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Estabilidade de cor de resinas compostas no processo de manchamento e clareamento

Resumo

Introdução: a procura pelo aprimoramento da estética dentária tem impulsionado o aperfeiçoamento de materiais restauradores. Objetivo: abordar, por meio de uma pesquisa literária e laboratorial, a estabilidade de cor de resinas compostas micro-híbridas e nanoparticuladas, no processo de pigmentação e branqueamento. Métodos: foram confeccionados 80 espécimes, seguindo as dimensões 25 x 2 x 2mm (ISO 4049), de resinas compostas Opallis (FGM) e Filtek Z350XT (3M ESPE). A amostra foi dividida em quatro grupos, de mesma quantidade (n = 20). Com a espectrofotometria e o sistema CIELAB foi avaliada a estabilidade de cor durante o processo de pigmentação com café, além da capacidade do agente clareador Whiteness HP Maxx (FGM). Resultados: ambas as resinas sofreram alterações com café, sendo que a de nanotecnologia obteve menores percentuais. O gel clareador foi capaz de reduzir a pigmentação obtida. Após duas semanas de pigmentação e posterior procedimento clareador, a resina Opallis apresentou menor retorno de cor (ΔE = 7,8) quando comparada com a Filtek Z350 XT (ΔE = 5,8). Conclusões: a resina composta Filtek Z350 XT apresentou menor alteração de cor em função do tempo. A substância clareadora foi capaz de reduzir os níveis de alteração cromática.

Palavras-chave: Espectrofotometria. Pigmentação. Resinas compostas. Clareamento dentário.

 

Abstract

Introduction: The search for the improvement of dental esthetics has driven to the development of restorative materials. Objective: The aim of this study was to evaluate the color stability of nanoparticulate and microhybrid composite resins in the process of pigmentation and whitening, through a literature and laboratory search. Methods: Eighty specimens were made following the dimensions 25 x 2 x 2mm (ISO 4049) from the composite resins Opallis (FGM) and Filtek Z350XT (3M ESPE). The sample was divided into four groups of equal size (n = 20). The spectrophotometry and CIELAB system was used to evaluate the color stability during pigmentation process with coffee and also the ability of the bleaching agent Whiteness HP Maxx (FGM). Results: Both resins were modified with coffee, and the nanotechnology had lower percentages. The bleaching gel was capable of reducing the pigmentation obtained. After two weeks of pigmentation and subsequent bleaching procedure, Opallis resin had lower color return (ΔE = 7.8) when compared with Filtek Z350 XT (ΔE = 5.8). Conclusions: The composite resin Filtek Z350 XT showed lower color change with time. The bleaching substance was able to reduce levels of color change.

Keywords: Spectrophotometry. Pigmentation. Composite Resins. Tooth bleaching.

 

 

 

Introdução

A estética é um ramo da Odontologia de elevado crescimento. Dessa maneira, é incessante a procura por materiais restauradores que visem restaurações menos perceptíveis possíveis, dando ao paciente estética aliada a um material restaurador de qualidade.

Com a difícil missão de trazer uma alternativa estética conservadora e durável, as resinas compostas ocupam um lugar de destaque entre os materiais odontológicos, sendo capazes de devolver a anatomia, função e estética dentária.

A estabilidade de cor é um atributo cada vez mais necessário às restaurações, tornando-se um problema adicional1. A descoloração pode ser motivada por fatores intrínsecos ou extrínsecos, sendo esse segundo ocasionado por agentes pigmentantes, presentes na dieta e em hábitos2.

Os brasileiros consomem cerca de 171mg de cafeína por dia, sendo a solução de café a principal fonte na dieta3. O tempo médio para o consumo de uma xícara de café é de até quinze minutos, e entre os consumidores a ingestão média é de 3,2 xícaras diárias. Portanto, o tempo de armazenagem de 24 horas simula cerca de um mês de consumo médio, já o contato com o café durante quinze dias equivale a 15 meses de consumo4.

A estabilidade de cor de um compósito é afetada por uma variedade de fatores, tais como a matriz resinosa, concentração de iniciador, oxidação de monômeros que não reagiram, carga de enchimento e contato com pigmentos5,6.

Os materiais micro-híbridos perdem seu elevado grau de polimento sobre o tempo, desenvolvendo uma superfície mais áspera e, consequentemente, reduzindo sua estética; no entanto, oferecem elevadas propriedades físicas7. O Opallis (FGM, Joinville/SC) é um material resinoso, composto, segundo o fabricante, por monômeros de Bis-GMA, Bis-EMA, TEGDMA e UDMA, partículas de bário-alumíno e dióxido de silício com 0,5µm e carga em volume médio de 58%.

Desde a década de 1950, os compósitos resinosos vêm sofrendo elevada evolução, principalmente em relação ao tamanho e distribuição das partículas de carga8.

A resina nanoparticulada Filtek Z350 XT (3M ESPE, Sumaré/SP) é composta, segundo o fabricante, por monômeros de Bis-GMA, UDMA, TEGDMA e Bis-EMA, com partículas de carga de 4-20nm de sílica e zircônia não aglomeradas/não agregadas e aglomerados de sílica e zircônia, tendo uma carga em volume médio de 63,3%. Partículas nanométricas encontram-se dispersas no material, enquanto os nanoaglomerados são constituídos de várias partículas nanométricas quimicamente unidas por ligações fracas. O tamanho das partículas altera a natureza das interações entre as moléculas do material, modificando as propriedades desses produtos nanotecnológicos no meio ambiente e na saúde humana9.

A percepção humana de cores é complexa e subjetiva, assim a avaliação de cor por inspeções visuais não é confiável10. O padrão International Commission on Illumination (CIELAB) faz uso de três dimensões da esfera de cor: amarelo (+b*), vermelho (+a*) e luminosidade (L*). O colorímetro emite raios de luz e analisa aqueles refletidos. A partir dos dados encontra-se o ΔE, que representa a diferença de cor do mesmo objeto em relação a determinado tempo, por meio da fórmula:

ΔE= [(Lfinal – Linicial)²+ (afinal – ainicial)² + (bfinal – binicial)²]1/2

No processo clareador, devido ao baixo peso molecular, o produto migra pelos prismas de esmalte e se decompõem em radicais de oxigênio livre, esses capazes de reagir com moléculas de pigmentos orgânicos, minimizando a pigmentação11.

Nos últimos anos verifica-se elevado crescimento no mercado de clareamento dentário. Assim, as propriedades de materiais restauradores são relevantes durante o processo clareador, podendo suportar e até responder ao procedimento.

O processo de alteração de cor ocorre, principalmente, em dentes anteriores e, em resinas compostas indicadas para a substituição do esmalte dentário, pelo frequente contato com o agente pigmentante. Diante disso, na procura por resultados mais precisos e atuais, o presente trabalho analisa a alteração de cor de compósitos odontológicos indicados para a estética frente ao café e ao processo clareador.

 

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Material e Métodos

Os experimentos do presente trabalho in vitro foram realizados na Faculdade de Odontologia Professor Albino Coimbra Filho (FAODO), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sendo confeccionados 80 corpos de prova com dimensões de 25 x 2 x 2mm, para comprimento, largura e espessura, respectivamente, conforme o método ISO 4049. Em mesma quantidade (n = 20), formaram-se quatro grupos, de acordo com o material restaurador utilizado: nos grupos I e II, espécimes de resina composta Opallis, e, nos grupos III e IV, espécimes de resina composta Filtek Z350 XT. As características e especificações dos materiais fotopolimerizáveis utilizados encontram-se nas Tabelas 1 e 2.

 

 

Para confecção dos corpos de prova, de cor A2, uma placa de vidro de 5mm de espessura foi posicionada sob fundo negro e, acima dessa, colocada a matriz de poliacetato de 01mm de espessura. O preenchimento foi feito em único incremento de material restaurador, por meio de espátula de teflon. Sob essa, foi colocada uma tira de poliéster e outra lâmina de vidro de 0,5mm de espessura, pressionada digitalmente para obtenção do escoamento uniforme do material. Essa lâmina foi removida, posicionou-se um anel de acrílico de 10mm de altura e 27mm de diâmetro, padronizador da distância entre a ponteira do fotopolimerizador e o corpo de prova, conforme a Figura 1.

A fotoatiavação foi dada pelo fotopolimerizador Radii (SDI), com potência de 700mW/cm2, aferido previamente por radiômetro. A fotopolimerização foi realizada em três etapas, sendo cada segmento por 20 segundos, conforme recomendação dos fabricantes, totalizando 60 segundos em cada espécime, conforme Figura 2.

Após a confecção, todos tiveram suas dimensões verificadas por meio de espessímetro (Temper) e paquímetro (Mauser). Realizou-se a fixação da extremidade de cada corpo de prova ao fio de nylon de 0,6mm (Araty), com acréscimo de pequena porção do mesmo material restaurador, sendo fotopolimerizados por 20 segundos. Assim, os espécimes ficaram imersos na solução de imersão, sem contato com o fundo do frasco, como ilustra a Figura 3.

Colocados sob material esponjoso úmido, com troca diária de saliva artificial, os espécimes estiveram abrigados a 37 ± 1ºC, em estufa (Fanem), durante 15 dias, visando a representação de tempo clínico e condições para ocorrência da expansão higroscópica do material resinoso.

O polimento foi realizado com disco de feltro Diamond (FGM) e com pasta polidora diamantada Diamond Excel (FGM), sem refrigeração, em única direção, com movimentos intermitentes, em baixa velocidade e durante 30 segundos, sendo um disco para cada corpo de resina.

Após o polimento, todos foram imersos em saliva artificial (Pharmacêutica, Campo Grande/MS) durante uma hora, a 37 ± 1ºC, ao abrigo de luz, para que reidratassem. Após esse tempo, foi realizada a leitura inicial com o colorímetro Shade-Eye NCC (Shofu), previamente calibrado e contra fundo branco, observando os valores por meio do sistema de notificação de cor CIELAB, conforme normas do fabricante.

Os grupos II e IV foram imersos em saliva artificial a 37 ± 1ºC, trocada diariamente. Novas leituras procederam em uma hora, 24 horas, uma semana e duas semanas.

Já os grupos I e III foram imersos em solução de café (Café Brasileiro Tradicional, Araçariguama/SP, lote 38B12B, 80g de pó para um litro de água filtrada a 70 ± 5ºC), trocada diariamente e mantida a 37 ± 1ºC, ao abrigo da luz. Leituras ocorreram em uma hora, 24 horas, uma semana e duas semanas, sendo os espécimes levados à água corrente antes das leituras.

Foi realizado o processo clareador, com Whiteness HP Maxx (FGM, Joinville/SC, lote 310811), sendo utilizado na proporção de três gotas de peróxido de hidrogênio a 35% para uma gota de espessante. Com o auxílio de uma espátula, foi coberta toda a superfície de cada espéssime com cerca de 1mm de gel clareador, conforme o protocolo de uso e auxílio de fotopolimerizador durante 20 segundos. Por meio do colorímetro, fez-se a leitura de cor após o procedimento. Todos os dados foram levados à análise estatística.

 

 

Resultados

A análise estatística de variância para dois fatores (Two-way ANOVA) e o teste t de Student revelaram que o café foi capaz de alterar as colorações das resinas testadas no experimento. Ambos os materiais resinosos apresentaram variações cromáticas após uma hora de imersão no café, ΔE Opallis > ΔE Filtek Z350 XT. Após duas semanas, a Opallis obteve maior diferença total de cor, ΔE = 19,6 quando comparada à Filtek Z350 XT com ΔE = 18,7, conforme a Tabela 3.

Com relação ao processo pigmentante referente à luminosidade (L*), observa-se que a pigmentação foi progressiva, tendendo à menor luminosidade (L*). Passadas duas semanas, a Opallis apresenta maior alteração, com ΔL = 10,1 ± 5,4) quando comparada à Filtek Z350 XT, com ΔL = 13,6 ± 2,3), representando um ΔL Opallis < ΔL Filtek Z350 XT, com tendência à cor preta, de acordo com o Gráfico 1.

Já a análise da tendência ao amarelo, coordenada b*, revela que ambas as resinas sofrem ação do café, sendo que, após quinze dias em contato com a bebida, a Opallis demonstrou valores mais elevados (Δb = 15,2 ± 4,2) quando comparada com a Filtek Z350 XT, com Δb = 11,7 ± 3,5, sendo possível verificar Δb Opallis > Δb Filtek Z350 XT por meio da análise do Gráfico 2.

Conforme o Gráfico 3, após o procedimento clareador, nenhum material testado retornou aos exatos valores iniciais. A resina Filtek Z350 XT obteve maior redução de seus índices, com ΔE = 5,8 ± 2,1, comparado à Opallis, com ΔE = 7,8 ± 4,7). Dos grupos que não foram expostos à ação do café, houve variação cromática (ΔE = 3,75 ± 1,79) na Opallis, e de ΔE = 2,56 ± 1,57 na Filtek Z350 XT.

 

 

Discussão

Apesar de ser um material de primeira escolha quando se refere à harmonia estética, os atuais compósitos possuem limitações quanto à pigmentação superficial, impedindo-o de ser denominado material ideal12.

O presente trabalho testou dois tipos de resinas compostas de fácil acesso: a micro-híbrida e a nanoparticulada, objetivando identificar possíveis diferenças na estabilidade de cor frente à ação do café e ao processo clareador. Ambos os materiais demonstraram distorções cromáticas perante o pigmento, estando de acordo com estudos anteriores5,13.

O fato dos grupos que continham café apresentarem alterados valores de pigmentação é justificado devido à alta temperatura da solução, 70 ± 5ºC, acelerando o processo de manchamento. Assim, por haver compatibilidade das matrizes resinosas dos compósitos com os corantes amarelos do café, pelo baixo grau de polaridade da bebida, os corantes são absorvidos e associados à matriz polimérica do material, ao contrário do que ocorre em soluções mais polares, como água destilada e saliva artificial, onde ocorre o processo de adsorção5.

Na presente pesquisa, as variáveis tenderam ao amarelo (b*) e com processo de escurecimento (L*), assim como já relatado em estudo anterior14.

Diferentes resinas, bem como o tempo de exposição ou agente pigmentante, apresentam alterações de cor em diferentes graus12. Durante a pigmentação, na primeira hora já havia significativa distorção cromática, sendo nas seguintes leituras uma redução mais branda e contínua. A mudança de cor averiguada no estudo estava similar à de estudos anteriores2,15,16, porém, esses trabalhos apresentaram material e métodos diferentes dos do presente estudo.

Mudanças de cor podem estar relacionadas com a estrutura da matriz orgânica do material. Aqueles que possuem TEGDMA, monômero de alta flexibilidade e diluente, apresentam níveis elevados de descoloração, devido ao seu caráter hidrofílico9. Em contrapartida, o Bis-EMA, monômero hidrofóbico, também pode apresentar descoloração evidente em contato com soluções17. Ambos os materiais utilizados na presente pesquisa possuem TEGDMA e Bis-EMA em suas composições, dessa forma, acredita-se no envolvimento desses monômeros com o potencial de descoloração em contato com agentes pigmentantes.

Os compósitos micro-híbridos, surgidos na década de 90 e amplamente empregados até os dias atuais, possuem capacidade de resistência, polimento e estética18. Contrariando os resultados do presente estudo, verificou-se que o compósito micro-híbrido Opallis é mais vulnerável à ação do café quando comparado ao compósito nanoparticulado Filtek Z350 XT.

De modo geral, quanto maior a porcentagem de carga em volume e menor a partícula, melhores são as propriedades mecânicas, lisura superficial e resistência à alteração cromática. As cargas são capazes de elevar a força e o módulo de elasticidade, reduzir a contração de polimerização, o coeficiente de expansão térmica e a absorção de água9,19, justificando a menor descoloração do nanocompósito encontrado no presente estudo. Esses nanorestauradores, além de apresentarem menor distância interpartículas, abrigando maior quantidade de matriz resinosa, também são capazes de permitir melhor coloração e radiopacidade20. Verificou-se, como a possível justificativa para os resultados desse trabalho, o fato do material resinoso de menor alteração cromática apresentar partículas menores e maior quantidade de carga em volume.

A atual distribuição de tons dos guias de cores dentárias é dependente da individualidade do observador21. Colorímetros são capazes de receber a reflexão e absorção da luz, analisar, quantitativamente remeter e registrar valores, que são convertidos para o sistema CIELAB22. Valores de ΔE ≤ 3,7 são considerados visualmente imperceptíveis a olho humano, bem como clinicamente aceitáveis23. Nesse estudo in vitro, após o procedimento clareador, verificou-se a redução dos índices de pigmentação, ΔE = 7,8 na Opallis e ΔE = 5,8 na Filtek Z350 XT.

Essa redução dos níveis comprovou que o procedimento clareador é capaz de reduzir a pigmentação exógena, assim como já mostraram pesquisadores anteriores24,26, em desacordo com outros estudos27.

Os resultados desse trabalho comprovam que a resina composta pode apresentar aceitável resposta ao clareamento, como já verificaram pesquisas anteriores28. Comprovando, também, que esse procedimento não é responsável por alterações na opacidade do material resinoso26,29.

Não existe, ainda, consenso sobre os efeitos do agente clareador em restaurações de resina composta30. Nesse trabalho, vimos que os nanocompósitos trouxeram melhorias significativas. No entanto, ainda há espaço para o aperfeiçoamento das propriedades desses materiais.

 

 

Conclusões

Dentro das limitações do presente estudo in vitro, permitiu-se concluir que a resina composta Filtek Z350XT (3M ESPE) apresenta menor alteração de cor em função do tempo, quando comparada à Opallis (FGM).

A substância clareadora é capaz de reduzir os níveis de alteração cromática, sendo mais evidente na Filtek Z350XT (3M ESPE). Não há respostas significativas ao clareamento nos grupos que não foram sujeitos ao café.

 

Como citar este artigo: Salvego RN, Dias RPB, Figueiredo JLG. Estabilidade de cor de resinas compostas no processo de manchamento e clareamento. Rev Dental Press Estét. 2013 jul-set;10(3):54-62.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

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