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Estudo comparativo in vitro entre compósitos foto e autopolimerizáveis quanto à resistência ao cisalhamento da colagem e do índice de adesivo remanescente

Objetivo: avaliar in vitro a resistência ao cisalhamento de compósitos autopolimerizáveis (Concise e Alpha Plast) e fotopolimerizáveis (Transbond XTe Natural Ortho) utilizados na colagem de braquetes metálicos da marca Morelli, analisando o índice de adesivo remanescente (ARI) e da integridade da superfície do esmalte por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV).

Métodos: foram utilizados 40 pré-molares humanos extraídos. As raízes dos dentes foram incluídas em gesso-pedra especial, no interior de tubos de PVC usados para a confecção dos corpos de prova. Esses corpos de prova foram divididos em quatro grupos: grupo G1, braquetes associados ao compósito Concise; grupo G2, braquetes associados ao compósito Alpha Plast; grupo G3, braquetes associados ao compósito Transbond XT; e grupo G4, braquetes associados ao compósito Natural Ortho. Os grupos foram submetidos ao teste de cisalhamento em máquina universal de ensaios, a uma velocidade de 0,5mm por minuto.

Resultados: houve diferença estatística entre os grupos G3 e G4, sendo os valores de G4 superiores; no entanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos G1, G2 e G3 e G1, G2 e G4. Na análise do ARI não foram encontradas diferenças estatísticas entre os grupos, predominando escores baixos. De acordo com a análise da MEV, constatou-se o rompimento dos compósitos e a integridade do esmalte entre os grupos.

Conclusão: a resistência ao cisalhamento foi satisfatória e semelhante entre os compósitos utilizados, sendo que a resina Natural Ortho apresentou-se superior à Transbond XT.

Palavras-chave: Resinas compostas. Resistência ao cisalhamento. Microscopia eletrônica de varredura.

 

 

INTRODUÇÃO

A partir da década de 70, a Ortodontia apresentou grandes avanços na área de materiais utilizados para fixação de acessórios ortodônticos aos dentes19. Vários materiais de colagem têm sido utilizados, destacando-se entre eles os compósitos que possuem boa resistência, dureza e estabilidade dimensional8.

Algumas das vantagens de se utilizar resina fotopolimerizável em procedimentos ortodônticos são o risco de contaminação reduzido e a melhor precisão no posicionamento do braquete, se comparadas às da utilização da resina autopolimerizável. No entanto, a resina autopolimerizável otimiza o tempo clínico por não requerer a ação fotopolimerizadora21.

Não é fácil quantificar a força de adesão ideal para a colagem de acessórios ortodônticos. Sabe-se que não deve ser extremamente baixa e nem muito alta, para que a descolagem não cause fraturas à superfície do esmalte5. De acordo com Bishara et al.2, para se obter um bom resultado no tratamento ortodôntico, é importante que após a remoção dos braquetes ortodônticos a integridade do esmalte esteja preservada. Para Grandhi et al.9, o ideal seria minimizar a perda de esmalte dentário nos estágios de colagem, de descolagem e de remoção do compósito residual, mantendo a superfície dentária com o grau de rugosidade original do dente.

A avaliação da superfície do esmalte após a descolagem de acessórios ortodônticos pode ser realizada por meio do índice de remanescente adesivo (ARI), preconizado por Årtun e Bergland¹. Entretanto, com o intuito de se ratificar os prejuízos causados ao esmalte por forças de resistência do braquete, a análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV) pode ser utilizada3,22.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Para esse experimento foram utilizados 40 pré-molares superiores humanos hígidos, livres de trincas e fraturas e recém-extraídos por motivos ortodônticos. Após as exodontias, os dentes foram lavados, imersos e conservados em recipientes plásticos contendo soro fisiológico a 0,9%, mantidos em temperatura ambiente. A utilização dos dentes seguiu as normas do Ministério da Saúde, conforme a resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde, de 10/10/96, e foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Pará – parecer n° 030/2008. Para a confecção dos corpos de prova, as raízes dos dentes foram incluídas em tubos de PVC (Tigre) com 25mm de diâmetro e de altura, preenchidos com gesso-pedra especial (Durone, Dentsply)16. No momento da inserção dos dentes, as faces vestibulares foram posicionadas perpendicularmente ao solo, utilizando como auxílio um esquadro justaposto à superfície da colagem, e os excessos foram removidos com espátula Lecron (Duflex). Os corpos de prova foram armazenados novamente em solução fisiológica de cloreto de sódio a 0,9%18.

O objetivo do presente artigo foi avaliar de maneira laboratorial a resistência ao cisalhamento da união do braquete ao dente no tempo pós-fixação de 24 horas, utilizando comparativamente quatro resinas, sendo duas lançadas no mercado nacional (Alpha Plast, autopolimerizável; e Natural Ortho, fotopolimerizável — ambas da marca DFL), e duas resinas tradicionalmente aceitas como eficientes (Concise Ortodôntico, autopolimerizável; e Transbond XT, fotopolimerizável — ambas da marca 3M/ESPE), utilizando-se o braquete comercializado no Brasil da marca Morelli, prescrição Roth. Posteriormente à descolagem do braquete, foi realizada a avaliação do índice de remanescente adesivo (ARI) e a análise da superfície do esmalte por meio de MEV.

Os corpos de prova foram divididos aleatoriamente em quatro grupos de 10 espécimes cada. No primeiro grupo (G1), utilizou-se o braquete Morelli com o compósito Concise Ortodôntico (autopolimerizável); no segundo grupo (G2), utilizou-se o braquete Morelli associado ao compósito Alpha Plast (autopolimerizável); no terceiro grupo (G3), utilizou-se o braquete Morelli associado ao compósito Transbond XT (fotopolimerizável); e no quarto grupo (G4), utilizou-se o braquete Morelli com o compósito Natural Ortho (fotopolimerizável).

Na face vestibular dos dentes, foi realizada profilaxia com pedra-pomes, taça de borracha e água por 10s; lavagem com spray ar/água por 15s e secagem por 10s14. Em seguida, foi feito o condicionamento com ácido fosfórico a 37% por 20s; lavagem com spray ar/água e secagem por 20s para cada dente15. Posteriormente, foi feita a colagem dos braquetes seguindo as orientações do fabricante de cada compósito. O posicionamento do braquete foi realizado manualmente com pinça de apreensão, sendo que para a padronização da aplicação da força esse procedimento foi realizado por um único operador.

Os grupos de espécimes foram submetidos ao teste de cisalhamento em máquina universal de ensaios (Kratos). Os testes foram realizados 24 horas após a colagem, em velocidade de 0,5mm por minuto. Os resultados finais foram obtidos em megapascal (MPa) dividindo-se a carga em newtons (N) pela área da base dos braquetes utilizados.

Após a realização dos testes de cisalhamento, as superfícies do esmalte de cada espécime foram classificadas conforme os escores do ARI, propostos por Årtun e Bergland¹, sendo: escore 0 = nenhuma quantidade de material adesivo aderido ao dente; escore 1 = menos da metade do material adesivo aderido ao dente; escore 2 = mais da metade do material adesivo aderido ao dente; e escore 3 = todo o material adesivo aderido ao dente, incluindo a impressão da malha do braquete6.

Foram selecionadas amostras representativas de cada tipo de escore de ARI entre os quatro grupos, as quais sofreram processo de metalização a ouro. Em seguida, essas amostras foram analisadas por meio de MEV. Os dentes foram visualizados em suas superfícies vestibulares, nas regiões onde se encontravam os braquetes antes dos testes de cisalhamento. Para fins ilustrativos, os limites de fratura do compósito e da superfície do esmalte foram destacados com magnificações de 50 e 100x para cada amostra.

Devido aos dados serem paramétricos e apresentarem igualdade e normalidade das variâncias (homocedasticidade), o teste de Análise da Variância (ANOVA) foi utilizado para comparar diferenças entre as médias dos grupos quanto à resistência ao cisalhamento. Para comparar o índice de remanescente adesivo entre os grupos, variando o tipo de compósito, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis. Para todos os testes estatísticos aplicou-se nível de significância de α = 5%.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os dados da estatística descritiva em relação à tensão em MPa.

Imagem_Tabela01

De acordo com o teste ANOVA, para o teste de cisalhamento verificamos que houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,0355).

Após a realização do teste de comparações múltiplas de Tukey, observamos que a diferença encontrada está entre G3 e G4, sendo que G4 apresentou-se estatisticamente mais resistente ao cisalhamento que o G3. Os demais grupos não diferiram estatisticamente em relação à resistência ao cisalhamento. Todos os valores médios dos grupos testados representam resistência de união superior à necessária para as rotinas clínicas em Ortodontia, que variam entre 5,9 e 7,8Mpa (Gráf. 1).

A respeito do índice de remanescente adesivo (ARI), após a aplicação do teste de Kruskal-Wallis para comparação dos grupos em relação à quantidade de escores apresentados, pôde-se observar que não há diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,9318) (Tab. 2, 3).

Os resultados das fotomicrografias das amostras selecionadas são apresentados na Figura 1. As imagens revelam os limites de fratura dos compósitos, correlacionando-as aos quatro possíveis escores do índice de adesivo remanescente (ARI), em sequência.

DISCUSSÃO

No tratamento ortodôntico, a utilização de compósitos de fixação direta deve se adequar às necessidades clínicas, promovendo resistência de colagem suficiente para a realização dos procedimentos. Reynolds17 sugeriu uma força mínima de colagem entre 6 e 8MPa. Valores abaixo dessa média são sinônimos de insucesso. Tal como em outras pesquisas, todos os testes do presente estudo apresentaram valores maiores que a média proposta13,20,23.

Ao se promover a comparação entre resinas, destaca-se como resultado a diferença estatística entre grupos. Quanto ao cisalhamento, a análise revela que o grupo G4 apresentou-se mais resistente que grupo G3. Entretanto, ao se comparar os grupos G1, G2 e G3; e G1, G2 e G4, não foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre si (Gráf. 1).

Esses achados são semelhantes aos de Mondelli e Feitas¹¹ e de Valletta et al.24, mas confrontam os resultados obtidos na pesquisa de Giannini e Francisconi7, na qual o compósito Concise Ortodôntico apresentou-se mais resistente que o compósito Transbond XT.

Para os compósitos Alpha Plast e Natural Ortho, não foram encontradas pesquisas evidentes na literatura. Ambos são materiais recém-disponíveis no mercado e de baixo custo, se comparados aos compósitos Concise Ortodôntico e Transbond XT, que são aceitos universalmente pela ciência como materiais de excelência para o emprego clínico. No entanto, esses novos compósitos têm se revelado bastante resistentes ao cisalhamento.

Na presente pesquisa também foi analisado o índice de remanescente adesivo (ARI), proposto por Årtun e Bergland¹. A classificação da quantidade de compósito aderido ao dente, após a remoção do braquete,

sugere graus de suscetibilidade de fratura do esmalte. Para a manutenção da integridade do esmalte, o ideal é a obtenção de escores elevados no ARI, ou seja, uma maior quantidade de material aderido ao dente. Essa situação evita com que haja ruptura dos cristais de hidroxiapatita do esmalte. Além disso, esses compósitos podem ser removidos facilmente com brocas de acabamento, sem qualquer prejuízo ao esmalte.

Os resultados da presente pesquisa revelaram predominância de escores baixos para todos os grupos, sendo que na comparação entre os grupos não foram obtidas diferenças estatísticas significativas (Tab. 2, 3).

Quanto ao ARI para as resinas Concise Ortodôntico (G1) e Transbond XT (G3), os resultados reforçam as pesquisas de vários autores5,12,14 que também obtiveram escores baixos. Por outro lado, divergem de outros estudos que observaram a maioria dos rompimentos na interface compósito/braquete4,15,16,19,24.

Após os testes de cisalhamento e durante a avaliação do ARI, foram observadas fraturas de esmalte em quatro espécimes distribuídos entre os quatro grupos. Essa relativa frequência de fratura entre os grupos, corroborada pelo estudo de Liu et al.10, pode estar associada à grande resistência suportada pelas amostras.

Esses achados são conflitantes quando comparados aos obtidos por Mondelli e Feitas¹¹, que afirmam que o elo mais frágil da colagem ortodôntica está na interface compósito/braquete, reiterando que essa interface adesiva é crítica, em termos de resistência.

Quanto ao ARI, apesar da inexistência de parâmetros de comparação na literatura, deve-se ratificar que os resultados para os compósitos Alpha Plast e Natural Ortho apresentaram comportamento semelhante aos compósitos Concise Ortodôntico e Transbond XT.

Fotomicrografias obtidas em MEV possibilitaram uma visualização mais precisa da superfície do esmalte e das áreas de fratura do compósito. Esses mesmos recursos possibilitaram Stratmann et al.²² estimar o risco de fratura de esmalte entre 23 e 63% dos espécimes associados ao compósito Concise Ortodôntico. No estudo de Chen et al.³, no qual braquetes metálicos foram fixados com o compósito Transbond XT, observou-se fraturas de esmalte em 40% das amostras.

A imparcialidade comercial é uma das características do presente estudo; portanto, nosso propósito foi salientar por meio dos testes as características específicas desses compósitos. Vale ressaltar que todos os produtos testados são adequados para a utilização clínica, tendo como principal objetivo a manutenção da integridade do esmalte.

 

CONCLUSÃO

De acordo com o método aplicado e a respeito da resistência ao cisalhamento, concluiu-se que todos os compósitos, tanto autopolimerizáveis quanto fotopolimerizáveis, utilizados em nossa pesquisa, apresentaram boa resistência e resultados semelhantes, sendo que o compósito Natural Ortho apresentou-se superior em relação ao compósito Transbond XT.

Em relação ao índice de remanescente adesivo (ARI), concluiu-se que houve predomínio de baixos escores entre os grupos estudados, demonstrando pouca ou nenhuma quantidade de resina aderida ao esmalte.

Com os resultados ilustrativos das superfícies de esmalte por meio da microscopia eletrônica de varredura, ratificou-se a quantidade de material aderida ao dente das amostras selecionadas, além de trazer uma visualização precisa dos limites de fratura do compósito.

Como citar este artigo: Neves MG, Brandão GAM, Almeida HA, Brandão AMM, Azevedo DR. In vitro analysis of shear bond strength and adhesive remnant index comparing light curing and self curing composites. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):124-9.

 

Enviado em: 07 de março de 2010 – Revisado e aceito: 16 de dezembro de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Murilo Gaby Neves

Travessa Humaitá, 800 – Casa 06 – Pedreira

CEP: 66.085-220 – Belém/PA

E-mail: murilo.orto@gmail.com

 

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