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Fístula cutânea odontogênica: relato de caso

A fístula odontogênica é um canal que se originam de um sítio de inflamação dentária e que drena para as regiões orofacial e do pescoço. Uma das causas mais frequentes para a formação de fístulas odontogênicas é a presença de cáries ou de trauma dentário, com invasão bacteriana do tecido pulpar e posterior necrose pulpar.

Objetivo: relatar a história clínica de uma paciente atendida na Faculdade de Odontologia da UESB, apresentando uma fístula cutânea odontogênica.

Métodos: paciente de 47 anos de idade, apresentou-se ao serviço de endodontia da UESB queixando-se de uma fístula extrabucal, localizada na região esquerda da face. Depois de consultas a clínicos gerais, otorrinolaringologistas e oftalmologistas, a paciente procurou o atendimento odontológico. Ao exame radiográfico, constatou-se uma lesão cariosa no elemento 22, com presença de patologia periapical. O tratamento endodôntico foi proposto e realizado em única sessão.

Resultados: três dias depois, a fístula já havia regredido, restando apenas um cicatriz no local por causa da retração tecidual para o fechamento do orifício de abertura da lesão. Dois meses depois, o exame radiográfico apontou uma formação óssea na região apical do elemento dentário.

Conclusão: torna-se evidente a relevância do conhecimento dessa condição por cirurgiões-dentistas e médicos para a correta condução do diagnóstico e do tratamento da patologia.

Palavras-chave: Fístula cutânea. Diagnóstico. Endodontia.

Introdução

As fístulas odontogênicas são canais que se originam de um sítio de inflamação dentária e que drenam para as regiões orofaciais e do pescoço. Geralmente, são mal diagnosticadas e, em muitos casos, o tratamento não é adequado, sendo de suma importância o conhecimento de sua etiologia.

Uma das causas mais frequentes de formação de fístulas odontogênicas é a presença de cáries ou de trauma dentário, com a invasão bacteriana do tecido pulpar e posterior necrose pulpar. Essa inflamação, microbiologicamente induzida, pode penetrar o osso alveolar e se espalhar ao longo do caminho de menor resistência, provocando uma periodontite apical. O processo inflamatório pode atingir os tecidos moles circundantes e formar um caminho para a drenagem, formando a fístula.

O sítio de drenagem extrabucal depende do dente afetado, bem como de fatores específicos, tais como a virulência do microrganismo, resistência do corpo do paciente e da relação entre anatomia e anexos musculares faciais. Os elementos dentários mais associados a fístulas cutâneas são os terceiros molares inferiores, seguidos pelos terceiros molares superiores e caninos superiores. As áreas mais comumente atingidas são o queixo e região submentoniana; outras áreas incluem bochechas, dobra nasolabial e canto interno do olho.

O objetivo do presente trabalho é apresentar o relato de um caso de fístula cutânea odontogênica, mostrando a etiologia da doença, as dificuldades de se estabelecer um diagnóstico exato e as manobras corretas, que devem ser seguidas pelos profissionais da área da saúde para remissão do problema.

Descrição do caso clínico

Paciente do sexo feminino, 47 anos de idade, apresentou-se à Faculdade de Odontologia da UESB com uma fístula extrabucal na região esquerda da face, de tamanho aproximado de 5mm x 5mm, próxima à asa do nariz e posicionada sobre o sulco nasofacial, queixando-se de incômodo (Fig. 1A). Durante a anamnese, a paciente relatou que a fístula havia aparecido há quatro anos e que diversas tentativas de tratamento foram realizadas. A história médica relevou dois traumas faciais na mesma região da face, sendo um há 30 anos e outro há 10 anos, sem complicações dentárias aparentes.

A paciente relatou que, no ano de 2007, procurou um primeiro atendimento, com sintomas de dor de cabeça e uma coceira no dente, recebendo a sugestão médica de que fosse uma sinusite. Não satisfeita com o diagnóstico, uma segunda opinião médica foi dada por um otorrinolaringologista, o qual sugeriu que o canal lacrimal havia estourado, por causa da sinusite, e formado a fístula. O médico descartou ser um problema dermatológico e confirmou a necessidade de cirurgia do canal lacrimal.

Um mês após a consulta, a paciente desistiu da cirurgia e decidiu procurar por outros tratamentos. Para controle da drenagem de pus, ela fazia uso de corticoides e antibióticos. Nessa época, havia inchaço na parte esquerda do rosto e dos lábios, apresentando uma coloração arroxeada; todavia, a fístula sempre apresentou o mesmo tamanho. Relatou não sentir dor casual, apenas quando pressionava o local.

Cerca de quatro anos após a última consulta médica, a paciente procurou atendimento odontológico, relatando novamente uma coceira no dente. O dentista pediu uma radiografia panorâmica, diagnosticando, assim, uma fístula associada a um elemento dentário. No entanto, o profissional extraiu um dente que não fazia parte do contexto da fístula. Em seguida, a paciente buscou tratamento na UESB, para a possível solução de seu problema.

O exame radiográfico revelou lesão periapical associada ao elemento 22 (Fig. 1B). O exame periodontal revelou ausência de bolsas periodontais, não sendo possível constatar mobilidade do elemento. Foi proposta à paciente a realização de tratamento endodôntico do elemento 22, que foi realizado em sessão única (Fig. 1C). Três dias após o tratamento endodôntico, já era possível verificar a cicatrização da fístula e a ausência de secreção purulenta (Fig. 2A).

Na consulta de acompanhamento, 60 dias após o tratamento endodôntico, já não havia mais queixa de incômodo. Apenas uma pequena contração tecidual era notada na face, exclusivamente pelo fechamento da fístula (Fig. 2B). A radiografia de acompanhamento demonstrou área de reparação tecidual (Fig. 2C). Novas consultas de retorno serão realizadas semestralmente por um período de dois anos.

Discussão

Uma fístula cutânea pode se estabelecer de forma rápida, em algumas semanas, ou tão tarde como em 30 anos. Geralmente, elas são causadas por periodontite apical associada a cárie A periodontite apical, descrita como abscesso periapical crônico, é caracterizada pela drenagem lenta e gradual, por meio de uma fístula intra- ou extrabucal, e sem sintomatologia dolorosa.

Uma fístula extrabucal de origem dentária pode ser confundida com uma grande variedade de doenças, como infecções locais da pele, infecções fúngicas e bacterianas, pelos encravados, ducto da glândula sudorípara ocluído, traumatismos, osteomielite, neoplasias, carcinoma, tuberculose, actinomicose, sífilis terciária, cisto infectado, presença de corpos estranhos e granuloma piogênico. Atrasos no estabelecimento de um diagnóstico correto, por conta da variedade de situações apresentadas, podem levar os pacientes a receber tratamentos e cirurgias desnecessárias.

O exame intrabucal e odontológico é imprescindível para conhecer o diagnóstico. O examinador deve avaliar a presença de cárie, higiene bucal, restaurações ou definir a presença de doença periodontal, tendo em mente que o dente afetado pode ter a aparência normal. Um método eficaz para determinar se a fístula é de origem dentária é por meio da utilização do cone de guta-percha limpo, o qual, quando introduzido na abertura da lesão, percorre o trajeto da fístula até sua origem (geralmente dentes não vitais), descobrindo o causador do processo infeccioso e ajudando no diagnóstico final.

No presente relato, foi realizado teste de vitalidade pulpar, e a resposta foi negativa para frio. Esse método também ajudará o profissional a complementar suas informações para o diagnóstico. No entanto, deve-se levar em consideração os falsos positivos e os vários falsos negativos desses testes, associando a esse outros testes de diagnóstico.

As radiografias panorâmicas podem ser úteis na triagem inicial com suspeita de patologia dentária. Radiografias periapicais intrabucais, no entanto, são mais úteis para o diagnóstico específico, pois produzem maiores detalhes dos dentes e das estruturas associadas.

A extração cirúrgica é um dos tratamentos de escolha, desde que o dente afetado não tenha possibilidade de receber o tratamento endodôntico. Estudos apontam que, após a eliminação da fonte de infecção, seja com o tratamento do canal radicular ou por extração, o tempo de fechamento espontâneo da fístula deve ser de 7 a 14 dias. A Endodontia é a primeira opção clínica terapêutica indicada, sendo necessário o acompanhamento clínico e radiográfico após a obturação do canal radicular, por um período superior a dois anos, para avaliar o processo de cura completa. Alguns estudos comprovam as vantagens clínicas de se realizar o tratamento endodôntico em sessão única.

No caso relatado, optou-se por essa terapia devido ao estado de saúde favorável da paciente, à tecnologia empregada (como os localizadores apicais e instrumentos rotatórios), e à medicação com clorexidina, que foi usada como agente antisséptico para favorecer a descontaminação dos canais radiculares durante o preparo, sendo que sua eficácia nesse processo já consta em alguns estudos, os quais relatam que, independentemente do estágio patológico pulpar ou periapical, desde que os canais radiculares estivessem conicamente modelados, o paciente assintomático e com tempo disponível poderia realizar a obturação definitiva.

Vale ressaltar, ainda, que pelo tempo que a patologia já afetava a paciente, não era satisfatório retardar a conclusão do tratamento com trocas de mediação intracanal e de curativo, mantendo o dente com restauração provisória e, com isso, limitando sua função na cavidade bucal. No presente estudo, três dias após o tratamento endodôntico foi possível observar a regressão da fístula. Alguns estudos relatam a formação da cicatriz depois da cura e, ainda, apontam a necessidade de realização do tratamento cosmético da pele, por razões estéticas, especialmente quando a área de cura da fístula resultar em retração cutânea ou em ondulações.

Na consulta de retorno, 30 dias após a finalização do tratamento do canal radicular, a paciente do presente estudo apresentava apenas uma pequena cicatriz, devido à retração tecidual para o fechamento da fístula.

É muito importante a interação multidisciplinar para evitar que o paciente seja submetido a tratamentos, antibioticoterapia e procedimentos cirúrgicos desnecessários antes de realizar o tratamento endodôntico definitivo ou a extração cirúrgica. Mesmo não havendo denúncia de sintomas dentários, os profissionais de saúde devem sempre consultar os dentistas para afastar a origem dentária da fístula, ampliando a possibilidade de sucesso do tratamento.

Conclusão

De acordo com o presente relato de caso, pode-se concluir que:

• Realizar um diagnóstico correto, e o mais cedo possível, evita expor o paciente a cirurgias e a antibioticoterapias inadequadas e ineficazes.

• É imprescindível o exame clínico e radiográfico para determinar o envolvimento de dentes com a lesão.

• Deve-se considerar a possibilidade de origem dentária para fístulas de face e pescoço.

• O tratamento endodôntico é a terapia de escolha para a resolução desses tipos de casos.

• O acompanhamento dos pacientes é necessário até que haja a completa cura da patologia.

 » A paciente que aparece no presente artigo autorizou previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Endereço para correspondência:

Emmanuel João Nogueira Leal da Silva

Rua Herotides de Oliveira, 61 – Icaraí – Niterói/RJ

CEP: 24.230-230 – Email: nogueiraemmanuel@hotmail.com

 

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