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Fibroma ossificante periférico associado a defeito de furca Classe II em molar superior: relato de caso clínico

 

Resumo: Introdução: fibroma ossificante periférico (FOP) é uma reação hiperplásica que ocorre exclusivamente na gengiva e afeta frequentemente mulheres. Recorrência não é incomum e a presença de periodontite severa aumenta o risco de recidiva porque os sítios com envolvimento de furca ou defeitos ósseos podem dificultar a completa excisão da lesão. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de FOP associado a um defeito de furca Classe II em uma paciente com periodontite. Relato de caso: paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, com recorrência de lesão hiperplásica do tecido gengival, que havia sido excisada há 6 meses e diagnosticada como FOP. A lesão apresentava-se como uma massa nodular assintomática na maxila posterior, não-ulcerada, eritematosa, séssil, de consistência firme e endurecida. O exame clínico também mostrou presença de periodontite como manifestação de doença sistêmica. No local da lesão estava presente profundidade de sondagem de 9mm, sangramento à sondagem e defeito de furca Classe II. Ressecção cirúrgica e meticulosa raspagem e alisamento radicular foram realizadas, tomando-se cuidado de remover completamente a lesão. Não houve recidiva da lesão após um ano de acompanhamento, com melhora nos parâmetros clínicos de saúde, tais como redução na profundidade de sondagem para 3mm, ausência de sangramento à sondagem, ganho de inserção clínica e fechamento da furca. Conclusão: dentro dos limites deste relato de caso, pode-se concluir que a ocorrência concomitante do FOP a um envolvimento de furca, devido às características anatômicas desta região, representa um desafio para os clínicos e aumenta o risco de recorrência. Palavras-chave: Fibroma ossificante. Periodontite. Perda da inserção periodontal.

Abstract: Background: Peripheral ossifying fibroma (POF) is a hyperplastic inflammatory reaction that occurs exclusively on gingiva and affects women. Recurrence is not uncommon and the presence of severe periodontitis increases the recurrence risk because sites with furcation involvement or bone defects may complicate the total lesion removal. This paper aims to report a case of POF associated to a class II furcation in a patient with periodontitis. Case report: Female patient, 58 years old, with recurrence of gingival tissue growth, which had been excised 6 months earlier and diagnosed as POF. The lesion presented as an asymptomatic nodular mass in the posterior maxilla, non-ulcerated, erythematous, sessile, firm, and non-tender. Clinical examination also showed presence of periodontitis as a manifestation of systemic diseases. At the lesion site was present probing depth of 9mm, bleeding on probing and Class II furcation defect. Surgical resection and meticulous scaling and root planing were performed, taking care to completely exscind the lesion. There was no recurrence of the lesion one year later, with improvement in health clinical parameters, such as reduction in probing depth to 3mm, no bleeding on probe, clinical attachment level gain and furcation closure. Conclusion: Within the limits of this case report, it can be concluded that when POF occurs concurrently with a furcation involvement, because of its anatomical features, it represents a challenge for clinicians and increases the recurrence risk. Keywords: Ossifying fibroma. Periodontitis. Periodontal attachment loss.

 

Introdução

Fibroma ossificante periférico (FOP) é uma lesão hiperplásica não-neoplásica, que pode surgir nos tecidos gengivais como resultado de irritantes locais ou trauma, tais como placa, cálculo, restaurações dentárias insatisfatórias e aparelhos ortodônticos. Portanto, FOP é considerado uma reação inflamatória hiperplásica1,2,3 que provavelmente se origina do ligamento periodontal. Esta alteração representa até 2% de todas as lesões orais que são biopsiadas4. Entre as lesões reativas localizadas da gengiva, FOP representou 20,4%5.

FOP afeta predominantemente mulheres1,3,5 e pode ocorrer em qualquer faixa etária6, embora seja mais prevalente em adolescentes e adultos jovens, ocorrendo principalmente na segunda e terceira década de vida5,6. As lesões acometem exclusivamente gengiva, usualmente na papila interdental, na porção anterior da maxila1,2,5,7.

Clinicamente, FOP manifesta-se com uma massa focal bem demarcada, pediculada ou séssil, comumente assintomática, e medindo, frequentemente, menos de 2cm. As lesões podem apresentar uma coloração avermelhada, ou até mesmo uma cor semelhante à da gengiva normal, com a superfície muitas vezes ulcerada2,5,7. A grande maioria dessas lesões não está associada ao aspecto radiográfico de destruição óssea8, no entanto, a presença de uma lesão gengival hiperplásica certamente dificulta a higienização da região, levando a um acúmulo de biofilme e favorecendo o desenvolvimento de doença periodontal induzida por placa, como periodontite, a qual resulta em reabsorção óssea.

Quando FOP está presente em um paciente com doença periodontal severa, o procedimento para excisão da lesão pode se tornar difícil. Sítios com defeito de furca ou defeitos infra-ósseos podem ser um limitação para a remoção completa dos tecidos alterados, o que pode levar à recorrência da lesão. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de fibroma ossificante periférico ocorrendo simultaneamente com um defeito de furca classe II em uma paciente com periodontite como manifestação de doença sistêmica.

 

Relato de caso

Paciente do gênero feminino, 58 anos de idade, com história de hiperplasia do tecido gengival apresentou-se à clínica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas. O histórico médico mostrou a presença de diabetes mellitus tipo 2 controlada. A paciente também relatou uma lesão de crescimento lento, indolor, de aproximadamente 2 anos de evolução, que havia sido excisada, submetida a exame histopatológico e diagnosticada como FOP há seis meses. Apesar disso, a paciente exibiu recorrência da lesão três meses após a remoção cirúrgica. Clinicamente a lesão apresentava-se como uma massa nodular assintomática no palato, na região da papila interdental, entre o primeiro molar e segundo pré-molar superiores direito, não-ulcerada,séssil, 0,9cm X 0,6cm, de consistência endurecida e firme. A mucosa sobrejacente apresentava-se eritematosa (Fig. 1). O exame clínico também identificou a presença de periodontite como manifestação de doença sistêmica, com profundidade de sondagem de 9mm, sangramento à sondagem, e a presença de um defeito de furca classe II no sítio onde a lesão se desenvolveu (Fig. 2). O exame radiográfico revelou uma lesão radiolúcida sugestiva de reabsorção da crista óssea mesial ao primeiro molar (Fig. 3).

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A recorrência da lesão pode levar à indicação de exodontia do dente que está atuando como fator de retenção de placa, já que a lesão é caracterizada como reacional. No entanto, decidiu-se somente pela excisão da lesão, sem remoção dos dentes adjacentes. Sob anestesia local, a remoção cirúrgica da lesão foi realizada associada a meticulosa raspagem e alisamento radicular, tomando-se cuidado para que o tecido alterado fosse completamente removido, incluindo aquele confinado ao defeito de furca, onde também foi realizado debridamento (Fig. 4, 5). A lesão removida foi submetida à análise histopatológica, que revelou um tecido conjuntivo denso, bastante celular e fibroso, coberto por epitélio escamoso estratificado e contendo inúmeras áreas focais de calcificação (Fig. 6). O tecido conjuntivo foi infiltrado com células inflamatórias e mostrou a presença de alguns vasos sanguíneos dilatados (Fig. 7).

Após a cirurgia, o paciente relatou hipersensibilidade dentinária no primeiro molar, provavelmente devido extensiva raspagem e alisamento radicular realizados durante a cirurgia para garantir a remoção de toda lesão na área de furca. Durante um mês, o paciente recebeu terapia com flúor, a fim de reduzir a sensibilidade dentinária e recomendou-se o uso de gel de clorexidina 0,12% nos sítios envolvidos como coadjuvante para higiene local. Não houve recidiva da lesão após um ano de acompanhamento, apresentando-se ainda com melhora dos parâmetros clínicos de saúde periodontal (Tab. 1), tais como redução na profundidade de sondagem para 3mm, ausência de sangramento à sondagem, ganho de inserção clínica e fechamento de furca (Fig. 8). O exame radiográfico também revelou nova formação óssea (Fig. 9).

Discussão

Lesões reativas e doença periodontal podem ter fatores etiológicos comuns, tais como biofilme subgengival. Doença periodontal, muitas vezes coexiste com diabetes mellitus, como mostrado neste relato de caso. De acordo com Grossi e Genco9, a diabetes é um fator de risco para a doença periodontal severa. Além disso, diabetes mellitus está associado com uma alta prevalência das lesões da mucosa oral, especialmente líquen plano, estomatite aftosa recorrente, candidíase oral ou hiperplasia epitelial. Assim, FOP associada à doença periodontal pode não ser um achado clínico raro. Em tais casos, o controle do fator etiológico é tão importante quanto a remoção cirúrgica da lesão.

A maioria das lesões de FOP frequentemente apresentam menos de 2cm de tamanho2,5,7, conforme demonstrado no presente caso. No entanto, se a intervenção cirúrgica em um estágio inicial não for feita, a lesão pode apresentar tamanhos maiores, e em raros casos exibir até 6cm, como relatado por Bodner10. O crescimento exuberante da lesão pode causar extensa destruição do osso subjacente e significativas alterações funcionais ou estéticas10. No entanto, este potencial de crescimento e destruição óssea do FOP é raro na literatura. A grande maioria dos FOPs não está associada com imagem radiográfica sugestiva de destruição óssea8. Assim, neste caso relatado, a ocorrência de FOP com um curto período de evolução e de pequeno tamanho, associado com lesão radiolúcida que caracteriza a perda óssea horizontal e envolvimento de furca, sugere presença de doença periodontal anterior. De forma clara, FOP não tem nenhum efeito causal com periodontite, mas a presença de uma lesão hiperplásica gengival dificulta o controle de placa diário realizado pelo paciente, o que pode favorecer o desenvolvimento de alterações periodontais induzidas por placa.

Em uma série de 50 casos relatados por Eversole e Rovin1, a taxa de recorrência de FOP foi de 20%. Para minimizar esta tendência, é importante que seja realizada a excisão completa da lesão, incluindo o periósteo e o ligamento periodontal envolvido, além da remoção de irritantes locais como biofilme7. Recorrências repetidas não são incomuns, e, neste caso relatado, o risco de recorrência foi ainda maior porque a presença de periodontite, com consequente defeito ósseo horizontal e envolvimento de furca, aumenta a dificuldade para o acesso e excisão completa da lesão. Além disso, envolvimentos de furcas próximas têm difícil diagnóstico clínico e radiográfico11, porque a presença de dentes adjacentes, e neste caso, a presença de hiperplasia, impede o acesso à área. Há também a possibilidade de sobreposição de estruturas na imagem radiográfica. Assim, pode-se inferir que a primeira intervenção cirúrgica resultou em remoção incompleta da lesão e debridamento inadequado da área de furca. Como consequência, houve a persistência de sinais clínicos e radiográficos de doença periodontal e recorrência da lesão.

A fim de garantir que não haja posterior recorrência do FOP, a lesão foi excisada e meticulosa raspagem e alisamento radicular foram realizados, com especial atenção para a área de furca, de modo que a remoção completa da lesão e debridamento adequado da área fossem atingidos. O debridamento mecânico subgengival e o estabelecimento de um ambiente local compatível com saúde gengival são essenciais para prevenir a progressão da doença periodontal e perda dentária. Dentes multirradiculares com envolvimento de furca representam um desafio para o clínico devido às suas características anatômicas complexas e sua relativa inacessibilidade para ao controle de placa profissional e controle diário de placa, realizado pelo paciente. No entanto, debridamento adequado pode levar a uma sobrevida de 90% após 5 a 9 anos11. Em contrapartida, extensiva raspagem e alisamento radicular podem levar ao desenvolvimento de hipersensibilidade dentinária. No entanto, neste caso, a extensiva raspagem e alisamento radicular foram essenciais para excluir a possibilidade de recidiva da lesão e para garantir o controle do adequado controle de placa diário realizado pela paciente, essencial para a cicatrização periodontal e fechamento da furca. Apesar da hipersensibilidade dentinária relatada pelo paciente após o procedimento cirúrgico, esta foi bem controlada com a aplicação de flúor e controle da dieta ácida. Um ano após o procedimento, o sítio permaneceu estável e houve fechamento do defeito de furca Classe II. Até esse período não pôde ser observado recorrência da lesão.

Dentro dos limites deste relato de caso, pode-se concluir que, quando ocorre FOP simultaneamente a um envolvimento de furca, devido às suas características anatômicas, o defeito representa um desafio para os clínicos e aumenta o risco de recorrência da lesão. Dessa forma, meticulosa raspagem e alisamento radicular são essenciais para prevenir a recorrência da lesão.

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