Um estudo conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP trouxe novos avanços no combate aos distúrbios respiratórios do sono. A pesquisa, realizada em parceria com instituições dos Estados Unidos e publicada no prestigiado Journal of Clinical Investigation, revelou que um medicamento já utilizado para tratar formas raras de obesidade também melhora significativamente a respiração durante o sono em animais. A informação foi divulgada e publicada no Jornal da USP.
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O fármaco em questão é a setmelanotida, aprovada pela FDA (agência reguladora dos Estados Unidos) para o tratamento da obesidade monogênica — uma forma genética e rara da doença. Conforme o estudo, além de reduzir o peso corporal, a substância também demonstrou efeitos positivos sobre a ventilação noturna, podendo se tornar uma alternativa promissora para pessoas que sofrem de apneia obstrutiva do sono e síndrome da hipoventilação por obesidade — condições associadas a sérios prejuízos à qualidade de vida e aumento do risco de doenças cardiovasculares e metabólicas.
Atualmente, o principal tratamento para distúrbios respiratórios do sono é o uso do aparelho CPAP (sigla em inglês para Continuous Positive Airway Pressure ou Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas). No entanto, cerca de metade dos pacientes desiste do uso por desconforto, o que aumenta a busca por abordagens menos invasivas e mais eficazes.
“Nosso objetivo é ampliar as opções terapêuticas, principalmente para os pacientes que não conseguem se adaptar ao CPAP”, afirma o professor Mateus Ramos Amorim, do Departamento de Fisiologia da FMRP, um dos coordenadores do estudo.
A equipe de pesquisadores identificou que a setmelanotida age diretamente no sistema nervoso central, estimulando neurônios no chamado núcleo retrotrapezoide (RTN), localizado no tronco encefálico — região do cérebro essencial para o controle da respiração. Essa estrutura é responsável por detectar os níveis de gás carbônico (CO₂) no sangue e ajustar o ritmo respiratório conforme necessário.
Nos experimentos realizados com camundongos obesos, a ativação dos neurônios MC4R+ — que expressam o gene MC4R, envolvido na regulação do apetite e do gasto energético — aumentou a ventilação pulmonar, reduziu os episódios de apneia e melhorou os níveis de oxigenação, mesmo sem que os animais perdessem peso.
“Isso sugere que o efeito benéfico da droga ocorre diretamente sobre os circuitos cerebrais que controlam a respiração, e não apenas por causa do emagrecimento”, explica Amorim. A observação foi confirmada com um grupo controle de animais submetidos apenas à restrição alimentar, que perdeu peso, mas não apresentou as mesmas melhorias respiratórias.
A pesquisa também revelou que a resposta ao medicamento varia de acordo com o sexo dos animais. Nos machos, a droga aumentou a sensibilidade à hipercapnia — condição caracterizada pelo excesso de CO₂ no sangue — e reduziu os episódios de apneia. Já nas fêmeas obesas, embora a ventilação também tenha aumentado, o efeito foi atribuído principalmente ao aumento do metabolismo, e não à resposta direta ao CO₂.
“Fêmeas obesas geralmente mantêm uma função respiratória mais preservada, o que pode indicar um efeito teto. Isso pode explicar por que o ganho adicional com o uso da setmelanotida foi menor nesse grupo”, observa Amorim. A descoberta reforça a importância de se considerar o sexo biológico como uma variável crucial no desenvolvimento de terapias personalizadas.
Apesar dos resultados promissores, os testes foram realizados apenas em modelos animais. Para que a setmelanotida possa ser considerada uma opção viável no tratamento de distúrbios respiratórios em humanos, será necessário seguir uma série de etapas de validação científica.
Entre os próximos desafios estão o aprofundamento na compreensão dos mecanismos da droga em diferentes circuitos neuronais, testes prolongados em animais e, por fim, a realização de ensaios clínicos em humanos. Esses estudos deverão avaliar a dosagem ideal, os possíveis efeitos colaterais e a eficácia do tratamento em populações com diferentes perfis.
“Melhorar a respiração de pessoas com apneia ou hipoventilação pode gerar um impacto significativo na saúde pública, aumentando a qualidade de vida e a expectativa de vida desses pacientes, além de reduzir custos com internações e complicações associadas”, conclui Amorim.
Recrutamento
Além de dar continuidade aos estudos com a setmelanotida, o grupo liderado por Amorim está expandindo a pesquisa para outras condições clínicas relacionadas à respiração, como a depressão respiratória induzida por opioides e síndromes genéticas de hipoventilação. O laboratório está com vagas abertas para estudantes de graduação e pós-graduação interessados em integrar a equipe e aprofundar o conhecimento sobre as bases neurobiológicas da respiração.