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IA prevê risco de cárie em dentes individuais

Um estudo inovador desenvolvido por pesquisadores de Hong Kong e da China continental pode transformar como se previne a cárie dentária infantil. A pesquisa, publicada na revista Cell Host & Microbe, apresenta o primeiro sistema de inteligência artificial (IA) do mundo capaz de prever o risco de cáries em dentes específicos de crianças, com uma precisão superior a 90%.

A cárie precoce da infância (CPI) é considerada a doença crônica mais prevalente na infância globalmente, afetando de forma desigual determinados dentes – um padrão que há anos intriga a ciência. Agora, uma equipe de instituições como a Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Hong Kong (HKU), a Academia Chinesa de Ciências (CAS-QIBEBT), o Hospital Estomatológico de Qingdao e o Hospital Feminino e Infantil de Qingdao pode ter encontrado a chave para explicar esse fenômeno.

O projeto foi liderado pelo professor Shi Huang, especialista em microbiologia oral na HKU, e contou com a participação de Yufeng Zhang, doutorando da mesma instituição, além de pesquisadores das demais entidades chinesas. Juntos, eles desenvolveram o Spatial-MiC, um sistema de IA treinado para analisar comunidades microbianas específicas de cada dente, a partir de dados obtidos por sequenciamento genético avançado.

Utilizando uma combinação de técnicas de ponta – entre elas, a análise metagenômica shotgun e a sequenciação de rRNA 16S – a equipe analisou, ao longo de quase um ano, 2.504 amostras de placa dentária de 89 crianças com idades entre 3 e 5 anos. O resultado foi o mapeamento mais detalhado já feito das comunidades bacterianas que habitam a boca infantil.

Entre as descobertas mais relevantes está a identificação de um gradiente microbiano ao longo da boca saudável: dentes frontais (incisivos) e posteriores (molares) abrigam naturalmente conjuntos distintos de bactérias. Esse padrão, influenciado por fatores como o fluxo de saliva e a anatomia dentária, se rompe nas fases iniciais da cárie.

Os cientistas observaram alterações significativas nesse equilíbrio microbiano antes mesmo que a deterioração dentária se tornasse visível. Entre os sinais precoces, estão a migração de bactérias típicas dos dentes da frente para os de trás e vice-versa, criando um alerta precoce sobre áreas de maior risco.

Com base nessas informações, o Spatial-MiC foi treinado para cruzar os dados bacterianos de um dente com os de seus vizinhos. O resultado impressiona: 98% de precisão para detectar cáries já existentes e 93% para prever cáries que surgiriam dois meses depois, antes mesmo de qualquer evidência clínica.

Os achados representam um avanço significativo em relação aos métodos tradicionais, que normalmente avaliam a boca na totalidade e não consideram as diferenças entre os dentes. Para os pesquisadores, essa inovação abre caminho para uma odontologia de precisão na infância, com estratégias de prevenção individualizadas e mais eficazes.

“A maioria dos protocolos atuais trata todos os dentes da mesma maneira, ignorando suas diferentes vulnerabilidades”, explica o professor Huang. “Agora, temos ferramentas para intervir precocemente, em dentes específicos, antes que o problema se manifeste.”

O impacto pode ser particularmente relevante em países como a China, onde mais de 70% das crianças de cinco anos sofrem com cárie precoce. Além disso, a CPI pode levar a dor, infecções e até atrasos no desenvolvimento infantil.

Próximos passos
A equipe prevê que o Spatial-MiC será testado futuramente em populações mais amplas e diversas. O objetivo é adaptar a tecnologia para o uso clínico cotidiano, levando-a a consultórios odontológicos ao redor do mundo.

“Trata-se de muito mais do que apenas melhorar os cuidados dentários”, afirma o Dr. Fang Yang, primeiro autor do estudo. “É sobre dar às crianças uma infância mais saudável, livre da dor e das complicações causadas pelas cáries severas – e fazer isso de forma preventiva, com base em ciência de ponta.”

A expectativa dos pesquisadores é que a tecnologia ajude a redefinir o futuro da saúde bucal infantil, unindo avanços em microbiologia, inteligência artificial e cuidado clínico personalizado.

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