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Estabilidade em longo prazo do alinhamento anterossuperior em casos tratados ortodonticamente sem extrações

Objetivo: o presente estudo avaliou, por meio de uma análise retrospectiva, a estabilidade pós-tratamento do alinhamento dos incisivos anterossuperiores de pacientes submetidos ao tratamento ortodôntico sem extrações.

Métodos: a amostra foi constituída de 23 pacientes (13 do sexo feminino e 10 do sexo masculino), com idade inicial de 13,36 ± 1,81 anos. Mediu-se nos modelos de estudo das fases inicial (T1), final (T2) e pós-tratamento (T3) de aproximadamente de 5 anos, a irregularidade dos incisivos superiores, as distâncias intercaninos e entre os primeiros e segundos pré-molares, a distância intermolares, o comprimento e o perímetro da arcada superior. Após a obtenção dos dados, realizou-se a análise estatística. Para a análise das alterações ao longo dos três tempos estudados, utilizou-se a análise de variância (ANOVA) a um critério de seleção e, em caso de resultado significativo, o teste de Tukey. Para verificar a presença de correlação entre a recidiva do apinhamento anterossuperior e a recidiva das variáveis distâncias intercaninos, interpré-molares, intermolares, comprimento e perímetro da arcada, utilizou-se o teste de correlação de Pearson.

Resultados: os resultados não evidenciaram alterações dimensionais significativas ao final do tratamento; entretanto, durante o período de pós-tratamento, foram observadas alterações significativas em relação à quantidade de irregularidade dos incisivos superiores.

Conclusão: concluiu-se que houve recidiva estatisticamente significativa (+1,52mm) na irregularidade anterossuperior durante o período de pós-tratamento. Entretanto, nenhuma das variáveis aferidas nos modelos pôde ser clinicamente associada à recidiva anterossuperior.

 

Palavras-chave: Recidiva. Ortodontia corretiva. Má oclusão.

 

 

 

INTRODUÇÃO

O tratamento ortodôntico tem como objetivo primordial a correção das más oclusões; entretanto, essa correção apresenta considerável variabilidade na estabilidade pós-contenção. Embora exista consenso na literatura ortodôntica de que algumas alterações oclusais inevitavelmente ocorrerão após o término do tratamento ortodôntico15,19,28, evidenciou-se que a estabilidade do alinhamento dos dentes é altamente variável e amplamente imprevisível17.

Em relação à abordagem científica, apesar de haver numerosas pesquisas sobre a etiologia da recidiva ortodôntica do apinhamento anteroinferior, uma menor quantidade de estudos foi conduzida focando as alterações pós-tratamento na região anterossuperior e os possíveis fatores associados à magnitude dessa recidiva2,3,9,12,18,23,25.

A recidiva do apinhamento anterossuperior apresenta menor prevalência quando comparada à recidiva na região dos incisivos inferiores8,10,22,26,29,30. Alguns autores consideram a severidade inicial do apinhamento25 e a tração das fibras periodontais5,6,7 fatores de risco para a recidiva do apinhamento dentário anterossuperior. Todavia, verificou-se uma associação entre um período de contenção prolongado e a maior estabilidade no alinhamento dos dentes anterossuperiores23. Os incisivos superiores tendem a rotacionar no sentido de suas posições iniciais25,26, apesar da recidiva no sentido vestibulolingual apresentar-se imprevisível25. Os contatos palatinos existentes com os incisivos inferiores representam limites ao deslocamento no sentido lingual dos incisivos superiores, e qualquer movimento no sentido vestibular provavelmente é determinado pela posição e função dos lábios12.

Para Little14, a evidência da instabilidade progressiva do tratamento ortodôntico sempre é notada primeiro pelo apinhamento dos incisivos inferiores após a remoção das contenções. Independentemente do fator causal da recidiva ortodôntica, a irregularidade dos incisivos inferiores apresenta-se sempre como a precursora do apinhamento superior.

Kahl-Nieke, Fischbach e Schwarze13 analisaram os modelos inicial, final e pós-contenção de pacientes tratados ortodonticamente. Observaram que a recidiva dos apinhamentos anterossuperior e anteroinferior ocorreu em aproximadamente metade da amostra, e que o apinhamento anteroinferior foi mais significativo, aumentando em 68,8% dos casos. Variáveis pré-tratamento — como apinhamento severo, deficiência no comprimento da arcada, deficiências transversais e sobremordida profunda — foram consideradas fatores associados ao aumento do apinhamento e da irregularidade na região anterior.

Em um estudo longitudinal, Moussa, O’Reilly e Close18 avaliaram 55 pacientes tratados ortodonticamente sem extrações e submetidos à expansão rápida. Observaram uma alteração média de 0,6mm na irregularidade dos incisivos superiores no período pós-contenção e sugeriram que o procedimento de expansão rápida poderia ter favorecido essa estabilidade; porém, devido à falta de um grupo controle, não foram realizadas conclusões mais objetivas quanto à influência do procedimento de ERM sobre a recidiva do apinhamento. Entretanto, Canuto et al.3, comparando grupos compostos por pacientes tratados ortodonticamente sem extrações, com e sem a realização do procedimento de ERM, não constataram diferenças entre os grupos no que diz respeito à estabilidade pós-tratamento do alinhamento dos incisivos superiores.

Vaden, Harris e Gardner30 observaram, após 15 anos do término do tratamento, que houve uma alteração de apenas 0,3mm na irregularidade dos incisivos superiores, que correspondeu a uma manutenção de 96% da correção durante o tratamento. Surbeck et al.25 verificaram a influência da quantidade de apinhamento inicial na recidiva pós-contenção. Após a análise dos resultados, esses autores observaram que a quantidade de irregularidade no período pós-contenção está diretamente associada à quantidade de deslocamento dos pontos de contato anatômico ao início do tratamento, e que dentes rotacionados no período de pré-tratamento apresentam tendência estatisticamente significativa de retornarem às suas posições iniciais.

Taner et al.27 avaliaram os efeitos da fibrotomia supracristal na estabilidade do alinhamento de incisivos superiores e inferiores. Observaram um aumento significativo da irregularidade dentária do grupo controle, em ambos os segmentos anteriores. O grupo em que foi realizada a fibrotomia não apresentou aumento significativo de apinhamento.

Ferris et al.9 avaliaram a estabilidade de um protocolo de tratamento que envolvia a expansão rápida da maxila, o uso de placa labioativa e, posteriormente, correções ortodônticas com aparelhos fixos. A amostra apresentava 20 pacientes submetidos ao tratamento ortodôntico ao final da dentição mista e que foram reavaliados após

um período pós-contenção médio de 7,9 anos. Os resultados demonstraram que os incrementos nas dimensões das arcadas dentárias superior e inferior foram, em sua maioria, mantidos no período pós-contenção. Em longo prazo, a irregularidade dos incisivos superiores e inferiores aumentou 0,5 ± 1,2mm e 1,1 ± 1,5mm, respectivamente. Concluíram que o emprego desse protocolo de tratamento consiste em uma forma efetiva de correção da discrepância entre o tamanho dos dentes e o comprimento da arcada.

Erdinc, Nanda e Isiksal8 propuseram a avaliação em longo prazo do apinhamento dos incisivos em pacientes ortodônticos tratados com e sem extração de pré-molares. Os resultados demonstraram que a recidiva da irregularidade dos incisivos superiores foi mínima (de 0,19mm e 0,12mm para os grupos com e sem extrações, respectivamente) e apresentou-se menor que a recidiva dos incisivos inferiores em ambos os grupos. A largura intercaninos foi expandida durante o tratamento. As posições dos incisivos em ambos os grupos tenderam a retornar aos valores pré-tratamento. Porém, foi obtida uma estabilidade clinicamente aceitável8.

Frente à necessidade da contínua busca por meios que propiciem maior estabilidade dos resultados ortodônticos, e devido à escassa abordagem científica em relação à recidiva do apinhamento anterossuperior, o presente artigo propôs-se a avaliar a estabilidade do alinhamento dos dentes anterossuperiores em longo prazo e possíveis fatores que possam influenciar essa estabilidade.

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra utilizada foi constituída de 23 documentações ortodônticas de pacientes tratados no curso de Pós-graduação em Ortodontia da Universidade de São Paulo – Faculdade de Odontologia de Bauru, que inicialmente apresentavam más oclusões de Classe I ou II, tratados ortodonticamente sem extrações.

Os critérios para a seleção da amostra incluíram a presença de todos os dentes permanentes irrompidos ao início do tratamento ortodôntico (até os primeiros molares) e a ausência de anomalias dentárias de forma e/ou de número. Todos os pacientes foram tratados com aparelhos fixos (mecânica Edgewise), e apresentavam documentação ortodôntica completa, incluindo os modelos de estudo das fases inicial (T1), final de tratamento (T2) e de controle (T3). Nenhum dos pacientes foi submetido à expansão rápida da maxila.

Os pacientes incluídos na amostra eram leucodermas, sendo 13 do sexo feminino e 10 pacientes do sexo masculino, com idade média de 13,36 ± 1,81 anos em T1. O tempo médio de tratamento foi de 2,18 ± 0,93 anos. Em T2, todos os pacientes apresentavam finalização satisfatória. Nessa fase, os pacientes apresentavam uma média de idade de 15,54 ± 1,86 anos. Os pacientes foram reavaliados após um período pós-tratamento médio de 4,92 ± 1,11 anos; nessa fase (T3) os pacientes apresentavam, em média, 20,46 anos de idade.

Em relação à má oclusão inicial, a amostra apresentava 10 pacientes com má oclusão de Classe I e 13 pacientes com má oclusão de Classe II (8 pacientes apresentando ¼ de Classe II e 5 pacientes ½ Classe II). Nenhum dos pacientes apresentava mordida cruzada posterior ao início do tratamento.

Os pacientes utilizaram como contenção ao final do tratamento ortodôntico ativo uma placa de Hawley removível na arcada superior e uma 3×3 colada de canino a canino na arcada inferior. A placa de contenção superior foi utilizada, em média, por 1 ano, enquanto a 3×3 permaneceu por um período médio de 3 anos. Sendo assim, os pacientes foram reavaliados (T3) após um tempo médio de 3,92 anos da suspensão do uso do aparelho de contenção superior, e após 1,92 anos da remoção da contenção inferior.

Métodos

Avaliação dos modelos de estudo

Os modelos de gesso das fases T1, T2 e T3 foram avaliados. Todas as medidas foram obtidas utilizando-se um paquímetro digital (Mitutoyo Sul Americana Ltda., São Paulo/SP), com precisão de até 0,01mm.

As variáveis estudadas nos modelos de estudo superiores foram:

a) Irregularidade dos incisivos superiores14 (LITTLE) (Fig. 1).

b) Distância intercaninos (A; INTERC): distância medida em milímetros, de ponta a ponta das cúspides dos caninos superiores direito e esquerdo. Nos casos em que os caninos apresentavam facetas por desgaste, a ponta da cúspide era estimada (Fig. 2).

c) Distâncias interpré-molares (INTERPB e INTERPB′): distâncias medidas em milímetros, entre as fossas mesiais dos primeiros pré-molares superiores direito e esquerdo (B) e dos segundos pré-molares superiores direito e esquerdo (B′), respectivamente (Fig. 2).

Imagens_Fig_1,2

D) Distância intermolares (C; INTERMOL): distância medida em milímetros, de ponta a ponta das cúspides mesiovestibulares dos primeiros molares superiores direito e esquerdo. Nos casos em que os molares apresentavam facetas de desgaste, a ponta da cúspide era estimada (Fig. 2).

E) Comprimento da arcada superior (D + E; COMPR): corresponde à soma das distâncias medidas entre o ponto de contato dos incisivos centrais superiores e a face mesial dos primeiros molares nos lados direito e esquerdo (Fig. 2).

F) Perímetro da arcada superior (F; PERIM): distância em milímetros, que se estende da face mesial do primeiro molar superior direito à fase mesial do primeiro molar superior esquerdo (Fig. 2).

Análise estatística

Erro do método

O erro intraexaminador foi avaliado realizando-se novas medições das variáveis estudadas nos modelos iniciais, finais e de controle de 10 pacientes selecionados aleatoriamente. A primeira e a segunda medição foram realizadas com intervalo de tempo de um mês. A fórmula proposta por Dahlberg4 (Se2 = Sd2/2n) foi aplicada para estimar a ordem de grandeza dos erros casuais, enquanto os erros sistemáticos foram analisados por meio de aplicações do teste t pareado, conforme Houston11.

Método estatístico

Para a avaliação do comportamento das variáveis medidas nos modelos nos três tempos estudados (T1, T2 e T3), utilizou-se a análise de variância a um critério de seleção (ANOVA) e, em caso de resultado significativo, o teste de Tukey.

Por meio do teste de correlação de Pearson, avaliou-se a presença de correlação entre a recidiva do apinhamento anterossuperior e a quantidade de apinhamento inicial, bem como a quantidade de correção do apinhamento.

Por fim, utilizou-se o teste de correlação de Pearson para verificar a presença de correlação entre a recidiva do apinhamento anterossuperior e a recidiva das variáveis distâncias intercaninos, interpré-molares, intermolares, comprimento e perímetro da arcada.

Todos os testes foram realizados por meio do programa Statistica 6.0 (StatSoft, Inc. 2001), adotando-se um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Os resultados demonstram que não foram observadas diferenças estatisticamente significativas para as variáveis estudadas em relação aos erros sistemático e casual.

A Tabela 1 apresenta os resultados da ANOVA para as variáveis medidas nos modelos de estudo nas três fases estudadas (T1, T2 e T3). Na presença de um resultado significativo, realizou-se o teste de Tukey, no qual letras diferentes demonstram diferença significativa entre as medições. Os resultados evidenciaram que o índice de Little sofreu alterações significativas, tanto durante o tratamento quanto durante o período de pós-tratamento. Ocorreu recidiva do apinhamento anterossuperior na grande maioria dos pacientes avaliados, com uma porcentagem média de 30,64% da quantidade de correção obtida com o tratamento. Entretanto, não ocorreram alterações significativas das variáveis dimensionais estudadas durante essas fases, com exceção da distância entre os primeiros pré-molares (INTERPB), que sofreu um aumento estatisticamente significativo entre os tempos inicial (T1) e final (T2).

Os resultados dos testes de correlação de Pearson (Tab. 2, 3) evidenciaram uma correlação negativa e estatisticamente significativa entre a quantidade de recidiva do apinhamento anterossuperior e a quantidade de redução das distâncias intercaninos e entre os primeiros pré-molares.

DISCUSSÃO

Apesar da recidiva anterossuperior apresentar-se menos prevalente que a anteroinferior, sua avaliação e a busca por fatores que possam auxiliar em sua estabilidade apresentam validade, já que um deterioramento do tratamento nesse segmento da arcada também pode resultar em um comprometimento estético e funcional. Devido à sua localização na arcada, o apinhamento na região anterossuperior tende a apresentar-se mais visível e, consequentemente, a promover maiores prejuízos estéticos que a irregularidade dentária anteroinferior.

Os resultados da ANOVA e do teste de Tukey demonstraram alterações estatisticamente significativas no índice de irregularidade de Little nos três tempos avaliados (Tab. 1). Dessa forma, observou-se, como esperado, uma redução significativa do apinhamento dentário anterossuperior pelo tratamento; entretanto, durante o período de pós-tratamento, houve recidiva significativa da irregularidade dos incisivos superiores. Em relação às alterações nas dimensões e na forma da arcada superior durante o tratamento, notou-se uma alteração significativa somente na variável INTERPB (distância entre os primeiros pré-molares), sugerindo manutenção das dimensões da arcada durante o tratamento e estabilidade dessas dimensões durante o período pós-tratamento. Sadowsky et al.23, avaliando a estabilidade longitudinal das arcadas superior e inferior de casos tratados sem extrações dentárias e mecânica Edgewise, também observaram que as distâncias intercaninos e entre os primeiros e segundos pré-molares superiores não apresentaram alterações significativas durante um período pós-contenção médio de 5 anos. Erdinc, Nanda e Isiksal8 avaliaram a estabilidade de casos tratados com e sem extrações. Assim como no presente estudo, esses autores observaram uma redução significativa da irregularidade dos incisivos superiores durante o tratamento. O grupo tratado sem extrações exibiu durante o tratamento incrementos transversais significativos nas distâncias intercaninos e interpré-molares. Todas as variáveis que representam as dimensões da arcada superior não apresentaram alterações significativas no período pós-tratamento; entretanto, a recidiva do apinhamento anterossuperior mostrou-se significativa. Os trabalhos citados8,23 e os resultados da presente pesquisa demonstram um prognóstico favorável em relação à estabilidade dimensional em longo prazo do arcada superior em casos tratados sem extrações.

Os resultados da presente pesquisa demonstram que a quantidade de recidiva do apinhamento anterossuperior durante o período pós-contenção foi, em média, de 1,52mm. Sadowsky et al.23, avaliando a estabilidade de casos tratados sem extrações, após 5 anos de remoção das contenções, observaram uma recidiva relativamente similar (1,1mm). Entretanto, Moussa, O’Reilly e Close18 observaram resultados mais favoráveis em relação a essa recidiva de 8 a 10 anos após a remoção das contenções. E ao avaliarem casos tratados com expansão rápida e com aparelhos fixos, observaram uma recidiva anterossuperior média de 0,6 ± 1,30mm). Vaden, Harris e Gardner30 observaram que 96% da correção do apinhamento anterossuperior durante o tratamento foi mantida após 15 anos do término do tratamento. A quantidade de apinhamento aumentou de 1,5mm ao final do tratamento para 1,8mm na avaliação pós-contenção. Ferris et al.9, também avaliando a recidiva desse segmento da arcada em casos tratados sem extrações, observaram durante o período pós-contenção (7,9 anos) um aumento na irregularidade dos incisivos superiores de apenas 0,47 ± 1,19mm. A maior estabilidade do alinhamento dos dentes anterossuperiores desses trabalhos talvez possa ser explicada pelo prolongamento do tempo de uso das contenções23 após o tratamento ortodôntico fixo. No trabalho realizado por Sadowsky et al.23, o tempo médio de uso da contenção foi de 8,4 anos. O trabalho realizado por Moussa, O’Reilly e Close18 apresentou um tempo de contenção para a arcada inferior de 6,6 anos e o uso contínuo de uma Placa de Hawley na arcada superior por 2 anos. A pesquisa realizada por Vaden, Harris e Gardner30 somente informa que os pacientes utilizaram placas de Hawley nas arcadas superior e inferior ou uma placa de Hawley na arcada superior e uma contenção fixa 3×3 na arcada inferior. O primeiro controle pós-tratamento foi realizado somente após 6 anos. O estudo realizado por Ferris et al.9 apresentou um protocolo de contenção que incluía o uso de contenção removível na arcada superior por três anos (um ano de uso contínuo) e o uso de 3×3 ou de placa de Hawley na inferior por um período médio de 3 anos. No presente trabalho, todos os pacientes receberam como contenção uma placa de Hawley na arcada superior por um período médio de 1 ano, e um fio de aço colado de canino a canino na arcada inferior (3×3) por um período de 3 anos.

Erdinc, Nanda e Isiksal8 observaram um aumento de 0,19mm na irregularidade dos incisivos superiores, e de 0,12mm em casos tratados com e sem extrações, respectivamente, 4 anos e 11 meses pós-tratamento. O grupo tratado com extração apresentava um apinhamento inicial de 4,4mm, enquanto o grupo tratado sem extrações apresentava uma apinhamento inicial de apenas 1,94mm, valor bem menor que o do presente trabalho (6,56mm). As contenções superior e inferior (placas de Hawley) foram removidas pelo menos dois anos antes da avaliação pós-contenção. A excepcional estabilidade desse trabalho pode estar relacionada à pequena quantidade de apinhamento inicial e a um curto intervalo entre a remoção das contenções e a avaliação pós-contenção.

Ainda que os resultados demonstrem uma recidiva anterossuperior pós-tratamento maior que a relatada em estudos prévios8,9,18,23,30, o índice de irregularidade no período pós-tratamento (3,12mm) pode ser considerado clinicamente aceitável, de acordo com Little14.Os testes de correlação apresentaram, em sua maioria, resultados não significativos (Tab. 2, 3). Observou-se que a quantidade de apinhamento inicial não influenciou na recidiva, como já descrito em estudos prévios1,17. Surbeck et al.25, em contrapartida, relataram uma correlação positiva entre a quantidade de irregularidade dentária anterossuperior e a quantidade de recidiva nesse segmento da arcada. Afirmaram que a tendência em se observar uma recidiva da irregularidade dos incisivos superiores aumenta 2,3 vezes para cada 0,2mm de deslocamento dos pontos de contato dos incisivos em relação à arcada dentária. Além disso, a cada 4° de rotação dos incisivos ao início do tratamento, tem-se um aumento de 2,7 vezes na probabilidade de recidiva da irregularidade. Esses mesmos autores também ressaltaram que dentes parcialmente alinhados durante o tratamento apresentam riscos significativos de recidiva. Sugeriram o emprego de diferentes protocolos de contenção e o esclarecimento aos pacientes de forma individualizada sobre possibilidade de instabilidade pós-contenção de acordo com a irregularidade inicial25. Entretanto, analisando os resultados de outros autores e os resultados obtidos, uma correlação positiva entre a quantidade de apinhamento anterossuperior inicial sobre a quantidade de recidiva pós-tratamento parece improvável. No presente trabalho, por exemplo, o grupo experimental apresentava ao início do tratamento 6,56mm de irregularidade e apresentou uma recidiva pós-tratamento média de 1,52mm. A quantidade média de recidiva desse trabalho mostrou-se maior que a verificada por Ferris et al.9, Sadowsky et al.23 e Vaden, Harris e Gardner30, os quais apresentaram maiores valores para a irregularidade inicial dos incisivos superiores: 10,45mm; 8,0mm e 7,9mm, respectivamente. Esses trabalhos, mesmo apresentando quantidades ligeiramente maiores de apinhamento, demonstraram uma menor quantidade de recidiva do apinhamento no período pós-tratamento (0,47mm; 1,1mm e 0,3mm, respectivamente).

A quantidade de recidiva do apinhamento anterossuperior no período pós-tratamento (LITTLE3-2) apresentou correlação estatisticamente significativa (p < 0,05) com as alterações das distâncias intercaninos (INTERC3-2) e entre os primeiros pré-molares (INTERPB3-2) durante esse mesmo período (Tab. 3). As correlações observadas apresentaram coeficiente de valor negativo. Interpretando esses resultados, verifica-se que quanto maior a redução das distâncias intercaninos e entre os primeiros pré-molares na fase pós-tratamento, maior a recidiva do apinhamento anterossuperior. Embora essas correlações apresentem significância estatística, os valores de seus coeficientes revelam uma correlação fraca (valores de r de -0,459 e de -0,419). Portanto, pode-se afirmar que a correlação observada entre recidiva do apinhamento anterossuperior e a redução dessas distâncias apresenta pouca significância clínica. Além disso, parece óbvio que a redução dessas distâncias tende a ser reflexo de um estreitamento da arcada superior na região anterior e, consequentemente, resulte em diminuição do espaço disponível e em aumento da quantidade de apinhamento.

Apesar dos numerosos estudos que avaliaram uma possível relação entre as alterações da distância intercaninos inferiores e a recidiva ortodôntica anteroinferior, uma correlação entre a recidiva da distância intercaninos superiores e a recidiva da apinhamento anterossuperior foi investigada somente por Surbeck et al.25 e por Erdinc, Nanda e Isiksal8. Surbeck et al.25 encontraram uma associação significativa (p < 0,001) entre a redução da distância intercaninos e a recidiva anterossuperior; entretanto, o resultado do teste de correlação revela uma associação fraca (r < 0,70). Erdinc, Nanda e Isiksal8 não encontraram correlação entre o aumento na irregularidade dos incisivos e a redução da distância intercaninos, corroborando os resultados do presente trabalho.

 

Implicações clínicas

O alinhamento dos dentes anterossuperiores apresenta menor tendência à recidiva quando comparado ao mesmo segmento na arcada inferior, tal fato talvez explique a escassa abordagem na literatura científica. Apesar da maior estabilidade, a recidiva anterossuperior pode comprometer o tratamento ortodôntico no período de pós-tratamento. O valor médio de recidiva observado no presente trabalho (1,52mm), apesar de estatisticamente significativo, pode ser considerado clinicamente aceitável14. Entretanto, essa pequena quantidade de recidiva pode ser a causa de insatisfação de alguns pacientes.

A recidiva do apinhamento anterossuperior apresenta influência de vários fatores, como tempo de contenção, grau de apinhamento inicial, recidiva do segmento dentário oposto, alterações na forma da arcada, dentes rotacionados no período de pré-tratamento e falta de completa correção da giroversão dos dentes, resultando em quebra dos pontos de contato. Dessa forma, torna-se evidente que melhores resultados em longo prazo podem ser obtidos por meio de um protocolo de contenção mais rígido e uma boa finalização do tratamento.

CONCLUSÕES

Houve recidiva estatisticamente significativa (1,52mm) na irregularidade anterossuperior, após aproximadamente 5 anos de finalização do tratamento.

Nenhuma das variáveis aferidas nos modelos pôde ser clinicamente associada à recidiva anterossuperior.

Os resultados sugerem que o clínico deve tomar maiores cuidados em relação ao protocolo de contenção da arcada superior, pois a recidiva da correção do apinhamento anterossuperior, apesar de ocorrer em menor magnitude quando comparada à da arcada inferior, pode ser significativa.

 

Como citar este artigo: Canuto LFG, Freitas MR, Freitas KMS, Cançado RH, Neves LS. Long-term stability of maxillary anterior alignment in nonextraction cases. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):46-53.

Enviado em: 12 de agosto de 2009 – Revisado e aceito: 17 de dezembro de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Luiz Filiphe Gonçalves Canuto

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CEP: 17.012-901 – Bauru/SP

E-mail: luizfiliphecanuto@yahoo.com.br

 

 

 

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