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Entrevista com: Paulo Sérgio Perri de Carvalho


dpi_v07_n03_DestaqueProfessor Titular da UNESP e da USP, o Prof. Dr. Paulo Sérgio Perri de Carvalho demonstra, entre suas qualidades, uma aula consistente, com palavras rigorosamente pronunciadas e em um tom de voz forte e constante. Especialista, Mestre,
Doutor e Livre-docente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, o Professor Perri dedica 34 horas de sua semana à carreira acadêmica. Frequente na rodovia Marechal Rondon, ele transita entre Araçatuba, cidade de sua residência, e Bauru.

Nas poucas horas restantes, dedica-se a aplicar seus conhecimentos prático-científicos, atendendo pacientes em sua clínica particular, onde desfruta da companhia de sua esposa, a Profa. Mariliza Comar Astolphi de Carvalho, especialista em Dentística Restauradora, Prótese Dentária e Periodontia. Em sua brilhante carreira, o Professor Paulo Perri dedicou-se ao estudo do tecido ósseo. Da reparação alveolar às grandes reconstruções, Perri pode ser considerado uma liderança atual no tema enxerto ósseo. Com grande experiência clínica em técnicas como remoção de enxerto da calota craniana, suas aulas teóricas são repletas de casos realizados e de resultados científicos, investigados por ele mesmo, dando à apresentação um caráter verdadeiro e preciso sobre o conhecimento explanado. 

Nessa entrevista, podemos conhecer um pouco mais desse cirurgião-dentista que escolheu fazer a diferença sendo, ao mesmo tempo, professor, pesquisador, clínico e, além de tudo isso, uma pessoa de fino trato, que transita bem por todas as áreas da Odontologia.

Luis Rogério Duarte

 

 

A carreira acadêmica na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, de acordo com a resolução UNESP n˚ 13, de 17 de março de 2011, possui níveis verticais e níveis horizontais de progressão. Os níveis verticais se iniciam em Professor Assistente, evoluindo para Professor Assistente Doutor, Professor Adjunto e, por fim, Professor Titular, o cargo máximo da carreira. Desde sua formatura, na própria UNESP, em 1976, o senhor passou a dedicar-se à especialidade de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, ingressando no mestrado no ano seguinte. Seu objetivo, desde a graduação, sempre foi seguir a carreira acadêmica até o cargo de Professor Titular? O que o senhor via naquela época em um Professor Titular e que o senhor vê em si hoje? O que é diferente do que o senhor almejou? Algum professor nesse cargo te serviu de exemplo?

Na graduação, eu me interessei, inicialmente, pela disciplina de Patologia, onde fiz estágio como acadêmico orientado pelo Prof. Ronaldo Maia Melhado, mas, à medida que as disciplinas clínicas iam desenvolvendo-se, destacaram-se a Endodontia, na época liderada pelo Prof. Roberto Holland, e a Cirurgia, liderada pelos professores Ruy dos Santos Pinto, Tetuo Okamoto e por meu irmão, Antonio Cesar Perri de Carvalho. Essas disciplinas destacaram-se para mim porque os procedimentos clínicos que ensinavam baseavam-se na pesquisa e na explicação dos “porquês”, e não como uma técnica que deveria ser treinada. A partir desse estímulo, interessei-me pela carreira acadêmica, mas meu objetivo não era ser Professor Titular, e sim professor de uma disciplina que tinha liderança, pesquisa e aplicação clínica baseada em evidências científicas. Eu tinha a consciência que os títulos acadêmicos viriam naturalmente, se me dedicasse ao estudo, à pesquisa e à prática da docência.

 

A diferença entre os docentes da época de minha graduação com os de hoje é que havia um idealismo “romântico”; no entanto, as incumbências e as cobranças eram menores que as que se observa atualmente, além das múltiplas incumbências administrativas. Analisando sob o ponto de vista da hierarquia, em tempos passados, conversar ou questionar um Professor Titular — alguns deles chamados de Catedráticos, pelo tipo de progressão vertical que havia — era privilégio de poucos alunos, o que, nos dias atuais, é impensável, principalmente porque, no entendimento de nossos dias, o docente com mais experiência consegue trabalhar melhor com a diversidade de alunos que cursam o curso superior.

 

Com relação às minhas expectativas, elas foram totalmente atingidas. Isso pode ter acontecido sem conflitos porque tinha o meu irmão mais velho, que foi professor universitário em Araçatuba. Portanto, tive a oportunidade de ver de perto o que era ser um professor universitário, com a diferença que sempre fui mais inquieto do que ele com relação aos limites que a carreira universitária impunha, e impõe até hoje, como, por exemplo, atividades externas à universidade.

 

Como já disse, tive a oportunidade de me espelhar em vários docentes da disciplina em que trabalhei até fevereiro de 2013, e procurei aproveitar o exemplo de cada um deles para construir a minha personalidade acadêmica, mas, sem dúvida, a convivência com o meu orientador, o Prof. Tetuo Okamoto, e com meu irmão, o Prof. Cesar, foram mais determinantes; mas, também, foi muito importante o convívio com Dr. Ruy dos Santos Pinto, idealizador do Programa de Pós-graduação na área de Cirurgia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (UNESP) e do CAOE (Centro de Atendimento a Pacientes Excepcionais); com o Prof. Edmur Callestine; Prof. Márcio Giampietro Sanches (meu companheiro de sala e de cirurgias); Prof. Michel Saad Neto e, mais recentemente, o Prof. Osvaldo Magro Filho e Prof. Idelmo Rangel Garcia Junior. Com cada um desses professores aprendi algo e pude compartilhar experiências acadêmicas.

 

O cargo de Professor Titular só pode ser preenchido por um docente com experiência em ensino e pesquisa. Atuando como professor titular, ao mesmo tempo, em duas das maiores universidades do país, o que muda na responsabilidade de um Professor Titular que não existe no cargo de Professor Assistente Doutor?

O Professor Titular tem como objetivo maior liderar a equipe com que trabalha, e desempenhar essa função de forma positiva, estimulando e discutindo com o grupo os anseios e as oportunidades de progresso de cada um. Ele tem de oferecer, criar ou mostrar oportunidades iguais para todos os integrantes da equipe e, ao mesmo tempo, ter o discernimento de que o aproveitamento dessas oportunidades acontecerá de forma diferente e de acordo com o potencial, momento acadêmico e emocional de cada um.

 

De acordo com o estatuto de cada universidade, o Professor Titular tem incumbências administrativas que só poderão ser executadas por outros docentes em caso de sua desistência formal, como, por exemplo, cargos de chefia. Para outras universidades, essas funções podem ser desempenhadas a partir do Professor com o título de Doutor.

 

Assim, a diferença que existe entre o Professor Titular e os outros professores é que, normalmente, esse cargo é ocupado pelo docente de maior experiência, e que deve usá-la como ponto de equilíbrio e de liderança positiva em sua equipe, sem limitar ou restringir o progresso de ninguém.

 

Como educador, seu papel é fundamental, tanto na figura de líder motivador quanto no papel de incentivador da busca por conhecimento. Qual é o ponto fundamental, que deve existir em qualquer universidade, para a formação de um profissional inquieto e com senso crítico para tomar suas decisões?

Sem dúvida é por meio do estímulo à busca do conhecimento, o qual a ciência tem demonstrado ser ilimitado. Sócrates, filósofo, quando foi declarado o mais sábio dos gregos, declarou “só sei que nada sei”, o que fica evidente que quanto mais se sabe, mais deveremos ter a consciência que precisamos aprender mais e mais. O pesquisador precisa desenvolver a qualidade da humildade diante da ciência. Por outro lado, o Papa Francisco, quando esteve recentemente no Rio de Janeiro, disse que a juventude precisa ser revolucionária. Ele não quis dizer revolucionária no sentido de praticar a violência e ser agressivo, mas no sentido de não ser conformista. Assim, a formação de um profissional inquieto é feita mostrando que ele não pode achar que é o dono da verdade, mas que há um grande caminho a percorrer na busca do conhecimento, que não pode ser conformista e achar que tudo vai acontecer de forma natural em sua vida acadêmica, mas que ele deve buscar, sempre, as respostas para suas dúvidas ou para os questionamentos que fazem as diversas áreas do conhecimento. Já o senso crítico é conseguido por meio do estudo continuado e reflexivo; no entanto, apresenta variações conforme o grau de amadurecimento do aluno. O educador deve interpretar essas nuances, que são individuais, e promover uma série de ações educativas e motivadoras para o desenvolvimento crítico de seu aluno.

 

Uma característica marcante de sua carreira é uma grande produção científica, o que demonstra imensa dedicação ao ensino e à academia. Entretanto, o senhor nunca deixou de atender pacientes, mantendo atividades clínicas tanto na universidade quanto na clínica particular. O senhor pode nos dar alguns exemplos de evidência científica aplicada a procedimentos cirúrgicos executados frequentemente em sua prática cirúrgica?

Tive o meu primeiro contato com a Implantodontia em 1989, por meio do curso de credenciamento do sistema TF, realizado na cidade de Rosário, na Argentina. Durante esse curso, acompanhamos uma série de cirurgias de instalação de implantes, e a primeira dúvida que tive foi sobre a fresagem, já que havíamos publicado um trabalho experimental que demonstrava que a ação do instrumento rotatório provocava lesão na superfície óssea, e que o reparo ósseo da cavidade ficava comprometido de acordo com o trauma recebido. Em meu retorno ao Brasil, procurei estudos a respeito, mas haviam poucos dados sobre o assunto. Foi minha primeira pesquisa na área da Implantodontia, onde avaliamos a ação das fresas em fíbula de coelhos com e sem irrigação. Depois dessa pesquisa, desenvolvemos a pesquisa de instalação de implantes após fresagem com e sem irrigação, e observamos que os implantes instalados com a fresagem sem irrigação não osseointegravam. Para cada dúvida que tinha, realizava uma pesquisa experimental de repetição com os materiais que dispúnhamos no Brasil, e os resultados das pesquisas foram dando segurança e conhecimento de como aplicar a técnica da Implantodontia na prática clínica. O mesmo aconteceu com os enxertos ósseos e biomateriais. Essa é a minha rotina. Aplico na clínica, técnicas e materiais que apresentam evidências científicas comprovadas em minhas pesquisas ou nas de outros investigadores.

 

Ainda existe uma grande distância entre as publicações científicas e os cirurgiões dentistas que se dedicam exclusivamente à prática clínica, ou seja, poucos profissionais buscam o conhecimento diretamente na fonte, em trabalhos de pesquisa, testados e publicados de forma criteriosa. Em sua opinião, o que o modelo de publicação pode evoluir para aumentar a penetração de achados científicos na clínica odontológica comum?

Atualmente, existem inúmeros meios de buscar o conhecimento: revistas nacionais em papel ou eletrônicas, revistas internacionais de impacto nas bibliotecas e na internet, livros textos nacionais com conteúdo excelente, os principais livros em línguas estrangeiras traduzidos para o português, eventos científicos para todas as tendências, entrevistas de esclarecimento na mídia, etc. Na minha opinião, o que falta é o hábito da leitura e estudo! A maioria dos profissionais da Odontologia admira a técnica e se conforma em executá-la sem ter a preocupação de ter conhecimento sobre os seus porquês e, acima de tudo, sobre a longevidade e complicações que poderão surgir.
E por que isso acontece? Porque grande parte dos procedimentos são reversíveis. Mas, no meu modo de entender, é um viés da nossa profissão.

 

A distância ainda presente entre evidência científica e clínica odontológica é uma deficiência bilateral. Ao mesmo tempo que as evidências não são diretamente aplicadas pelo clínico, os resultados obtidos em tratamentos realizados nas clínicas particulares, salvo algumas exceções, não são computados em publicações científicas. Como o senhor vê essa evolução? É possível que os clínicos, futuramente, se envolvam mais com a investigação científica?

Na literatura internacional e nacional existem trabalhos de divulgação que foram desenvolvidos em clínicas particulares mas que, normalmente, têm origem em profissionais que foram ou estão engajados em programas de Pós-graduação, ou até mesmo ligados a algum grupo de pesquisa. Não é propriamente uma investigação científica, mas resultados clínicos obtidos a partir de um procedimento protocolado e com comprovação científica anterior. No Mestrado Profissionalizante que coordeno junto à Faculdade São Leopoldo Mandic de Campinas, realizo com os alunos estudos retrospectivos, aproveitando a experiência que eles desenvolvem em seus consultórios ou hospitais, sendo que muitos casos são transformados em dissertação. Assim, a partir do momento que existe um protocolo de procedimento, é possível realizar comparações e, após analisar as variáveis e a amostragem, pode surgir um trabalho de divulgação.

 

Logo após sua graduação, o senhor ingressou no mestrado e, na sequência, finalizou o doutorado. Demonstrando grande interesse no reparo do processo alveolar, certamente o seu conhecimento adquirido na época tem utilidade atualmente. A Odontologia Estética vive um momento em que cada milímetro é determinante entre o sucesso e o fracasso. Quais modificações alveolares, na área estética, o clínico pode esperar encontrar alguns meses após realizar uma extração?

Nas décadas que antecederam os implantes osseointegráveis, havia o paradigma que todo biomaterial implantado no alvéolo produzia retardo do processo de reparo alveolar, e que a melhor situação seria seu preenchimento com coágulo. Esse paradigma é verdadeiro até hoje mas, observou-se ao longo do tempo que o processo alveolar sofre uma remodelação óssea, mais comum em alvéolos com paredes vestibulares finas da maxila anterior, e que tem como consequência a perda do contorno do rebordo, podendo evoluir para processos alveolares atróficos que dificultam a instalação de implantes e a estética. Uma das formas de se trabalhar com esses casos é o preenchimento alveolar com biomateriais, ou até mesmo instalar implantes imediatamente após as exodontias, com preenchimento do gap com biomateriais com o objetivo de minimizar a remodelação do processo alveolar. É importante avaliar a cronologia do reparo nos casos de preenchimento alveolar, que pode variar de quatro a oito meses pós-operatórios. Mesmo assim, existem casos em que há necessidade de cirurgias de enxerto conjuntivo ou o uso de materiais que serão incorporados aos tecidos moles para melhorar a estética. No entanto, é importante que se diga que os biomateriais não estão indicados para todos os defeitos alveolares, e que muitas vezes o enxerto ósseo autógeno está indicado para reconstruir esses defeitos ósseos.

 

Atualmente, algumas técnicas publicadas foram desenvolvidas exclusivamente com o objetivo de manter a estabilidade do tecido gengival em arco e favorecer a melhora do fenótipo gengival para que haja previsibilidade e manutenção do arco côncavo regular em longo prazo. Algumas preconizam realizar implante imediato com carga imediata. Outras, acrescentam ao implante imediato, técnicas para realizar enxerto ósseo autógeno proveniente do túber. Enxerto de tecido conjuntivo e uso de materiais de origem animal, como enxerto xenógeno, também são descritos na literatura. A extração de um elemento anterossuperior ocasiona um momento de difícil decisão. O que fazer? Como o cirurgião dentista deve organizar seus pensamentos ao decidir qual a melhor técnica utilizar? Quais os aspectos mais importantes a serem considerados durante o diagnóstico antes de realizar a cirurgia?

Como disse anteriormente, é importante entender que os biomateriais apresentam alguns limites biológicos, e que o profissional tem de aplicar o senso crítico e o bom senso para trabalhar com esses casos. É importante diagnosticar o tipo de defeito ósseo e sua causa, o biótipo periodontal, o conhecimento real das propriedades biológicas do produto que ele está planejando utilizar e seu domínio técnico para solucionar o problema. Além desses fatores, há a necessidade de conhecer o paciente e o grau de colaboração que apresenta.

 

A preservação do processo alveolar, tão importante para atingir o sucesso esperado, depende não só da técnica utilizada para mantê-lo, mas, também, da técnica empregada na extração do elemento dentário. Muitas vezes o tempo destinado a realizar a exodontia se prolonga mais do que o tempo necessário para realizar a instalação do implante imediato. O que o senhor considera como exodontia atraumática? Quais as peças que não podem faltar em seu instrumental cirúrgico para realizar uma exodontia atraumática? Em sua opinião, existem momentos em que é indispensável abrir retalho na região anterior? Quais são eles?

Não existe cirurgia atraumática. As cirurgias são de maior ou menor complexidade, mas todas impõem um grau de traumatismo ao paciente. Para definir a técnica exodôntica, é importante analisar, por meio das radiografias e dos exames de imagem, a forma da raiz, como também sua fragilidade e sua relação com dentes vizinhos e estruturas anatômicas. Para as exodontias terem menor trauma possível, é importante saber usar desde o fórceps ao periótomo. Já as incisões na região anterior da maxila estão indicadas sempre que não houver acessibilidade para aplicação do instrumental usado para extrações, havendo a necessidade de osteotomias, mas elas devem ser realizadas de forma econômica, sem que haja o prejuízo do procedimento cirúrgico.

 

Um fenômeno percebido ainda nos experimentos em cachorro, realizados pelo professor Brånemark, é a saucerização. A remodelação óssea pericervical presente em todos os modelos de implante e conexões protéticas é fator relevante para a manutenção, em médio e em longo prazo, dos tecidos peri-implantares. Diferentes tipos de conexões protéticas, como Cone Morse e platform switching, foram desenvolvidas para que essa remodelação aconteça sem perda óssea. Quais são os fatores que determinam a remodelação óssea nessa região? Quais as vantagens e desvantagens das conexões Cone Morse e platform switching?

A perda óssea peri-implantar tem aspecto multifatorial porque pode acontecer devido à instalação de implantes em tecido ósseo com espessura limítrofe, assim, por não haver uma revascularização adequada, como também devido a causas microbiológicas e biomecânicas, esse tecido sofre reabsorção. Alguns trabalhos mostram que o biótipo periodontal também pode estar envolvido. Além desses fatores, pode haver a instalação e/ou agravamento do quadro clínico devido a fatores locais como higiene, hábitos como o tabagismo e algumas enfermidades sistêmicas. É muito difícil estabelecer uma causa para as perdas ósseas peri-implantares. O profissional tem de possuir discernimento e utilizar-se de todas as ferramentas de diagnóstico e de informação possíveis para definir o perfil de seu paciente e o planejamento cirúrgico-protético mais indicado, de acordo com a expectativa do paciente.

 

Com relação às vantagens e desvantagens das conexões Morse e platform switching, temos realizado algumas pesquisas microbiológicas in vitro e observamos que os implantes Cone Morse apresentam uma vedação importante, o que, em tese, dificultaria a colonização bacteriana na interface componente protético-implante. Já o plataform switching afasta, em teoria, esse gap da região peri-implantar e, com isso, o tecido ósseo não seria atingido pela presença das bactérias.

 

Outros trabalhos in vitro estão sendo realizados utilizando os métodos do modelo fotoelástico e de elementos finitos, demonstrando que a tendência das forças que incidem nesses implantes (Cone Morse ou com plataform switching) projetam-se de forma centralizada, fazendo com que o maior estresse não se concentre na região peri-implantar.

 

Assim, as pesquisas têm demonstrado que as vantagens são biomecânicas e microbiológicas, mas a clínica é soberana, e cabe a ela comprovar esses resultados — o que tem acontecido nos últimos anos por meio dos trabalhos clínicos dos tipos prospectivo e retrospectivo.

 

Frequentemente, pacientes que perderam dentes posteriores na maxila há muito tempo, procuram cirurgiões-dentistas para a realização de implantes. Como consequência de um processo fisiológico de atrofia óssea, a cavidade do seio maxilar aumenta, impossibilitando a instalação dos implantes sem que antes seja realizado procedimento para enxerto ósseo. Quais as opções disponíveis, atualmente, para realização de elevação da membrana Schneideriana? Fazendo um comparativo entre enxerto ósseo autógeno e xenógeno, quais as vantagens e desvantagens entre eles para a região do seio maxilar?

O enxerto sinusal para posterior instalação de implantes é um procedimento realizado com grande frequência pelo especialista em Implantodontia ou pelo cirurgião bucomaxilofacial. Para esse tipo de cirurgia, é importante analisar o osso remanescente e a dimensão do seio maxilar no sentido laterolateral. No livro que publicamos em 2011 (Fundamentos da Implantodontia, Editora Quintessência), divulgamos o protocolo de indicação em que quando houver até 5mm de osso remanescente, indica-se osso autógeno ou osso autógeno associado a biomaterial inorgânico; de 5 a 7mm de osso remanescente, usa-se somente biomaterial; e de 7 a 10mm, indica-se a instalação de implantes pela técnica de Summers. Nas duas últimas indicações, o importante é que o implante fique com estabilidade inicial. Mais, recentemente, alguns trabalhos têm sido divulgados propagando que, aplicando a técnica imediata, se o implante ficar com estabilidade, não há necessidade de material de preenchimento. Já a indicação da dimensão do seio baseia-se em um trabalho divulgado em 2010, em que o seio maxilar com dimensão maior do que 12mm no sentido laterolateral necessitaria de enxerto autógeno associado ou não a biomaterial osteocondutor.

 

Quanto aos resultados clínicos ao se usar osso autógeno ou material xenógeno, se houver uma boa indicação com procedimento cirúrgico sem acidente (como, por exemplo, a laceração da membrana sinusal) e uma prévia avaliação de história pregressa, recente ou atual de patologia sinusal, os resultados são muito promissores, com estudos retrospectivos indicando índices de sucesso na osseointegração variando de 90 a 98%.

 

Na região anterior da maxila, a atrofia óssea acontece em altura e espessura, o que torna sua reconstrução bem diferente do seio maxilar, por não se tratar de uma cavidade. O osso particulado, para esse tipo de reconstrução, apresenta grande dificuldade de estabilização, sendo mais comum a utilização de enxerto em bloco, parafusado ao leito receptor. O enxerto em bloco autógeno pode ser obtido de várias regiões intra- e extrabucais. Considerando fatores como morbidade cirúrgica, disponibilidade de tecido a ser removido, qualidade do enxerto e manutenção do volume em longo prazo, qual é o melhor enxerto?

Os melhores enxertos autógenos são os de característica corticomedular. Entre as áreas intrabucais, o enxerto da linha oblíqua é predominantemente cortical, e o mento tem característica corticomedular. O que difere é o pós-operatório, porque o mento pode apresentar algumas complicações indesejáveis. Os dois tipos de enxerto mantêm o volume no pós-operatório tardio, com a vantagem de maior disponibilidade óssea na região mentoniana.

 

Áreas doadoras intrabucais são limitadas quanto à disponibilidade de tecido. Quando há necessidade de grande quantidade de enxerto para realizar a reconstrução óssea, é possível lançar mão de técnicas para obter tecido autógeno em regiões extrabucais. O senhor poderia descrever, apontando os pontos fortes e fracos, as técnicas mais comumente utilizadas pelos cirurgiões-dentistas brasileiros?

As áreas mais abordadas da região extrabucal são a crista ilíaca anterior e a calota craniana. Entre essas áreas, a calota craniana tem a vantagem de manter o volume conseguido no pós-operatório por um longo período, enquanto a crista ilíaca perde em volume devido às dimensões do espaço trabecular. Outra vantagem da calota craniana é a qualidade óssea. As áreas reconstruídas com enxerto obtido na calota craniana apresentam osso com características de osso tipo II, enquanto na crista ilíaca o osso é do tipo III ou IV. No entanto, a crista ilíaca proporciona blocos com a possibilidade de promover aumento em altura e espessura em um só bloco, o que não é possível nos enxertos obtidos na calota craniana.

 

Entre suas publicações, é possível identificar a preferência pela remoção de enxerto da calota craniana, técnica muitas vezes estudada e publicada em pesquisas sob sua liderança. Grande parte da população, especialmente aqueles que possuem atrofia óssea, são indivíduos que passaram algum trauma odontológico na vida jovem. A Implantodontia tem o papel de consertar a imagem de uma das profissões mais associadas ao medo. Como é a tarefa de conversar com um paciente inseguro quanto ao tratamento e oferecer a ele uma técnica em que será necessário incisar o tecido do couro cabeludo?

Nunca tento convencer o paciente sobre as vantagens da calota craniana. Procuro explicar, inicialmente, que para atingir suas expectativas de tratamento, é necessária a cirurgia reconstrutiva, e que para o seu grau de atrofia, será necessária a abordagem da calota craniana ou da crista ilíaca em ambiente hospitalar. De qualquer forma, o paciente recebe um impacto, mas quando falamos sobre o tipo de pós-operatório que temos em cada uma das abordagens, a opção da calota craniana se faz mais interessante. Muitos colegas fazem essa pergunta em cursos ou conferências, e eu tenho a impressão que a aceitação do paciente acontece pela segurança que o profissional tem em expor a necessidade do enxerto e as vantagens de uma ou de outra área. Em uma dissertação que orientamos na SLMandic de Campinas, os pacientes submetidos a esse tipo de procedimento responderam, unanimemente, que indicariam, ou fariam novamente, o procedimento de obtenção de osso de calota craniana, se fosse necessário.

 

Uma das únicas desvantagens da utilização de enxerto ósseo autógeno, seja intrabucal ou extrabucal, é a necessidade de um segundo sítio cirúrgico. Uma alternativa comum, principalmente quando há necessidade de grande quantidade de enxerto, é a utilização de osso heterólogo, proveniente de bancos de tecidos musculoesqueléticos. Qual é a sua opinião em relação à utilização de osso de banco?

Não tenho nenhuma experiência clínica com o uso de blocos ósseos originados de banco de tecidos. Tenho acompanhado as publicações nacionais e internacionais, mas o que me chamou a atenção é que a JOMI, em 2010 (2010; 25: 525-531), publicou uma revisão sistemática sobre o assunto, e concluiu que o assunto tem evidências insuficientes para estabelecer a eficácia do tratamento relativo à incorporação do enxerto, aumento de rebordo e sobrevivência dos implantes. Em 2008, o doutorando Garbin Junior, da UNESP de Araçatuba, realizou pesquisa comparando enxertos autógeno e homógeno, concluindo que nos grupos tardios o osso autógeno havia sido substituído, enquanto o osso homógeno apresentava-se incorporado, porém sem remodelação e acelular.

 

Companhias conhecidas por comercializar osso particulado de origem xenógena, recentemente disponibilizaram, ao mercado, osso dessa origem em blocos. O senhor acredita ser uma alternativa viável para as grandes reconstruções, hoje possíveis apenas com osso de origem autógena?

Da mesma forma que na resposta da questão anterior, não tenho essa experiência clínica. Recentemente, fizemos a fase cirúrgica de uma pesquisa com esse tipo de material, e em breve teremos alguma resposta, muito embora alguns colegas tenham mostrado casos clínicos com aparente sucesso, mas sem publicação. Também na UNESP de Araçatuba, o doutorando Faverani realizou, em 2013, pesquisa com bloco de osso bovino mineral, concluindo que o enxerto realizado com DBBM não promoveu osseointegração.

 

Nos últimos dez anos, as técnicas cirúrgicas para instalação de implantes evoluíram para alternativas que dispensam o uso de enxerto ósseo. Os exemplos mais comuns são implantes zigomáticos e a técnica All-on-4. O senhor acredita que é possível, para todos os casos de maxila edêntula, não haver mais a necessidade de aumento do tecido ósseo por meio de enxertos?

O critério de indicação em que uso a técnica All-on-4 fica restrito a casos em que o seio maxilar está pneumatizado, no entanto, em uma posição mais posterior e, também, quando o paciente reluta em aceitar o enxerto sinusal. Nas situações que a usei, tive bons resultados.

 

Já para a reabilitação de pacientes com maxilas atróficas utilizando-se da fixação zigomática, indico-a nos casos em que os implantes e o enxerto autógeno foram utilizados com insucesso. Tenho acompanhado, por meio de publicações, os casos de dois colegas que respeito muito e que se utilizam dessa técnica com maior frequência, o Dr. Hugo Nary e o Dr. Paulo Saad, como também artigos publicados na literatura que mostram índice de sucesso interessante, desde que realizado por profissionais experientes, conhecedores da técnica e de suas dificuldades, baseados em um planejamento criterioso.

 

Portanto, não sou radical em afirmar que não há mais a necessidade de enxerto autógeno para solucionar o problema das maxilas atróficas.

 

Ao longo de sua carreira, muitas mudanças aconteceram na Odontologia. A profissão, considerada como traumática por grande parte da população, está evoluindo para uma nova posição. A Implantodontia, há mais de 25 anos no Brasil, modificou a vida de milhares de pacientes, devolvendo a segurança e a autoestima. Mais recentemente, a Odontologia Estética está cumprindo seu papel em se preocupar com o refinamento e a beleza dos tratamentos. Consequentemente, os cirurgiões-dentistas passam a ter o papel que eles merecem, atuando como profissionais da beleza e do bem-estar. Qual o aspecto que mais o motivou a lutar e se esforçar para conseguir essa carreira sólida já conquistada? 

A minha carreira teve início na Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (onde continuo até hoje, na graduação da Faculdade de Odontologia de Bauru da USP) e a partir de 1989, com os estudos paralelos sobre a Implantodontia. Nascido em uma escola que incentivava a busca dos “porquês” por meio da pesquisa experimental, iniciei junto com os professores Márcio Giampietro Sanches, Álvaro Bosco, Renato Rossi e minha esposa, a Dra. Mariliza Comar Astolphi de Carvalho, uma série de pesquisas experimentais sobre osseointegração dos implantes nacionais, com destaque para os Sistemas Conexão e Emfils, e mais tarde, já nos anos 2000, com os doutorandos Ariel Lenharo, Antonio Vicente Souza Pinto e Laércio Vasconcelos, que pesquisaram tanto em animais como em humanos a técnica da carga imediata. Essas pesquisas, aliadas às pesquisas experimentais sobre biomateriais, passaram a ser expostas em eventos científicos, procurando sempre aliar os resultados à prática clínica e, aos poucos, a carreira foi se consolidando. Assim, a motivação inicial recaiu sobre a necessidade de estudar para conhecer melhor a nova especialidade que se estabelecia no Brasil, e a sequência de fatos posteriores de minha carreira foram acontecendo com base, sempre, em muito trabalho de equipe, onde cada um tem grande valor, além do interesse em criar uma consciência profissional responsável por meio do conhecimento científico e do estudo continuado sobre essa especialidade, a Implantodontia, que, baseada em um planejamento reverso criterioso, é capaz de melhorar a autoestima do paciente, de melhorar sua função mastigatória, mas, acima de tudo, de fazê-lo sorrir.

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