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Falece Dr. Sebastião Interlandi

Dr. Sebastião Interlandi

É com pesar que comunicamos o falecimento, ocorrido na manhã de hoje, do Professor Emérito Dr. Sebastião Interlandi.

Titular do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, ele lecionou na FOUSP entre 1959 até 1989. Em 2001, foi agraciado com o Título de Professor Emérito.

Para homenagea-lo a Dental Press disponibiliza o artigo publicado na Edição V1N6 da Revista Clínica de Ortodontia da Dental Press no ano de 2002, naquele momento recebendo o título de Professor emérito da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo

Homenagem

A marca de um gigante Dr. Sebastião Interlandi recebe título de Professor emérito da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo

por Maria Fernanda Martins Ortiz *

“… Guardar a Coisa Amada é mostrá-la, dividi-la, publicá-la! É velar por ela. Estar acordado por ela! Foi isso que o Prof. Interlandi e seus primeiros companheiros fizeram com a Ortodontia… Por isso somos quem somos hoje…” Eram os meus pensamentos enquanto nos dirigíamos a São Paulo para assistir a solenidade em que o Prof. Dr Sebastião Interlandi, depois de dez anos aposentado, retornou à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo para receber a honraria de Prof. Emérito.

Que satisfação e orgulho assistir ao reconhecimento do Nosso Decano, do Pai Brasileiro do qual praticamente todos os Ortodontistas do país são direta ou indiretamente “descendentes”. Foi um grande dia para todas as gerações de Ortodontistas do Brasil! A coroação do nosso primeiro ícone autóctone, do nosso maior símbolo.

Ao escutar seus contemporâneos falando-lhe dos tempos em que começaram a ensinar a Ortodontia no Brasil, foi impossível não se emocionar com o espírito pioneiro e com o idealismo dos “primeiros tempos”, dos quais podemos nos lembrar e nos espelhar para o futuro. Se hoje a Ortodontia Brasileira é uma das melhores praticadas no mundo, não se pode deixar de mencionar a marca deixada por este “jovem” senhor, cujo exemplo de vida é pura poesia e arte, encantando com sua paixão pela Ortodontia os novos adeptos da especialidade que logo se disseminou por todo Brasil.

Agradecê-lo por seu desapego ao ensinarmos o que sabia, significa praticar a Ortodontia com a segurança de seguir seus passos firmes e bem delineados. Valorizar a nossa especialidade é subir nas costas de gigantes como este e contar a nossa história para os colegas e alunos que ainda estão por vir. Por isso hoje, brindamos com o Prof. Interlandi por este título que dignifica e orgulha a todos nós, Ortodontistas Brasileiros.

* Enviada especial da Revista Clínica Dental Press, Mestre em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB/ USP e doutoranda em Patologia Bucal pela mesma.

 

 

Discurso do Prof. Interlandi na sessão de outorga do título de Professor Emérito. São Paulo, 27 de novembro de 2002.

Sra. Diretora da Faculdade de Odontologia, Profa. Ester G. Birman. Ilustres personalidades representativas das autoridades presentes. Sr. Prof. Antônio Carlos Guedes Pinto, DD. Chefe do Depto. de Ortodontia e Odontopediatria: agradeço suas participações anteriores e atuais, neste evento. Sr. Prof. Júlio Wilson Vigorito, responsável pela disciplina e cursos de pós-graduação de Ortodontia; docentes e funcionários do departamento.

Colegas e alunos presentes: cedo-me agora, ao impulso de agradecer às inegáveis amizades que levaram suas entidades representativas, a me outorgar um título que se plantará em minha mente, induzindo-me a fazer florescer sempre em meu coração, o magnificente significado de tal deferência. Ao Prof. Décio Rodrigues Martins, da Faculdade de Odontologia de Bauru, estou grato pelo prazer de relembrar tantas armas ombreadas por nós ambos, em múltiplas ocasiões, constantemente ao encontro dos ideais de Ensino que tanto nos têm unido e entusiasmado.

Dr. Jairo Corrêa, Presidente da Sociedade Paulista de Ortodontia, sempre nos trazendo o estímulo de sua presença como amigo e dinâmico líder classista que é. Volto-me para a família, saudando minha mulher Profa. Solange, companheira de profissão e ensino, constante assessora-mor de minhas incursões intelectuais e didáticas. Abraço meus filhos Saulo, Júnior, André e meu neto Gerônimo, aqui presentes, atenuando em todos nós, a saudade de Silvio e Antônio, bem como de Vanda, minha irmã, e de minhas duas netas “Marias”, todos, geograficamente distantes neste momento. Além da presença de queridos parentes, quero também, lembrar as figuras saudosas de meus pais, Carmen Silva e Antônio Interlandi, sempre encostados em minh’alma, portanto, aqui ao meu lado, sentinelas constantes em meu barco, singrando a esteira infinita de nossos destinos comuns.

Não quero pautar-me nos limites de começo e fim, mas o sentido desta solenidade convida-me a um retrocesso no tempo, colhendo cenas do passado, que não serão espetaculares mas, certamente irão possibilitar reflexões pessoais, talvez desordenadas, obedientes a este cerimonial do qual não me devo afastar.

Primeiramente, volto-me à Rua Três Rios, sentindo reviver a sensação momentânea, de um efêmero desencontro vocacional, para depois, o despertar de um interesse, e depois ainda, a ânsia de aprender, sempre com o impulso precoce de ensinar. Desde então, a atividade profissional e as primeiras tintas do que deveria ser uma perene vocação. Pelas mãos didáticas do saudoso professor Arthur do Prado Dantas, fui levado à lida universitária e daí, ao confronto com os problemas do ensino, do entusiasmo de integrar Escolas de

Pensamento, da capacidade de penetrar raciocínios, enfim, da experiência diária que nos leva à complexidade do que vem a ser “ensinar”.

A 12a cadeira de Ortodontia e Odontopediatria, onde trabalhávamos, se inauguraria mais tarde, como departamento. E naquela Unidade consolidou-se a descoberta primordial de minha vida docente: o entusiasmo pela Odontologia, que se desenvolveu pela presença de alunos e mercê do insubstituível relacionamento com os colegas no compartilhar de mesmas trincheiras. Só então, me foi dado descobrir também a auréola dignificante que é a vida acadêmica. Só então, compreendi a extrema honra de pertencer a esta faculdade. Após ter voltado de minha estada de dois anos e meio na Universidade de Saint Louis, a noção exata do desempenho do professor na sociedade, condicionado, como deveria ser, às particularidades sociais e políticas do país, me foi imposta aqui nesta Casa de Ensino, na relação diária com alunos, colegas e pacientes. A reforma dos anos 70, foi uma oferta ao meu espírito, da chance de compreender melhor a finalidade do ensino pós-graduado.

Até então, as etapas de pós-graduação se organizavam sem diretrizes que pudessem caracterizar mestres e doutores que se formavam à custa do esforço e dedicação pessoal de professores, quase sempre, sem contar com organizações específicas nesta tarefa tão importante. Instituições oficiais, no entanto, desempenharam-se a contento, e a vida universitária odontológica no país, enriqueceu-se, desenvolvendo-se de forma a nos credenciar vantajosamente, perante os centros de ensino, no exterior. Tive a sorte de viver ambos os lados dessa experiência e, tendo sido um dos assessores da CAPES, em Brasília, pude sentir de perto, o crescente otimismo e realizações que vigoraram nessa época.

Entre os convidados Prof. Alberto Consolaro à esquerda e à direita o Dr. Décio Rodrigues Martins, que tomou parte na cerimônia discursando em homenagem ao “velho” amigo Dr. Interlandi.

Muito cedo, minha atividade, tanto profissional como docente, fixou-se com ênfase, na área da ortodontia, onde mais uma vez, tive a experiência de entender a natureza multiforme dos departamentos, em virtude de dois cursos de pós-graduação já funcionando. Uma das circunstâncias que me elucidaram quanto aos problemas desta magnífica disciplina, sem dúvida, foi minha eleição em Lima, no Peru, para presidir a primeira diretoria da Associação Latino Americana de Ortodontia, o que decorreu da participação de inesquecíveis episódios culturais e políticos, tendo sido para mim, uma inexcedível experiência. Recebi assim, o estímulo de caráter internacional, provindo de países latino-americanos, além de contar com a aproximação de inúmeros centros culturais. Ao aproximar-me deles, inaugurava também, um relacionamento profícuo com o Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, desta casa, ao torna-lo a primeira sede da presidência daquela associação internacional. A realização pela ALADO, de congressos e reuniões, mesmo em outros países, fez do departamento, para nosso orgulho, a Alma Mater da Ortodontia, na América Latina.

Esta ocorrência também denota a vocação natural da odontologia brasileira, para superar-se ante usuais deficiências, e destacar-se como um dos locais de elogiáveis cultura e prática odontológicas, propiciando um ambiente favorável para todos os interessados no progresso acadêmico e profissional. Estes dados, conseqüentemente, tendem a nos colocar hoje, nivelados com a posição de nosso país, quanto à produção científica mundial.

Segundo informações recentes provindas do Ministério da Educação, em 1981 o Brasil ocupava a 26a posição dentre todas as nações; em 1991, já o 22o lugar; no ano passado galgamos a 18a posição. Na América Latina, o segundo país é o México em 27o lugar com metade da produção brasileira. Menciono estes números para que possamos, conseqüentemente, beneficiar-nos de algum otimismo na conceituação de nosso evidente progresso, também odontológico.

Para continuar com algumas impressões eventuais que esta solenidade comporta, o Departamento me ensinou que todo professor, além das obrigações elementares de estudo, pesquisa e ensino, deve enveredar-se para a elaboração de textos com a finalidade de levar, não somente aos profissionais, mas principalmente aos alunos, a redação de assuntos disciplinares, mesmo já pesquisados, porém, com linearidade didática, tornando, especialmente em odontologia, de fácil assimilação, as deduções de ordem prática. Aprendi também, que as autoridades lingüistas deveriam ser consultadas com freqüência, a fim de se zelar pelas redações evitando-se a heterogeneidade comumente encontrada nas expressões científicas. Isto me leva à lembrança do ilustre mestre e amigo, Prof. Idel Beker, memorável escritor, inclusive nas áreas de medicina e odontologia, e historiador, além de poliglota, dicionarista e filósofo. Completo-lhe a homenagem, lembrando terem sido suas manifestações culturais, aplaudidas por escritores diversos do país e do exterior. A ele, devo preciosas orientações em textos e trabalhos originários não só de nosso Departamento, bem como de outros setores da faculdade.

Participaram da cerimônia, entre outros colegas e amigos, o Dr. Reinaldo Baracchini; o Dr. Antonio Carlos Guedes-Pinto, atual chefe da Disciplina de Ortodontia da FO-USP que recebeu em sua casa o novo Prof. Emérito; o Dr. Jairo Correa que proferiu emocionadas palavras ao homenageado; o Dr. Flávio Vellini Ferreira e o Dr. Décio Rodrigues Martins.

Outro evento que me proponho lembrar, reside na área de incentivos eventuais aos alunos de pós-graduação. Os denominados “Congressinhos” que inauguramos com as primeiras turmas, foram ocorrências de não se esquecer, quando todos os casos de clínica ortodôntica eram apresentados a um número sempre crescente de visitantes, o que se constituiu num dos pontos altos das atividades do curso de Pós-graduação em Ortodontia. A participação pessoal no sentido de orientar candidatos ao vestibular de Odontologia, por vezes, fez-me interferir perante alunos ainda indecisos na escolha da profissão. Como exemplo, lembro-me que tive, curiosamente, a oportunidade de esclarecer vestibulandas que se confundiam entre a escolha do “ballet” ou Odontologia, dizendo que esta última nada tinha de “arte”, o que deveria sobrar no “ballet”. Escrevi a respeito, apenas para justificar a integração da “arte” em Odontologia, destacando-lhes o seguinte trecho: “Ao estudar o desenvolvimento dos dentes, você irá encontrar formas microscópicas curiosíssimas e, sendo sensível, descobrirá nelas um elo comum que parece transcender da ciência para a arte. E ainda mais, uma criança, tendo os “dentes de leite” em número de 20, na realidade, tem a face toda, espacialmente preparada para 52 dentes em diversos estágios de desenvolvimento. Embora alojados na face, experimentam movimentação contínua, pois, algum dia irão nascer em lugares reservados na morfologia do adulto.

É claro que não haverá espaço para todos ao mesmo tempo. Daí, numa época importante da vida, do nascimento à adolescência, a migração dos dentes — numa face que também está crescendo e se modificando intensamente — é um dos exemplos mais impressionantes de equilíbrio que somente a natureza nos pode dar. Assistimos a um magnífico espetáculo de fluidez e harmonia de fenômenos biológicos em complementação, numa consonância de espaço e tempo, em ritmo quase musical, num mundo silencioso e dinâmico onde as trilhas genéticas fazem deslizar as hemácias incógnitas e vivificantes, a ofertar oxigênio a milhões de células responsáveis por um espetáculo com a mesma beleza e arte de um admirado “ballet””.

O trecho acima deve ter tido o mérito de, pelo menos, num restrito meio discente, lembrar que Odontologia não é somente ciência e técnica, mas também se impregna de arte em todos seus meandros. Seria incompleta a lembrança de minhas felizes experiências nesta casa, se fossem omitidas participações fora do âmbito didático e de pesquisa.

Deveria, se o tempo permitisse, lembrar os nomes de amigos aqui surgidos, o que me enriqueceu a circunstância de ter sido professor.

Os concursos a que me submeti tiveram sem dúvida, o mérito, também de retorno a uma forma de amadurecimento do aprendizado, principalmente nos contatos pessoais com ilustres examinadores desta e de outras Universidades.

A oportunidade das viagens ao exterior, que esta Escola me propiciou, ministrando ou assistindo a cursos, foi uma alavanca cultural a me permitir melhor conscientização de nossa realidade universitária.

A participação em diversas comissões, uma etapa obrigatória na vida de todo professor universitário, foram experiências magníficas que me despertaram para a ímpar realidade do trabalho em grupo, principalmente ao presidir a comissão de Pós-Graduação.

Minha presença no Conselho Universitário ampliou-me horizontes de informação, permitindo contatos nem sempre aparentes e possíveis nos limites da faculdade.

Em minhas atividades de professor, houve excertos talvez expressivos, outros, certamente contestáveis, porém, todos importantes porque pertencentes às fases de uma espontânea e crescente biografia particular. Vem-me à lembrança, uma das agradáveis e relaxantes reuniões ocorridas, sem demarcações de horários e locais. Discutíamos a respeito da aposentadoria que algum dia teríamos pela frente. Das opiniões, sempre de sabor inesperado e “piadístico”, uma delas me calou fundo ao ouvir que a aposentadoria, numa expressão galhofeira de um dos presentes, deveria ser nada mais que um “silêncio didático agonizante”. Na tentativa de uma nova conotação para o recém inaugurado e agressivo “silêncio”, argumentei que a aposentadoria poderia ser simplesmente entendida como um “silêncio em disponibilidade didática”. As diferentes opiniões a respeito, brotaram inflamadas denotando talvez, um despreparo de todos nós ante um assunto, na realidade, ainda desconhecido. Minha resposta, no entanto, veio “a posteriori”, matreiramente me afastando daquele prosaico significado, sob a forma de versos a explorar uma diferente visão do “silêncio”. Publiquei-os mais tarde, pretendendo agora, ler a título de epílogo. Com esta providência, penso atenuar poeticamente, os pruridos causados pelos lugares comuns que eu trouxe durante estes momentos saudosistas, principalmente em favor dos amigos já afeitos à atmosfera universitária.

Portanto, com sua permissão:
“Silêncio”
Antes que chegue o silêncio total,
Quero o silêncio de asas abertas
Arqueadas na brisa matutina!
Quero o silêncio de proas sonolentas
amparando espumas que vão ficar.
Quero o silêncio manchado de branco,
das velas pandas de barcos perdidos,
antes que chegue o silêncio total…
Quero o silêncio de currais vazios no fim da tarde.
Quero o silêncio de nuvens indecisas
sem cor e direção.
Quero o silêncio das palmeiras
perfiladas em alamedas de sonhos,
antes que chegue o silêncio total…
Quero o silêncio da neve nos ciprestes
que foram verdes.
Quero o silêncio do pôr do sol
nos planetas distantes.
Quero o silêncio da espera
em portos abandonados,
antes que chegue o silêncio total…
Quero o silêncio dos sorrisos,
do choro que emudeceu,
da revolta,
do perdão,
dos sinos de velhas torres,
dos gestos,
das mãos,
antes que chegue o silêncio total…
Obrigado.

 

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