schneider SW. A comparison of canal preparations in straight and curved root canals. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1971;32(2):271-5.

14. Zhang EW, Cheung GSP, Zheng YF. Influence of cross-section design and dimension on mechanical behavior of nickel-titanium instruments under torsion and bending: a numerical analysis. J Endod. 2010;36(8):1394-8.

15. Lee MH, Versluis A, Kim BM, Lee CJ, Hur B, Kim HC. Correlation between experimental cyclic fatigue resistance and numerical stress analysis for nickel-titanium rotary files. J Endod. 2011;37(8):1152-7.

16. Kim HC, Kwak SW, Cheung GSP, Ko DH, Chung SM, Lee WC. Cyclic fatigue and torsional resistance of two new nickel-titanium instruments used in reciprocation motion: Reciproc versus WaveOne. J Endod. 2012;38(4):541-4.

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18. Zinelis S, Darabara M, Takase T, Ogane K, Papadimitriou GD. The effect of thermal treatment on the resistance of nickel-titanium rotary files in cyclic fatigue. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2007;103(6):843-7.

 

Autores

Hélio Pereira Lopes11 Livre Docente, UERJ. Especialista em Endodontia, Odontoclínica Central da Marinha.

Márcia Valéria Boussada Vieira22 Mestre em Odontologia, UFPEL.:

Carlos Nelson Elias3 : 3 Doutor em Ciências dos Materiais, IME.

Victor Talarico Leal Vieira44 Doutorando em Ciências dos Materiais, IME.

 Letícia Chaves de Souza44 Doutorando em Ciências dos Materiais, IME.

Carlos Estrela55 Livre Docente e Doutor em Endodontia, USP.

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