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Giorgio Fiorelli é o entrevistado da DPJO v23n5

Giorgio Fiorelli é o entrevistado dessa edição Dental Press Journal of Orthodontics

– Fragmento da entrevista publicada originalmente na revista Dental Press Journal of Orthodontics v23n5 –

Com Giorgio Fiorelli.

>Breve Currículo


1) Atualmente, no contexto da Ortodontia moderna, com o advento dos braquetes autoligáveis, alinhadores ortodônticos e ancoragem esquelética, qual contribuição o conhecimento da biomecâni-ca ortodôntica e da técnica do arco segmentado pode trazer? (Maurício Sakima)

Como um princípio geral, creio que a biomecânica sempre terá um papel essencial na Ortodontia — pelo menos enquanto movimentarmos os dentes pela aplicação de tensão mecânica. Pense na evolução dos alinhadores: as dramáticas melhorias que a Aligntech® teve nos últimos anos são, na sua maioria, resultado do trabalho de um engenheiro com grande experiência em biomecânica e que trabalhou junto a Charles Burstone por muitos anos: John Morton.

Mas a questão real é outra: qual deveria ser o papel do dentista na sua prática clínica? Devemos estar conscientes dos complexos mecanismos por meio dos quais os apare-lhos movimentam os dentes? Ou devemos apenas apertar um botão e deixar que o aparelho trabalhe enquanto assistimos ao show? Talvez, no futuro, a tecnologia dos aparelhos ortodônticos seja tão boa que não precisaremos mais de ortodontistas clínicos. Mas acredito que estamos muito longe dessa possibilidade. Muitos tratamentos ortodônticos exigem grande habilidade e controle do especialista e não podem ser conduzidos no “piloto automático”, o que também se deve ao fato de que somos chamados para tratar casos cada vez mais desafiadores e complexos. Acredito que, em breve, teremos dois tipos de tratamentos: aqueles que dispensam totalmente o ortodontista (talvez até o clínico geral seja mais do que qualificado), e aqueles casos, sempre mais complexos e desafiadores, que exigem competência e habilidades extremas. Recomendo aos jovens ortodontistas que entendam que, se confiarem totalmente os tratamentos a aparelhos pré-fabricados, poderão facilitar suas vidas em muitos casos, mas não em todos, e podem acabar cando sem trabalho no futuro — pois, se tiverem apenas esse nível de competência, poderão ser facilmente substituídos por profissionais sem especialização ou, até mesmo, por um vendedor. Nesse contexto, acredito que o conhecimento de biomecânica será o mais importante bem para que um ortodontista se destaque dos outros.

Com relação ao arco segmentado, é a abordagem ortodôntica que liberta o ortodontista dos limites do arco contínuo. É a única técnica em que obtemos um deslocamento guiado pelo sistema de forças usado, isso porque, em muitas situações, o ortodontista consegue dimensionar exatamente esse sistema de forças aplica-do. Isso sugere mais possibilidades, mas também exige mais conhecimento. De um ponto de vista teórico, o arco segmentado simplifica a mecânica ortodôntica. Não consigo imaginar nada mais complexo de entender do que os sistemas de forças gerados por um arco inicial de alinhamento de NiTi. Todos o usamos, porque é fácil de aplicar, mas não é fácil entender e prever seu efeito, mesmo se tivermos um bom conhecimento de biomecânica. Logo, se fôssemos todos limitados a usar apenas o arco contínuo, as diferenças entre ortodontistas com maior ou menor conhecimento de biomecânica se-riam limitadas. Por outro lado, ninguém pode se dar ao luxo de usar a mecânica de arco segmentado sem ter um conhecimento sólido de biomecânica.

2) Por que não temos, ainda, um software que possa prever a movimentação dentária de forma precisa, tanto em abordagens com arco contínuo quanto com arco segmentado? (Renato Parsekian Martins)

Essa pergunta não é muito fácil de responder. Vou fazer o meu melhor; mas, antes, deixe-me dizer que acredito que deveríamos nos referir à mecânica guiada pela forma ou guiada pelo sistema de forças, em vez de abordagem com arco contínuo ou arco segmentado. Esse é um conceito que ouvimos de C. Burstone há muitos anos.

No que concerne à mecânica guiada pela forma, acredito que atualmente existem muitos softwares e sistemas que podem, dentro dos limites inerentes a esse tipo de mecânica, prever satisfatoriamente os efeitos do aparelho, por exemplo, os desenvolvidos pelas empresas Suresmile®, Insigna™, Incognito™, WIN e Invisa-lign®. Todos levam a um “alinhamento” bastante satisfatório, que é aquilo que toda mecânica guiada pela for-ma pode atingir. Chamamos isso de alinhamento indiscriminado: significa que conseguimos a relação desejada entre os dentes em uma das arcadas, mas temos pouco ou nenhum controle sobre o posicionamento absoluto dos dentes no contexto das estruturas orofaciais, bem como sobre o caminho que cada dente seguirá, individualmente, para atingir o alinhamento.

Já quanto às mecânicas guiadas pelo sistema de forças, que são o meu campo de interesse, as coisas são muito diferentes. O problema aqui é conceitualmente muito simples: preciso me perguntar se conheço o sistema mecânico que produzi e se entendo a reação biológica a ele. Agora, conhecemos tridimensional-mente o sistema de forças que aplicamos a cada dente? Se você trabalha com arco contínuo, a resposta é absolutamente não; e não há a menor chance de termos, em breve, essa informação a nível clínico. Isso extingue qualquer esperança de prevermos com exatidão o movimento de cada dente. Acredito que a técnica do arco contínuo deve ser usada apenas para pequenas movimentações dentárias, pois, nesse caso, qualquer erro também será limitado.

As coisas ficam muito diferentes se usarmos apare-lhos cujos sistemas de força gerados conhecemos com certa precisão. Estou pensando principalmente na mecânica estaticamente determinada (i.e., cantilevers), mas esse conceito também se aplica, com menor precisão, a molas alfa/beta e alças retangulares ou em ‘T’. A questão aqui é: se conhecermos o sistema de forças aplicado, então poderemos prever a movimentação dentária com um bom nível de precisão. Hoje, muitos ortodontistas pensam que isso é apenas um ponto de vista acadêmico, mas, ao contrário, é o que faço clinicamente. Mas, para responder à sua pergunta: desenvolvemos um software que ajuda o clínico nessa tarefa. Na verdade, ele faz algo muito mais útil, pois não estou tão interessado em prever os efeitos de um aparelho específico; estou mais interessado em definir a mecânica que gerará o sistema de forças que resultará na movimentação que defini em meu plano de tratamento. Logo, o DMA (Dental Movement Analysis), que é parte do software T3D Occlusogram — que uso para fazer o setup virtual 3D —, é capaz de calcular o sistema de forças necessário para alcançar um objetivo específico. Planejo, então, minha mecânica individualizada de acordo com esse sistema de forças. O software trabalha com certo nível de aproximação, dependendo de possíveis erros na estimativa da posição do CRes e da anisotropia da ligação ortodôntica, que pode fazer que os tecidos reajam de forma diferente dependendo da direção da força. Entretanto, posso dizer, depois de muitos anos usando essa abordagem, que minhas capa-cidades clínicas para planejar a melhor mecânica para atingir um objetivo específico são muito boas.

– Confira a entrevista na íntegra aqui.

Giorgio Fiorelli estará em Ribeirão Preto (SP) nos dias 9 e 10 de novembro, durante o 1º Meeting Brasileiro de Biomecânica Ortodôntica. As inscrições podem ser feitas pelo link www.sbgcursos.com.br, pelo telefone (16) 3371-3344, ou pelo WhatsApp (16) 9 9188-0307.

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