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O emprego do hidróxido de cálcio como medicação intracanal na apicificação de dentes permanentes jovens

Resumo

Objetivo: esse trabalho tem como objetivo apresentar o tratamento de dois elementos dentários traumatizados que apresentavam rizogênese incompleta, extensa lesão periapical e reabsorções radiculares. Método: o tratamento de escolha para os dentes com ápice incompletamente formado foi a apicificação por meio de trocas de medicação intracanal, a fim de promover o fechamento apical, reparo da lesão periapical, bem como estabilização das reabsorções radiculares. Foram realizadas quatro trocas de medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio e propilenoglicol por um período de um ano e dois meses. Conclusão: os autores concluíram que essa técnica de apicificação gera condições favoráveis para o fechamento apical dos canais radiculares, bem como o reparo da lesão periapical e estabilização das reabsorções radiculares.

Palavras-chave: Ápice dentário. Hidróxido de cálcio. Traumatismos dentários.

Introdução

A erupção dos dentes permanentes ocorre dos 6 aos 12 anos de idade, sendo contínuo o desenvolvimento radicular por um período de um ano e meio a dois anos e meio após a erupção. Assim, traumatismos na cavidade bucal em pacientes com idade variando entre 6 e 14 anos e meio possuem um potencial de interromper, alterar ou deter a formação completa da raiz1.

A importância funcional e estética do elemento dentário traumatizado com rizogênese incompleta, em pacientes jovens, tem motivado inúmeros estudos na tentativa de assegurar sua permanência em função pelo maior tempo possível.

Segundo Andreasen2, crianças em idade escolar possuem alta incidência de traumas em dentes permanentes com rizogênese incompleta. Dessa forma, podem desenvolver complicações pulpares e periapicais, como necroses pulpares, calcificações difusas da polpa e reabsorções radiculares externas ou internas. A patologia e os processos degenerativos dessas complicações, contudo, não são bem compreendidos.

Quando a rizogênese incompleta está associada a necrose pulpar, o quadro torna-se ainda mais complicado, pois o processo de formação radicular pela deposição de dentina é interrompido. Nesses casos, o tratamento endodôntico é realizado no intuito de promover o fechamento apical completo.

Segundo Heithersay3, a apicificação permite a formação radicular com fechamento apical se a bainha epitelial de Hertwing não houver sido irreversivelmente danificada. A desvantagem dessa técnica é que o tempo necessário para o tratamento é prolongado.

Assim, em dentes com ápice incompletamente formado, o uso ordenado do instrumento e de substância química auxiliar não permite um perfeito saneamento do canal radicular, condição, essa, desfavorável à reparação tecidual da região apical porque o processo de cura somente ocorre na ausência de contaminação. A substância química auxiliar, com suas múltiplas propriedades, deve propiciar uma efetiva ação antimicrobiana e o aumento da permeabilidade do sistema de canais radiculares, auxiliando na descontaminação.

Inúmeras medicações também têm sido empregadas no tratamento endodôntico de dentes com rizogênese incompleta, no intuito de complementar a sanificação, enfatizando sua capacidade de difusão no sistema de canais radiculares.

Segundo Estrela e Sydney4, a apicificação ocorre em um meio alcalino, o que favorece a formação de uma barreira apical de tecido mineralizado, mesmo após a polpa haver perdido a vitalidade. Dessa forma, o elevado pH do hidróxido de cálcio é de fundamental importância para o sucesso do tratamento.

Assim, esse trabalho foi realizado com o objetivo de verificar a eficácia da apicificação usando a pasta hidróxido de cálcio como medicação intracanal, bem como observar o tempo necessário para o fechamento apical dos dentes 21 e 22, que apresentavam necrose pulpar, rizogênese incompleta e reabsorção radicular.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 16 anos de idade, compareceu à clínica particular para realizar tratamento endodôntico acompanhada de sua mãe. Durante a anamnese, no histórico dentário, houve conhecimento de que aos 6 anos de idade a paciente sofreu uma queda, traumatizando os elementos dentários 21 e 22. Desde então, a paciente passou por vários profissionais que não conseguiram resolver o problema.

Ao realizar-se o exame clínico intrabucal, observou-se edema na região do palato e em fundo de vestíbulo nessa mesma região. Também pôde-se observar que o acesso das cavidades que encontravam-se abertas era muito retentivo, com presença de teto da câmara pulpar.

No exame radiográfico constatou-se que esses dentes apresentavam rizogênese incompleta, extensa lesão radiolúcida periapical e reabsorções radiculares (Fig. 1).

Após conscientizar a paciente e sua responsável das dificuldades do tratamento, foi proposto o tratamento endodôntico por meio de apicificação com uso de hidróxido de cálcio. Concordando com o tratamento proposto, a primeira sessão foi realizada no dia 14 de janeiro de 1998, com anestesia local, instalação do isolamento absoluto e melhora das aberturas de acesso. O preparo químicomecânico do canal radicular foi realizado com limas endodônticas manuais e hipoclorito de sódio 2,5%. Durante o preparo do canal radicular, foi realizada a odontometria para confirmação do comprimento de trabalho. Nos dois elementos dentários foi realizada patência e o terço apical foi preparado com limas K #80 a 1mm do ápice radiográfico (Fig. 2, 3).

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Depois de concluído o preparo químico-mecânico, os canais radiculares foram secos com cones de papel esterilizados e inundados com EDTA trissódico 17% por três minutos. Após a remoção do EDTA, nova secagem do canal foi realizada. A pasta de hidróxido de cálcio P.A. com propilenoglicol foi inserida no interior dos canais radiculares, sendo substituída sempre que se verificava, radiograficamente, que estava sendo parcialmente reabsorvida. Dessa forma, o objetivo era induzir a apicificação ou formação de uma barreira mineralizada no forame apical, bem como a estabilização das reabsorções radiculares.

Após quatro trocas de medicação intracanal em um período de nove meses, foi radiograficamente observada regressão da lesão periapical, estabilização das reabsorções e início do fechamento radicular (Fig. 4).

Em 20 de março de 1999, um ano e dois meses após o início do tratamento endodôntico, foi realizada a obturação definitiva do canal por meio de cones de guta-percha (Fig. 5, 6) e cimento obturador à base de óxido de zinco e eugenol (Endofill, Dentsply), por meio da técnica de condensação lateral seguida de condensação vertical (Fig. 7).

Três anos após a conclusão do tratamento, a paciente foi chamada para o primeiro controle e, radiograficamente, foi observado reparo da lesão periapical com formação radicular e ausência de reabsorções radiculares. Na porção distoapical do elemento 21, era possível observar leve espessamento do ligamento periodontal (Fig. 8).

Discussão

A causa mais frequente de envolvimento pulpar em pacientes jovens, além da cárie, é o traumatismo dentário5. Crona-Larsson e Noren6 avaliaram a etiologia, incidência, ocorrência e predisposição dos traumatismos dentários. Relataram que a proporcionalidade, em relação aos sexos, foi de dois meninos para cada menina acidentada.

O grande número de injúrias traumáticas ocorre entre 8 e 11 anos de idade, e 40% das crianças traumatizadas sofrem mais de uma vez o trauma dentário. A maioria dos casos envolveu os incisivos centrais superiores, sendo responsáveis por 70% dos dentes traumatizados, sendo que 1/3 desses dentes apresentavam a raiz parcialmente desenvolvida no momento do acidente.

Esses dados concordam com nosso trabalho, onde o trauma ocorreu em uma paciente de 6 anos de idade, em que as raízes dos dentes 21 e 22 não haviam atingido o completo desenvolvimento, havendo comprometimento pulpar com posterior necrose e desenvolvimento de lesão periapical.

Nesse estudo, os dentes apresentavam lesão periapical crônica e ápices incompletamente formados. Assim, inicialmente, foi realizada a remoção do tecido necrótico e o combate à infecção bacteriana por meio de abundante irrigação com solução de hipoclorito de sódio devido a suas propriedades de solvente de matéria orgânica e antimicrobiana7,8.

O EDTA foi utilizado antes da aplicação da medicação em todas as sessões, bem como antes da obturação definitiva do canal radicular para aumentar a permeabilidade dentinária e facilitar a difusão dos íons de hidróxido de cálcio na dentina. O EDTA, em diferentes concentrações e associações, promove uma limpeza maior das paredes do canal radicular, com a remoção da smear layer9,10.

A medicação com pasta de hidróxido de cálcio entre as sessões foi utilizada para completar a desinfecção, estimular o fechamento apical e/ou a deposição de tecido mineralizado e estabilizar as reabsorções11-15. No entanto, estudos afirmam que não existe vantagens em se realizar trocas de pasta de hidróxido de cálcio durante o tratamento de dentes com rizogênese incompleta e canais contaminados16.

A escolha do propilenoglicol como veículo se baseia em sua capacidade de solubilização de materiais orgânicos17,18 e em sua ação antimicrobiana19. Outros autores relataram que o propilenoglicol tem se mostrado menos citotóxico do que outros veículos comumente usados para medicação intracanal, além de possuir propriedades antibacterianas altamente benéficas no tratamento endodôntico20,21.

Para Cruz et al.22, o propilenoglicol tem capacidade de se difundir através da dentina radicular e, possivelmente, do cemento, mesmo na presença de alterações anatômicas, tais como istmos e calcificações radiculares e, assim, favorece a dissociação e atuação dos íons hidroxila. No entanto, Safavi e Nakayama23 verificaram que o hidróxido de cálcio precisa de água para se dissociar, o que não ocorre na presença do propilenoglicol.

O tempo para se conseguir o início do fechamento apical após início do tratamento, no caso relatado, foi de nove meses a um ano e dois meses, aproximadamente. Yates24 considera que o tamanho da abertura apical antes do início do tratamento influencia o fechamento apical.

Ghose, Baghdady e Hikmat25 afirmaram que em 78% dos casos, o fechamento apical é obtido no período de 5 ou 6 meses após completar o tratamento, e que duas sessões de medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio geralmente são necessárias. Mackie, Bentley e Worthington26 obtiveram o fechamento em um tempo médio de 10,3 meses, e Yates27 em 9 meses.

Segundo Shabahang et al.28 e White29, a apicificação com hidróxido de cálcio possui diversas desvantagens, desde a variabilidade do tempo de tratamento à proservação do paciente (em atender os chamados), e um risco maior de fratura do dente após o curativo com material por períodos extensos.

Em média, a literatura sugere que dentes com rizogênese incompleta devem ter a medicação trocada a cada intervalo de 30 dias a 3 meses, durante o período de apicificação, que leva de 12 a 18 meses na ausência de infecção27,30,31,32.

Diante disso, faz-se necessária a utilização de substâncias que induzam a formação de uma barreira apical que impeça o extravasamento do material obturador, bem como sua perfeita acomodação, sendo o hidróxido de cálcio e o agregado de trióxido mineral (MTA) as substâncias apicificadoras de escolha devido sua compatibilidade biológica, propriedades bactericidas e indutoras de mineralização33.

O MTA é um material biocompatível, com capacidade osteoindutora que promove um selamento marginal adequado, prevenindo infiltrações, além de ser antimicrobiano34. Ele é utilizado para confecção do batente apical devido a excelentes resultados obtidos em diferentes pesquisas, e pela redução do número de sessões, hajam vistam serem desnecessárias sucessivas trocas do material, como ocorre quando do emprego do hidróxido de cálcio. Estudos mostram que dentes necrosados com rizogênese incompleta podem ser tratados por dois meses com o uso de pastas contendo hidróxido de cálcio, seguido da colocação de MTA para selamento e formação da barreira apical.35 Porém, é consenso mundial que o hidróxido de cálcio apresenta resultados satisfatórios na apicificação, independentemente da técnica utilizada16,36,37.

Trabalhos recentes38,39 relatam o efeito da revascularização pulpar em dentes necrosados com rizogênese incompleta por meio do uso de pasta poliantibiótica, ou pelo estímulo de coágulo sanguíneo, como uma alternativa viável para o tratamento de dentes com rizogênese incompleta.

Sendo a apicificação normalmente realizada por meio de trocas de medicação intracanal, é importante ressaltar que esse é um tratamento em longo prazo. Sendo assim, é imprescindível que os profissionais estimulem e conscientizem o paciente da importância e necessidade da proservação, independente da técnica utilizada.

Conclusão

O tratamento endodôntico de dentes com rizogênese incompleta encontra dificuldades em sua realização. Porém, do caso clínico relatado, podemos concluir que a técnica de apicificação usando a pasta de hidróxido de cálcio como medicação intracanal é eficaz, que o tempo necessário para o fechamento apical pode ocorrer entre cinco meses a um ano e seis meses e que a reabsorção radicular pode ser estabilizada.

Como citar este artigo:

Marion JJC, Manhães FC, Duque TM, Achitti SD. The use of calcium hydroxide as intracanal medication for the apexification of teeth with incomplete root formation. Dental Press Endod. 2012 July-Sept;2(3):67-73.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Jefferson José de Carvalho Marion

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