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Experiências que transformam: Daniela Garib na Floresta Amazônica

Professora Daniela Garib viajou para a Floresta Amazônica e relata um pouco da experiência que teve. Conheça a maior floresta do mundo pelos olhos da Drª. Garib

Floresta Amazônica

Nunca, talvez, alguém definisse tão bem o que é viajar, como Mario Quintana, através do epílogo “Viajar é trocar a roupa da alma”. As experiências que extrapolam o corriqueiro, comum ao cotidiano, são ferramentas que somente as viagens podem trazer a um indivíduo. Quem leu as Aventuras de Tintim – do célebre quadrinista belga Georges Prosper Remi, o Hergè -, e não se imaginou a desvendar os mistérios do mundo, em diferentes paisagens? Quem leu “Volta ao mundo em 80 dias” – um dos maiores romances da história da literatura, escrito pelo francês Júlio Verne -, e não se imaginou com Mr. Phileas Fogg e Jean Passepartout, em uma aventura errante a fim de quebrar a rotina meticulosamente a eles imposta?

Para tanto, não é necessário ir muito longe: sair de Londres, ou da Bélgica, e se enroscar pelos inoportunos do destino. Viajar é uma questão de simplesmente “estar”. Tragar cada informação, ou experiência, e fazer com que ela perpetue na própria consciência, mesmo que as arestas do tempo teimem em apagar os vértices da memória. Viajar é celebrar a vida em novas paisagens e combater os anseios que trazem os medos do desconhecido. É se libertar. É se permitir.

A professora Daniela Garib fez, com a família, um passeio pela Floresta Amazônica. Entre os nasceres e poentes do sol, entre as águas dos rios Negro e Solimões, e as aldeias indígenas com toda a elegância de uma vida simples, ela registrou em imagens e texto a experiência que teve na maior floresta do mundo. Você confere, abaixo, um pouco do que viveu a Drª  Garib e seus familiares em um “Diário de Bordo”. De fato, a Floresta Amazônica – para além de Hergè ou Vernes – é uma experiência que transforma.

Floresta Amazônica 1.

Tão pouco sobre a Amazônia escutei durante minha vida. Tirando os cadernos de geografia e os programas do Fantástico que assistia na infância com a minha família no Domingo à noite, não sabia muito sobre nossa exuberante floresta. Talvez porque poucos amigos já a visitaram. Talvez porque não haja um incentivo turístico para aquele lugar mágico (o que nos parece um sacrilégio). O fato é que o nosso interesse pelo Amazonas apenas foi despertado por amigos e ex-alunos nativos de Manaus. Celso, Fernando, Savana e Núria nos despertaram o desejo de conhecer os mistérios de nossa selva. E chegou a hora de desafiar os medos, os mitos e conceitos pré-concebidos para nos deliciarmos com os encantos de nosso país. Moisés nos pegou no Hotel em Manaus, no meio da tarde, com uma caminhonete. A partir dali não nos preocupamos com mais nada – sabíamos pouco sobre o que vinha pela frente. Moisés noticiou que o primeiro passeio da expedição seria o encontro dos rios Negro e Solimões. Quando a lancha parou sobre o limite entre as águas escuras e barrentas do maior rio do mundo, o rio Amazonas, você é tomado por uma certa excitação. É incrível não haver uma transição, uma mistura. Rio Negro e Solimões são individualizados na cor, temperatura, velocidade. Laurinha lembrou da escola – já tinha aprendido sobre o encontro das águas. Que bom prover uma aula prática desse calibre às meninas

Floresta Amazônica 2.

Pertinho do encontro das águas visitamos um local de criação do peixe Pirarucu. Uma estação flutuante com 3 tanques repletos de peixes. Joaquim, o encantador de Pirarucu que não tinha mais que 18 anos, brincou com eles aproximando seu boné da água. Eles responderam imediatamente e levamos um susto! Aceitamos o desafio de brincar de pescá-los! Os peixes puxaram a isca com uma força que deu medo. De toda a família Helena é que conseguiu erguer o peixão mais alto! Me diverti observando-os enfileirados na borda do tanque – todos aguardavam um peixe que não foi arremessado. Nos despedimos de Joaquim para apreciar, da lancha em movimento, o pôr-do-sol mais glamoroso desse Brasil. Chegamos à nossa pousada à noite. Moisés estacionou a caminhonete na beira do rio e logo avistamos uma pequenina canoa que veio nos buscar. O piloteiro e seu pequeno filho nos ajudaram a embarcar. Depois o homem logo disse: – Deixa eu assumir o comando porque aqui tem muitos jacarés. Fomos no meio da selva, no escuro, sem foco e sem luz. O piloteiro fez uma curva e falou alto: – Vamos passar agora numa forte correnteza, cuidado! Não entendemos como nos cuidar, talvez rezar. E não sabíamos se ele falava brincando ou sério. Mas depois descobrimos que falava sério – com uma pitada de exagero para impressionar o turista. A aventura estava apenas começando!

Floresta Amazônica 3.

Chegamos à pousada e fomos recebidos com suco de Cupuaçu e um jantar caseiro. Manoel, nosso guia, veio ao nosso encontro, com aquela simplicidade Amazonense e marcou o passeio do nascer do sol no dia seguinte. Nosso quarto parecia uma cabana da animação do Zé Colméia – todo de madeira, sobre palafitas na beira do rio. O despertador tocou 5 da manhã. Caminhamos até a canoa no escuro. Tomamos os primeiros bancos da canoa cumprida e verde. Nessa viagem pudemos sentir a paz, uma confiança repentina. O céu era lindo – tinha muito mais estrelas do que no quintal de minha casa. A silhueta negra da mata, os barulhos da selva. Manoel parou a canoa num lago. Num silêncio poético da mata despertando, uma pincelada de laranja tingiu o negro do rio. Vimos o sol nascer primeiro no rio, depois no céu. O amanhecer chamou a revoada de pássaros nativos e pela primeira vez enxergamos a mata na luz do dia. A alma já estava alimentada e retornamos 7h para o café da manhã.

Floresta Amazônica 4.

No quintal da pousada tem 2 jacarés. O Eugênio e o Eugênio Junior que não tem nada de diminutivo. Moisés pegou dois peixes gigantes sem a carne para alimentá-los. As crianças assistiam estáticas o almoço dos jacarés. Era esse o aviso do hotel: não tomem banho no rio – o advertising mais efetivo que vi em toda a minha vida. Agora apelidamos nossa cachorrinha de Eugênia. Ela tem o mesmo apetite dos jacarés e é rápida para degustar pequenos quitutes humanos! O próximo passeio sairia às nove da manhã para uma trilha na selva a fim de conhecer a vegetação nativa. Fomos com um grupo grande e animado e as meninas se entrosaram com as outras crianças do grupo. Assim que descemos da canoa na margem com uma floresta mais fechada, Manoel nos falou: – Cuidado pois há perigo na trilha. Há riscos de cobras, escorpiões, formigas e aranhas. Não coloquem as mãos nas árvores! Soou como brincadeira, a princípio, mas imediatamente nos lembramos que ali não era a Disney e Manoel era nativo da região. Caminhamos atentos e receosos. Manoel nos mostrou a palha branca, o coquinho com larvas sabor de coco (duas crianças da expedição tiveram a coragem de experimentá-las!), o formigueiro, os igarapés… Vencemos esse primeiro desafio sem nenhuma picada. Chegamos de volta à canoa vitoriosos!

Floresta Amazônica 5.

Depois do almoço, o passeio era conhecer a casa dos ribeirinhos. Fomos recebidos pelo caboclo e seus dois netos. Nos mostraram todo o processo da produção da farinha de mandioca, aquela amarelinha que só tem no Norte e é muito crocante. Os instrumentos do Caboclo me lembraram os protótipos de alavanca de Leonardo da Vinci, que vimos no seu museu em Roma. O caboclo preparou quatro grandes tapiocas no mesmo forno em que fazia farinha. Misturou castanhas do Pará picadas à tapioca e as assou. Ficamos meio ressabiados em experimentar, preocupados com a limpeza, coisa de paulista… Quando mordemos a tapioca, nós quatro fomos unânimes: a melhor tapioca de nossas vidas. Crocante e saborosa. Estamos certos que nunca mais comeremos outra igual. O Ribeirinho respondeu todas as perguntas das crianças. Já tinha perdido quatro cachorros devorados pelos jacarés na margem do rio. E o curupira? Descobrimos que o Curupira não é folclore. É crença verdadeira dos nativos. O curupira pode ajudar a caça ou ameaçar o caçador, dependendo se é respeitado ou desrespeitado pelo homem. As crianças nem piscavam quando o caboclo contou da Sucuri que fez seu braço e sua boca adormecerem numa pré-hipnose. Voltamos para a canoa todos fãs do caboclo e de seus lindos netos que viajavam uma hora de barco para chegar à escola do vilarejo, todos os dias. Qual seria o destino daqueles lindos meninos? A simplicidade da vida na mata talvez fosse a maior felicidade que almejamos na vida encontrar. A volta reflexiva nos presenteou com o pôr-do-sol da floresta. Do nascer ao pôr-do-sol, nosso primeiro dia na pousada ainda não tinha chegado ao fim.

Floresta Amazônica 6.

Estamos voando de Manaus para Guarulhos enquanto escrevo essas memórias. Levantei um pouco e vi que quase todos os passageiros do avião estão dormindo. Prefiro escrever a dormir. Mas se esse relato estiver te cansando, por favor, não continue lendo. Eu continuarei escrevendo para reter boas memórias e compartilhar divinas experiências. Entenderei se tiver que parar de ler por aqui – antes da aventura da caça noturna aos jacarés! A expedição de focagem de jacarés partiu às 18:30h ao cair da noite. Eu estava com medo. Mas quando uma mãe deseja mostrar o mundo a seus filhos – não há frio na barriga que a segure. Entramos na canoa de calças e manga comprida. Manoel foi na frente da canoa, logo depois um casal de franceses, a nossa família e atrás de tudo um pai e filho paulistanos. Moisés foi mais atrás operando o motor. Manoel carregava um holofote de luz e uma vara de fisgar jacarés. Nos explicou que a luz forte paralisaria o jacaré que se tornaria presa fácil para captura. Tínhamos que fazer absoluto silêncio para não espantá-los. E esse silêncio era a melhor parte desse passeio cheio de suspense. Nosso barquinho saiu mata adentro. O farolete do Manoel ajudava a identificar os jacarés pelo brilho dos olhos. Foi incrível ver dois pares de olhos brilhando perto das vitória-régias, sob o céu estrelado e no silêncio absoluto da mata. O barco se aproximava vagarosamente com o motor já desligado. Nós nos encolhíamos. Manoel, como um jungle man, levantava o corpo e sua mão esquerda dava um bote na água, numa coragem insana. Três tentativas frustradas e eu já estava conformada de voltar à pousada sem a visita do jacaré dentro da nossa canoa. Mas o jungle man não desistia fácil e caçou dois jacarés em seguida, para mostrar às crianças. Helena foi a única corajosa de nossa família que pegou o jacaré no colo. Os Franceses não quiserem saber de carregar jacaré. E começou a aula de biologia, in natura! Examinamos a boca do jacaré, o rabo, descobrimos o sexo e depois o devolvemos à água para vê-lo nadando. De volta à pousada, todos de acordo: a focagem de jacarés foi o melhor filme de suspense, e em 3D (e interativo), de nossas vidas!

Floresta Amazônica 7.

Em nossa segunda noite na pousada, dormimos 10 horas seguidas. Acordamos para visitar uma aldeia indígena. Todo Ortodontista é um pouco antropólogo. Estava vibrando com a oportunidade de visitar verdadeiros nativos da Amazônia. Me lembrei muito de meu amigo David Normando durante a manhã. David, em sua primorosidade científica, fez sua tese de doutorado em indígenas da Amazônia, demonstrando a preponderância da genética sobre o ambiente na arquitetura das más oclusões dentárias. Pois navegando no meio dos igapós, chegamos a um lago cheio de paz. Quando nos aproximamos da margem, as crianças indígenas começaram a tocar um instrumento de música para avisar a tribo de nossa chegada. Fomos recebidos pelo pajé que nos levou no seu “consultório” e nos mostrou como o índio usa ervas, o fogo e raspas de ossos de alguns animais para a cura. As meninas casam-se cedo e começam a ter filhos logo que amadurecem os úteros, mas não o comportamento. Então as grávidas sobem em árvores e nadam nos rios, como crianças, sem enxergar perigo em nada. Ao nascer, o bebê indígena recebe três toques de uma pedra no crânio para que desenvolva bom temperamento, trazendo alegria à tribo. O pajé nos mostrou a luva de formigas que usam os homens no ritual de passagem da infância para a idade adulta. Uma picada daquela formiga pode doer até 24h. A luva de palha, recebe 62 formigas para o ritual. Se eu tivesse nascido indígena, agradeceria todas as manhãs por ser mulher. Visitamos a pequena escola, sem paredes, da tribo. E recebemos um show de canto e percussão das crianças. Brilho, a indiazinha de 10 anos e cheia de luz, nos tirou para dançar. Primeiro Helena, depois mamãe e papai e por último a Laurinha. Foi uma honra dançar com Brilho. Por fim conhecemos a arte dos índios. Algumas mães artesãs traziam seus filhos, pequenos ou grandes, pendurados ao peito, sem pudor pela presença do grupo de visitantes. Mais natural, impossível! Trouxe alguns colares feitos por essas mães. Vou usá-los com imenso orgulho para assinalar a nossa brasilidade encantadora, aqui e ali.

Floresta Amazônica 8.

Chegou na pousada uma família de Holandeses. Lindos e loiros. Uma filha e dois filhos, adolescentes. Saíram da Holanda para conhecer as belezas da Amazônia. Com eles fomos nadar com os botos cor-de-rosa. No caminho, rio adentro, Manoel encerrou o motor da canoa e foi encostando em uma árvore grandiosa. Dezenas de macaquinhos vieram em busca de alimento. E rimos muito com a rapidez e sagacidade dos bichinhos. Helena, novamente, foi a mais corajosa de nossa família recebendo os macacos nos braços. Lembrei de minha melhor amiga do 2. Ano fundamental. Gisele veio do Amazonas para morar em Bauru com a avó, tinha olhos verdes e lábios grandes, e seu animal de estimação era um macaquinho, o que revelava que ela era nativa da Amazônia. Ela voltou para o Amazonas e nunca mais a encontrei. Mas as lembranças do seu macaquinho brincando de cipó nos cordões da cortina nova da sala de mamãe, não esquecerei jamais. Meu pai gargalhava com a cena inusitada do visitante Amazonas com comportamento selvagem numa sala de visitas Bauruense. Gisele se despedia de meus pais com o macaco agarrado às suas costas como se fosse uma mochila e subia a rua de casa com naturalidade. Não lembro seu sobrenome para procurá-la nas redes sociais. Gisele, onde estaria você hoje? Manoel nos mostrou uma Sanaúna de 200 anos, depois adentrou no lado dos patos e vimos a maior revoada de patos selvagens de nossas vidas. A mãe holandesa apontou ao longe o boto que já guiava o nosso barco, mergulhando na superfície. Que espetáculo da natureza. Ao chegar na estação de madeira, no meio do rio, fomos recebidos por dois botos cor-de-rosa. Os índios tinham nos explicado que os botos têm alma. E quase foram extintos pois eram usados como isca para um peixe da Amazônia consumido no exterior. Agora eles estavam ali na nossa frente. Depois disso é só entrar na água e sentir sua pele, admirar sua beleza e nadar no rio aberto. O dia estava completo.

Floresta Amazônica 9.

Na noite após o incrível passeio com os botos, a mãe Holandesa veio até nós para compartilhar as fotos que tirou em seu celular de nossa família, de dentro do Rio, via airdrop. Ela estava maravilhada com a beleza do Amazonas e manifestamos nossa alegria pelo fato de estarem gostando de nossa país (amado e sofrido). Com um brilho nos olhos, ela nos disse: “Nós gostamos muito do Brasil e sabe por que? Porque aqui não vemos preconceito. Todo mundo se mistura, todas as etnias se juntam em todos os cantos do país.” Mal sabia ela que eu já estava fazendo planos de misturar, no futuro, o sangue Italiano, Libanês e Espanhol da minha filha mais velha com o sangue germânico de seu filho mais velho, de uma beleza, simplicidade e alto astral magnetizantes (Brincadeirinha! Muito cedo para pensar nisso ainda!). E continuou: “Na Holanda, dizem que não somos preconceituosos, mas somos sim, pois não misturamos. Vocês já se deram conta de como vocês não hesitam em misturar-se?” Como ortodontistas, sabemos que isso é verdade. A pousada era uma amostra, com sua staff toda mestiça. Até na tribo indígena, percebemos que a textura dos cabelos e a cor da pele era bastante variável entre um nativo e outro. Tarsila do Amaral pareceu nos escutar quando pintou a tela “Os Operários”.

Floresta Amazônica 10 – FINAL.

Amanhecemos no último dia prontos para experimentar a pesca de piranhas. Manoel atravessou o igapó e estacionou o barco sob as árvores. Nos orientou e arremessarmos nossos anzóis. A Laurinha sentiu a primeira fisgada e não quis mais saber da vara. Pegamos piranhas vermelhas e amarelas. Manoel pegou uma folha e colocou dentro da boca da piranha – parecia um picotador de ingressos. Nhoc nhoc nhoc. Eu pescava, mas sem muita proximidade com o peixe capturado. Laurinha implorava para devolvê-las ao rio – era a protetora dos animais. Helena alimentava nossos anzóis com coração de boi e não tinha medo de aproximar, do próprio corpo, a piranha ainda pendurada no fio de nylon. Pescar piranhas foi nosso último passeio na selva. Elegemos a Helena a Jungle Girl – seus olhos brilharam de alegria e encanto em cada canto da Amazônia. Quanto ao melhor passeio, não conseguimos ranquear. Foram todos genuinamente especiais. Torcemos para que muitos brasileiros venham visitar a Amazônia. Não sei o quanto ela durará. A mãe Holandesa me perguntou se o Brasil estava cuidando bem da floresta. A verdade é que escutamos serras elétricas no dia em que fizemos a trilha caminhando pela selva. Os índios nos contaram que eles tiveram que migrar de suas moradas nativas porque as empresas de exploração de minério implodiam a terra e espantavam os animais. Os índios passaram a caminhar 15 dias em vez de 5 dias para caçar seu sustento. E resolveram migrar. A Amazônia não pode ser ameaçada. Ela não tem preço porque é sagrada. Ela tem vida. E que seja infinita.

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