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Uma Entrevista com: Marissa C. Keesler

dpjo_v19_n02_27destaqueA Dra. Marissa Keesler graduou-se em Odontologia pela Creighton University (EUA) e em 1987 recebeu, com distinção, o título de Doutora em Odontologia, área de concentração em Cirurgia. Em 1989, recebeu o título de Mestre em Ortodontia, pela Marquette University. É professora adjunta no Curso de Graduação do Departamento de Ortodontia da Marquette University desde 1990, além de conferencista convidada em várias universidades e grupos relacionados à Ortodontia nosEUA e ao redor do mundo. Tem dado valiosa contribuição na publicação de diversos livros, relacionados ao tratamento multidisciplinar e à técnica de colagem indireta. É membro de renomadas entidades científicas como a Associação Americana de Ortodontistas, Sociedade Edward H. Angle, Academia Pierre Fauchard, entre outras. Diplomada pelo conceituado American Board of Orthodontics e graduada pelo AEO Roth/Williams Center, a Dra. Keesler está envolvida na prática de especialidades odontológicas desde 1989 e tem trabalhado em sua clínica particular, na cidade de Neenah (Wisconsin, EUA), desde 1992.

Dr. Roberto Lima Filho

 

 

1. Com base em sua prática clínica, você poderia dizer se há alguma diferença, em relação à eficácia, entre os tratamentos realizados em duas fases e aqueles conduzidos em uma única fase? Fernanda Catharino

Ao determinar se o tratamento ortodôntico precoce deve ser considerado ou não, eu me pergunto, com certa frequência: “Os problemas apresentados por um determinado paciente jovem irão piorar se esperarmos até que os outros dentes decíduos tenham irrompido, ou esses problemas permanecerão estáveis ou melhorarão com o tempo?”. Se a primeira alternativa for a verdadeira, o tratamento precoce é, então, recomendado. Alguns dos problemas que podem ser corrigidos durante essa primeira fase incluem: apinhamento de grau moderado a grave, hábitos deletérios (sucção digital ou interposição lingual), erupção ectópica de alguns dentes permanentes (primeiros molares superiores), mordida cruzada de dentes permanentes e mordida cruzada funcional de dentes decíduos. Eu tento estabelecer, de forma precisa, o início de todos os tratamentos em uma fase para que sua duração possa ser de um ano ou menos. Os pais dos pacientes são informados de que, após a erupção de todos os dentes permanentes, um novo diagnóstico será feito para avaliar a necessidade de uma segunda fase de tratamento. Nos casos em que há indicação dessa fase II, sua duração pode variar de 12 a 18 meses, dependendo da má oclusão e dos desvios esqueléticos remanescentes.

Se o tratamento em uma única fase for o mais indicado para um paciente jovem, seu crescimento e desenvolvimento serão monitorados (a cada 6 ou 12 meses), até que todos os dentes permanentes tenham irrompido, inclusive os segundos molares. Esperar até que os segundos molares tenham irrompido, para iniciar o tratamento, irá garantir que qualquer problema relacionado à erupção e torque desses dentes possa ser resolvido imediatamente; também, que o tratamento evolua rapidamente sem que seja preciso reduzir o tamanho da arcada depois ou, ainda, que outras intervenções sejam necessárias no futuro. A duração dessa terapia pode variar de 12 a 24 meses, dependendo da gravidade dos problemas.

Apesar de ser verdade que o tratamento em uma fase parece mais eficiente em termos de custo e tempo total de duração, acredito que há muitos casos em que o resultado final ideal, incluindo estética facial e dentária, além de saúde periodontal, pode ser melhor alcançado em duas fases.

 

2. Com relação aos efeitos da intervenção precoce no crescimento mandibular, qual é a época ideal para iniciar o tratamento em pacientes Classe II? Fernanda Catharino

Eu costumo utilizar o estágio da dentição (mista tardia ou permanente precoce) para determinar a melhor época para começar o tratamento da Classe II. Também uso o método de maturação das vértebras cervicais (MVC) desenvolvido por Don Lamparski1,2 e preconizado por Jim McNamara. Esse método determina o nível de maturação das vértebras cervicais por meio de telerradiografia de perfil, sendo que o período mais favorável para iniciar o tratamento parece ser durante o crescimento circumpuberal.

Na maioria das vezes, se a discrepância em relação cêntrica for menor do que a metade de um dente, considera-se o uso de um AEB. Os casos em que essa discrepância é maior ou que apresentem mordida topo a topo são tratados com o uso do aparelho de Herbst, sendo importante lembrar que a maioria dos estudos mostra que os efeitos produzidos pelo tratamento com esse tipo de aparelho funcional dentossuportado são 50% dentários e 50% esqueléticos3,4. Ainda, é preciso atentar-se, também, para as análises cefalométricas que indicam se o crescimento mandibular será favorável ou não (como é o caso, na análise de Jarabak, dos ângulos goníacos superior e inferior, e do comprimento do corpo mandibular)5. Nos casos de discrepância esquelética de Classe II severa e crescimento mandibular desfavorável, o crescimento e o desenvolvimento são monitorados, e o tratamento cirúrgico-ortodôntico é recomendado após o período de maturação esquelética do paciente.

Já nos casos em que o paciente apresenta má oclusão de Classe II grave, que afete sua autoimagem ou autoestima, a intervenção pode ser antecipada, desde que todos (paciente, pais e o dentista que fez o encaminhamento) compreendam que um tratamento abrangente ainda será necessário no futuro, podendo incluir a cirurgia ortognática.

 

3. Em sua opinião, quais os principais aspectos a serem observados, na finalização do tratamento ortodôntico, para garantir a estabilidade em longo prazo? Fernanda Catharino

Embora possamos discutir se as relações oclusais não ideais afetam a dentição6, na minha opinião, após avaliar os casos finalizados que tratamos, acredito que a estabilidade em longo prazo pode ser influenciada pela obtenção de uma oclusão funcional ideal, pelo grau de discrepância RC-OC remanescente, além do detalhamento da oclusão obtido ao final do tratamento. Um adequado posicionamento dos braquetes desde o início do tratamento irá minimizar as dobras no arco e evitar recolagens, reduzindo, assim, o round-tripping, bem como a duração do tratamento. Um protocolo de contenção satisfatório também é um fator importante para a estabilidade dos resultados em longo prazo.

 

4. Um dos problemas enfrentados por muitos clínicos, ao usar a técnica de colagem indireta, é o excesso de resina ao redor dos braquetes. Como esse problema pode ser evitado com a técnica de colagem que você usa? Fernanda Catharino

A colagem indireta é um procedimento que depende muito da técnica, e cada passo deve ser realizado com muita atenção para que resultados ideais possam ser atingidos. Nós utilizamos o protocolo descrito a seguir, para posicionamento dos braquetes nos modelos de trabalho.

Com um lápis preto ou lapiseira (como a Pentel™ 0,03mm), desenhamos o longo eixo e as cristas marginais dos dentes nos modelos de trabalho. Fazemos uma marca 2mm abaixo da linha da crista marginal em todos os dentes posteriores, para determinar a posição dos slots de cada braquete. Um compasso de ponta seca (Dentaurum™) e uma régua milimetrada são utilizados para determinar a marca de 2mm. Isso garante que todas as cristas marginais estejam niveladas ao final do tratamento. Na arcada inferior, a distância que vai do slot do braquete à ponta da cúspide dos primeiros pré-molares é transferida para todos os incisivos, adicionando-se 0,5mm para os caninos. Na arcada superior, a distância que vai do slot do braquete à ponta da cúspide dos primeiros pré-molares é transferida para os incisivos laterais, adicionando-se 0,5mm para os incisivos centrais e para os caninos.

Duas finas camadas de uma solução com agente separador e água (na proporção de 1:6) são aplicadas nos modelos, aguardando-se cinco minutos até secar. Um compósito fotopolimerizável, Transbond XT™ (3M Unitek) é colocado sobre a malha de cada braquete, de forma a preparar sua base; os braquetes são, então, instalados sobre os modelos de trabalho. É importante que cada braquete seja colocado da maneira mais precisa possível, para se evitar ao máximo o reposicionamento desses antes da polimerização do compósito, assim mantendo a integridade da preparação feita em suas bases. Os braquetes são posicionados e o excesso de resina é removido com o auxílio de um esculpidor de Hollenbach. Os modelos são colocados em uma unidade de fotopolimerização Triad® 2000, por cinco minutos.

Existem muitas maneiras diferentes para se confeccionar as moldeiras de transferência e, depois de experimentar vários sistemas nos últimos 26 anos (incluindo os 2 anos em que fui residente no programa da Marquette University), concluí que o sistema com moldeira dupla proporciona os resultados mais precisos e consistentes. Uma camada de agente separador (General Purpose Silicone Mold Release ou óleo de cozinha em spray — o PAM®, por exemplo) é borrifada sobre os modelos e braquetes, e uma fina lâmina com 1,5mm de Bioplast transparente é aplicada, por meio de termoformagem à vácuo com uma máquina Biostar® (Great Lakes Orthodontics), sobre os modelos já com braquetes. O excesso de material é aparado com o auxílio de tesouras pequenas. O agente separador é novamente borrifado na superfície externa da moldeira de Bioplast e uma fina camada (com 1mm de espessura) de Biocryl é então termoformada à vácuo sobre a primeira moldeira. O agente separador evita que as duas moldeiras se fundam, permitindo que sejam ajustadas separadamente. O excesso de Biocryl é aparado utilizando-se tesouras pequenas e o contorno da moldeira é finalizado com um disco de corte, montado em peça de mão, a baixa velocidade. O modelo é, então, mergulhado em água por aproximadamente 10-15 minutos. As moldeiras com os braquetes são removidas dos modelos com o auxílio de uma faca para gesso e imediatamente colocadas na unidade Triad, onde ficam por mais 1 minuto, com os braquetes voltados para cima. As bases dos braquetes, modificadas com resina, passam por uma sutil microabrasão com óxido de alumínio de 50μm, para que sejam limpas e permitam uma colagem satisfatória — geralmente, 1 ou 2 segundos devem ser suficientes, certificando-se de que a resina não seja desgastada. O excesso de óxido de alumínio é removido das bases dos braquetes usando-se ar comprimido, e elas são limpas com uma máquina manual de limpeza a vapor. Depois da secagem completa, uma broca reta para peça de mão é utilizada, em alta velocidade, para remover os excessos de material compósito ao redor dos braquetes (Fig. 1).

As moldeiras são separadas e a flexível é aparada com o auxílio de tesouras pequenas, enquanto a rígida, com um bisturi Bard-Parker. A moldeira flexível em Bioplast deve se estender até a margem gengival, enquanto a rígida, em Biocryl, deve se estender somente até os slots dos braquetes. As áreas ao redor das aletas dos braquetes são liberadas da moldeira flexível por meio de cortes feitos perto de cada aleta, com o auxílio de tesouras pequenas e afiadas, a fim de permitir que a moldeira seja facilmente retirada durante o procedimento clínico. As duas moldeiras, a flexível e a rígida, são, então, novamente encaixadas.

O protocolo que utilizamos para procedimentos de colagem em nosso consultório é: após limpar todas as superfícies dentárias em que serão colados braquetes, as bases desses são preparadas com a resina Assure® Universal Bonding Resin (Reliance Orthodontic Products, EUA). Uma fina linha de adesivo fluido é aplicada sobre a borda gengival da base de cada um dos braquetes de molar; além de um pequeno ponto de adesivo na área central da borda gengival dos braquetes de um segundo pré-molar ao outro (Fig. 2). Após preparadas, as moldeiras para colagem indireta são colocadas em uma caixa para proteção contra a luz, até que estejam prontas para serem colocadas sobre os dentes. A cavidade bucal deve ser bem isolada, usando-se: NeoDrys™ (para absorver a saliva), afastador de bochechas (Nola Dry Field System, Great Lakes Orthodontics, Ltd.) e protetor lingual (Quest™ Dry Field System, Ortho Quest). Em seguida, os dentes são completamente secos e as faces vestibulares que receberão braquetes são tratadas, em uma das arcadas, com ácido fosfórico a 37 ou 40% ­(de consistência líquida viscosa ou gel) durante 15 a 30 segundos e, em seguida, são completamente enxaguadas. Todos os dentes são secos com o auxílio de um secador de ar quente para dentes. Com o auxílio de uma escova, uma fina camada de resina Assure Universal Bonding Resin é aplicada ao esmalte previamente condicionado. A vantagem desse primer hidrofílico é que pode ser utilizado em quase todo tipo de superfície. A moldeira é, então, posicionada e os dentes são fotopolimerizados durante 10 segundos com luz halógena de alta intensidade ou LED, ou por 5 a 10 segundos com laser de argônio. O mesmo procedimento é realizado para a arcada oposta. A moldeira externa, rígida, é facilmente removida; e a interna, flexível, é removida com o auxílio de um raspador, utilizado para retirar o material ao redor das aletas de cada braquete.

Se todos os passos forem cuidadosamente realizados, a quantidade de adesivo ao redor dos braquetes ao final do procedimento será mínima, ou nula, e poderá ser facilmente removida com o auxílio de um raspador (Fig. 3).

 

5. Com base em sua experiência clínica, quais são as vantagens (além da higiene) de se usar braquetes autoligáveis, em comparação com os aparelhos convencionais? Luciana Closs

Nós temos utilizado o sistema de braquetes autoligáveis há 14 anos e observamos uma série de vantagens que influenciam na qualidade dos resultados obtidos, em comparação com o uso de braquetes convencionais. A mais importante, na minha opinião, é a possibilidade de se obter uma completa expressão da prescrição dos braquetes, mediante o uso de fios mais grossos de aço inoxidável — os quais podem ser facilmente colocados quando são usados braquetes autoligáveis ativos. Uma sequência de fios aplicada com frequência em nossa prática clínica consiste em: NiTi 0,014”, BioForce® 0,019” x 0,025” (Dentsply GAC), aço inoxidável 0,019” x 0,025” e aço inoxidável 0,022” x 0,028”. Será, porém, difícil encaixar e prender nos braquetes um fio mais grosso se o fio anterior não tiver tido tempo suficiente para expressar-se completamente. Se isso ocorrer, o fio anterior deverá ser mantido por um período maior, ou um próximo fio de menor calibre deverá ser considerado.

Em nossa prática clínica, resultados finais ideais, com torques apropriados e correção das rotações, são obtidos de forma consistente por meio do uso de braquetes autoligáveis ativos, sem que precisemos recorrer ao uso de ligaduras metálicas. Esse tipo de braquete, juntamente com o uso da técnica de colagem indireta, são duas ferramentas importantes que nos permitem obter posições dentárias excelentes, de maneira confiável e consistente.

 

6. Qual é o seu protocolo para contenção? Considerando-se o risco de anquilose nos dentes em que a contenção 3×3 é colada, você recomendaria seu uso em longo prazo? Luciana Closs

Nosso protocolo para contenção consiste no seguinte: alguns meses antes do término do tratamento, modelos em relação cêntrica são obtidos para avaliar, tridimensionalmente, a oclusão e a posição de cada dente. Se necessário, ajustes adicionais mínimos são realizados nesses mesmos modelos e eles são enviados a um laboratório comercial, para a fabricação de um posicionador dentário em relação cêntrica. Se uma contenção fixa inferior 3×3 fizer parte do plano de contenção (devido, por exemplo, a rotações dentárias graves ou grandes diastemas antes do tratamento), uma moldagem, para confecção da contenção, é feita uma semana antes da remoção do aparelho fixo. Na consulta para remoção do aparelho, a contenção fixa é, primeiro, colada de forma indireta e, em seguida, os braquetes e restos de cimento adesivo são removidos e melhorias estéticas realizadas. O paciente experimenta o posicionador dentário em relação cêntrica, e é instruído quanto ao seu uso (período integral nos primeiros quatro dias, e por quatro horas mais o período noturno nas sete semanas seguintes). Na próxima consulta, a documentação pós-tratamento é realizada, bem como uma moldagem para confecção das contenções removíveis inferior e superior. Na maioria das vezes, a contenção superior é fabricada em acrílico transparente, para também proteger os dentes de hábitos como o bruxismo ou apertamento dentário. Porém, se o tratamento incluiu expansão rápida da maxila, deve-se confeccionar um retentor do tipo wraparound. Um spring aligner é utilizado como contenção removível inferior. Os dentes devem permanecer o máximo possível com esse posicionador, assim, o paciente é instruído a utilizá-lo por 12 horas todas as noites, assim que recebe o aparelho.

Caso seja usada uma contenção inferior fixa, deve ser mantida durante dois anos ou, em pacientes adolescentes, até que a condição dos terceiros molares seja determinada. Depois disso, o paciente pode manter essa contenção fixa por um período indeterminado ou substituí-la por um spring aligner. Na maioria das vezes, os pacientes optam por manter a contenção fixa. Entretanto, essa opção não é apresentada quando o paciente demonstra tendência ao acúmulo de tártaro ao redor do fio. Nesses casos, a contenção fixa é automaticamente removida e substituída por uma removível, após dois anos de contenção, ou antes, conforme recomendação do clínico geral.

Com base em minha experiência, nunca observei anquilose em dentes suporte para a contenção 3×3 em longo prazo. Todavia, observei alguns casos com recidiva da mordida aberta ou casos em que um dente impactado ficou mais evidente quando os dentes previamente afetados foram ‘esplintados’ com uma contenção fixa.

 

7. Em sua prática clínica, quais são as indicações para o uso de Invisalign e qual a sua opinião sobre o uso desse sistema para finalização dos casos? Luciana Closs

Embora o Invisalign® esteja presente em nossa clínica, não o utilizamos com frequência, a não ser que seja a única opção do paciente (em sua maioria, adultos) e se eu constatar que há indicação. Irei considerar o sistema Invisalign® somente em casos de apinhamento leve ou diastemas pequenos, e nos quais não seja necessário, ou planejado, corrigir discrepâncias oclusais ou esqueléticas.

Com as técnicas que usamos em nossa clínica, nunca senti a necessidade de considerar o Invisalign®, ou outro sistema baseado em computador, para a finalização de qualquer um de meus casos. Se, após reavaliar a posição dos dentes durante o tratamento (usando uma radiografia panorâmica de acompanhamento), for determinado que detalhamento adicional é necessário, isso será feito por meio de reposicionamento dos braquetes. Se os braquetes estiverem posicionados de maneira correta em todos os dentes e um sistema adequado for utilizado, será possível finalizar todos os casos com um arco reto e usando aparelhos Straight-Wire (Fig. 4)7,8.

 

8. Quais ferramentas você utiliza para que as fases de tratamento e pós-tratamento estejam em conformidade (uso de elásticos e contenções, por exemplo)? Luciana Closs

Boa comunicação e uma documentação adequada também são aspectos fundamentais para se atingir os objetivos do tratamento e atender às expectativas de todos. É indispensável colher informações e elaborar uma documentação inicial precisa, para que se possa obter um diagnóstico e plano de tratamento ideais para o paciente. Em seu aclamado livro Os sete hábitos de pessoas altamente eficazes, Stephen Covey sugere que “comecemos com o fim em mente”. Além de ser um grande conselho para qualquer empreendimento, é fundamental para o tratamento ortodôntico. Antes do início do tratamento, é importante que o resultado esperado esteja bem claro, para que os objetivos sejam determinados e possam ser compartilhados com o paciente, os pais e o dentista que fez a indicação.

Uma explicação detalhada sobre a importância dos elásticos e contenções, e as possíveis repercussões caso não sejam utilizados adequadamente, deve fazer parte das informações dadas ao paciente no momento em que esses aparelhos são colocados. Se uma falta de comprometimento for detectada e discutida, mas mesmo assim não houver melhora após algumas consultas, faz parte de nossa política profissional tirar, imediatamente, fotografias intrabucais e compartilhá-las com o paciente e seus pais, durante uma conversa em particular ao final da consulta. As melhoras atingidas até esse momento devem ser destacadas e o trabalho que ainda falta ser feito para que se possa finalizar o tratamento deve ser discutido, juntamente com os desafios resultantes da falta de cooperação. Estipula-se, então, um prazo para que o paciente apresente melhoras. Se nenhuma mudança for observada após esse prazo estipulado, os aparelhos ortodônticos são removidos e o paciente recebe um splint para contenção superior — que deve ser utilizado, em período noturno, por tempo indeterminado. Esse splint ajudará a proteger os dentes e as articulações, além de compensar a má oclusão remanescente até que o paciente decida, quando mais velho, se deseja ou não finalizar o tratamento. Essa conversa sobre a cooperação também nos permite analisar se a família está comprometida e deseja se esforçar para alcançar os resultados ideais. Se uma atitude negativa for observada, sugere-se que o aparelho ortodôntico seja imediatamente removido, para se evitar danos irreversíveis, além do desperdício de tempo.

Essas consultas não são necessárias com frequência, visto que sempre procuramos ser pró-ativos, em vez de reativos, desde o começo do tratamento. Um diagnóstico bem feito, em decorrência de uma documentação pré-tratamento adequada, também evita que culpemos, erroneamente, os pacientes por não terem cooperado, caso não haja melhoras com o uso de determinados dispositivos ortodônticos (como elásticos ou aparelho extrabucal) — quando, na verdade, o problema pode ser devido a um diagnóstico mal feito e uma tentativa de se alcançar o impossível.

Além disso, é importante manter uma boa comunicação com o dentista que fez a indicação. Na década de 80, o sociólogo e futurista Avrom King postulou que a Odontologia de excelência era comportamentalmente autolimitada. King queria dizer que, independentemente dos conhecimentos técnicos do dentista, a não ser que ele possuísse as competências comportamentais necessárias para se comunicar — incluindo a habilidade de ouvir atentamente seus pacientes e motivá-los —, suas habilidades técnicas seriam inúteis9.

 

9. Considerando-se a qualidade excepcional de finalização dos seus casos, gostaríamos de saber se, além da colagem indireta de braquetes, você utiliza alguma outra artimanha na fase de descolagem? Nelson Mucha

Na minha opinião, alguns dos aspectos técnicos mais importantes que contribuem para a obtenção de resultados com excelência incluem: o uso da técnica de colagem indireta e dos braquetes autoligáveis; montagem dos modelos de diagnóstico em relação cêntrica; avaliação da coordenação dos fios inferior e superior a cada consulta; além do uso de posicionadores dentários em relação cêntrica, imediatamente após a remoção do aparelho ortodôntico.

Próximo da descolagem, deve-se — caso isso ainda não tenha sido feito em outro momento durante o tratamento — reavaliar e harmonizar as bordas incisais dos incisivos superiores e inferiores, para confirmar que esses dentes encontram-se, verticalmente, na altura adequada e que seguem o arco do sorriso do paciente. Em casos de fraturas incisais graves, recomenda-se a realização de restaurações imediatamente após o uso do posicionador dentário. Qualquer tipo de reanatomização de dentes pequenos, como é o caso dos incisivos laterais conoides, é feito assim que houver suficiente espaço à mesial e à distal desses dentes, a fim de se evitar o uso prolongado de molas espirais.

 

10. Ainda em relação à finalização dos casos, você utiliza uma sequência especial de procedimentos, ou um checklist, antes da descolagem? Em caso positivo, quais seriam? Poderia nos dizer? Nelson Mucha

Na metade do tratamento e antes de instalar o primeiro fio retangular de aço inoxidável, uma radiografia panorâmica de acompanhamento é realizada para avaliar o posicionamento radicular e a angulação dos dentes. Levando em consideração a possibilidade de distorções radiográficas, essa panorâmica é utilizada apenas como um guia para decidirmos se algum braquete precisa ser reposicionado. Ao se verificar que o paciente está pronto para a descolagem, várias consultas já são agendadas. A primeira delas tem a finalidade de realizar moldagens, definirmos o eixo de rotação mandibular e o registro da RC (técnica power centric de Roth) para confecção de um posicionador dentário. Na segunda consulta, são feitas moldagens para confecção de qualquer tipo de contenção fixa indicada. A última consulta acontece uma semana depois, para a descolagem propriamente dita. As contenções linguais fixas são colocadas por meio da técnica de colagem indireta. Os braquetes são removidos e o posicionador dentário em RC é testado e entregue ao paciente.

Os modelos montados em relação cêntrica obtidos para a confecção do posicionador dentário também nos dão a oportunidade de realizar uma avaliação final de cada dente antes da descolagem. Na maioria das vezes, nenhum ajuste adicional é necessário nessa etapa, mas, se necessários, são realizados na consulta seguinte, quando as moldagens para as contenções linguais fixas são feitas. Se discrepâncias significativas forem detectadas, as consultas devem ser reavaliadas e discutidas com o paciente para reagendamento. Nessa fase, verificamos, também, se foram alcançados todos os objetivos do tratamento, incluindo: estética facial e dentária, oclusão funcional, com periodonto e articulações temporomandibulares saudáveis10.

 

11. Qual é a necessidade de reanatomização dentária ou ajustes oclusais durante os procedimentos de finalização? Caso utilize algum procedimento, qual seria? Nelson Mucha

A reanatomização ou os ajustes no equilíbrio oclusal, quando realizados de maneira apropriada, podem ser um passo importante para melhorar ainda mais os resultados alcançados com o tratamento ortodôntico11. Além disso, permitem a redução de qualquer discrepância remanescente entre OC e RC, assim aumentando a estabilidade dos resultados. Porém, não é possível atingir o equilíbrio oclusal na finalização de todos os casos, talvez porque alguns pacientes não desejam investir mais tempo e dinheiro na realização de seu tratamento ou, ainda, porque o clínico geral não se sente seguro o suficiente para realizar o procedimento. Quando possível, isso é realizado (após o tratamento ortodôntico terminar e a oclusão ter se estabilizado) em todos os pacientes sem crescimento.

Quando um ajuste oclusal é indicado, o paciente deve usar uma placa oclusal em relação cêntrica (de preferência, na arcada superior e por período integral, durante, no mínimo, três meses), para desprogramar os músculos. Modelos em relação cêntrica são obtidos após o uso dessa placa e os dentes deles são pintados com tinta vermelha à base de água. Ajustes preliminares são realizados nesses modelos (Fig. 5A a 5H). O gesso-pedra branco irá aparecer nas áreas de contato, tornando mais fácil reconhecê-las na boca do paciente, usando, para isso, papel carbono para registro oclusal, para permitir que esses ajustes sejam replicados. Após finalizar o ajuste oclusal, novos modelos articulados em relação cêntrica são feitos e os mesmos passos são repetidos mais uma ou duas vezes. O paciente continua a usar a contenção por período integral. Quando todas as interferências no balanceio são eliminadas, aconselhamos o paciente a utilizar a contenção durante a noite. Em alguns casos, apenas os desgastes seletivos não são suficientes para restituir ao paciente uma oclusão funcional ideal; assim, o acréscimo de materiais restauradores em alguns dos dentes anteriores também pode ser considerado.

Lembrando-se que: “Maestria requer que superemos nossas limitações, para alcançarmos resultados que vão além dos habituais” (Avrom King).

 

12. Podemos perceber em suas aulas que você possui um vasto conhecimento sobre procedimentos de diagnóstico e planejamento do tratamento, especialmente no que diz respeito às inúmeras análises cefalométricas utilizadas. De forma sucinta, quais dados cefalométricos ou critérios de diagnóstico você considera mais importantes ou mais relevantes para se obter um diagnóstico adequado e, consequentemente, um tratamento bem-sucedido? Nelson Mucha

Uma documentação inicial de qualidade é importante para permitir um diagnóstico preciso, desenvolver um plano de tratamento ideal e finalizá-lo de maneira eficiente e eficaz. Há situações em que o paciente não pode ou não deseja continuar com o plano de tratamento recomendado, como em casos com indicação de cirurgia ortognática, por exemplo. Entretanto, é importante informar adequadamente e oferecer outras opções de tratamento ao paciente, que deve estar ciente de que os problemas oclusais poderão ser melhorados, mas não totalmente corrigidos. Ainda, ele deve saber que pode ser necessário o uso noturno de contenção, por período indeterminado, para proteger os dentes e as articulações. Se essas informações estiverem claras para todos os envolvidos e as expectativas forem definidas, o tratamento poderá ser realizado de maneira eficaz e dentro do menor tempo possível.

A documentação inicial que fazemos com frequência em nosso consultório consiste em radiografias panorâmica e cefalométrica, fotografias digitais intrabucais e faciais, modelos articulados em RC e tomografia computadorizada, em casos com assimetrias esqueléticas ou nos quais a radiografia panorâmica tenha indicado problemas ou anomalias de erupção (dentes retidos ou supranumerários, por exemplo). Também realizamos análises cefalométricas, como as de Steiner, Ricketts e Jarabak, além do VTO (Objetivo Visual do Tratamento). O VTO vai nos permitir prever o crescimento normal do paciente e antecipar a influência do tratamento, de forma a definir os objetivos individuais que queremos alcançar para cada paciente e, assim, estabelecer a mecânica de tratamento ideal para atingi-los12.

 

13. Qual é o seu protocolo para finalização dos casos? Você utiliza alinhadores? Roberto Lima

Um posicionador dentário em relação cêntrica (Centric Relation Tooth Positioner) é outra ferramenta importante utilizada em nossa clínica, durante a fase de contenção, para que possamos obter resultados consistentes e com excelência. Os modelos montados em relação cêntrica usados para a confecção do posicionador dentário também nos auxiliam a fazer uma avaliação final da posição de cada dente, bem como do grau de qualquer discrepância RC-OC remanescente. É importante deixar claro que os alinhadores dentários não devem ser utilizados para corrigir imperfeições graves, ou discrepâncias oclusais e esqueléticas evidentes, que possam ser decorrentes de um diagnóstico inadequado ou uma mecânica de tratamento desfavorável. Eles são utilizados em nossa prática clínica, durante a fase de “acabamento”, para minimizar discrepâncias leves associadas a rotações, contatos abertos, diferenças leves entre as cristas marginais e interferências oclusais que podem não ter sido prontamente identificadas durante a avaliação clínica.

Quando decidimos que o paciente está pronto para a descolagem, uma detalhada explicação sobre cada uma das contenções, incluindo o posicionador dentário, é dada ao paciente e aos responsáveis. O motivo do uso e a importância de cada contenção são explicados em detalhes, utilizando modelos de cada aparelho, garantindo-se que o paciente irá se comprometer em utilizar todas as contenções conforme indicado. Tenho recomendado o uso de posicionadores dentários em relação cêntrica há mais de 18 anos e somente alguns poucos pacientes se recusaram a utilizá-lo. Acredito que uma comunicação eficiente garante a confiança e cooperação do paciente, levando, assim, à obtenção dos resultados ideais.

Uma diferença evidente, quanto à qualidade dos resultados finais, pode ser observada entre o momento da descolagem e após 8 semanas usando o posicionador dentário em relação cêntrica.

 

14. Você utiliza a colagem indireta para todos os seus pacientes? Quais são as vantagens dessa técnica? Roberto Lima

Tenho utilizado a técnica de colagem indireta há mais de 24 anos. Ela é usada em quase todos os pacientes em nossa clínica, as poucas exceções incluem alguns casos limitados de tratamento precoce. Essa técnica oferece um método que pode ser empregado para posicionar os braquetes de forma precisa e reproduzível, minimizando a necessidade de ajustar sua posição, e permitindo finalizar o tratamento no menor prazo possível e atingir todos os objetivos de uma oclusão funcional.

Não há detalhamento nos arcos ortodônticos que possa compensar os efeitos de braquetes mal posicionados. Diferentemente da abordagem intrabucal, os modelos dos pacientes podem ser vistos em três dimensões, permitindo que os braquetes sejam posicionados de forma precisa. Esse posicionamento dos braquetes deve ser predefinido, assim como todos os outros aspectos referentes ao plano de tratamento. Além disso, a colagem indireta permite que o dentista empregue seu tempo de maneira eficiente e eficaz.

Muitos ortodontistas consideram a colagem indireta uma técnica muito demorada, pois envolve fases adicionais para a obtenção de moldagem dos dentes e confecção de moldeiras de transferência no laboratório. Eu, porém, acredito que, no final das contas, esse tempo adicional é justificado pelo tempo que economizamos ao finalizar os tratamentos no prazo previsto (ou antes dele), devido ao correto posicionamento dos braquetes desde o início. Após tratar milhares de casos usando a colagem indireta, desenvolvi a habilidade de identificar com facilidade braquetes mal posicionados, e corrigir isso nas fases iniciais do tratamento, evitando, assim, o round-tripping.

Outro aspecto que pode afastar os ortodontistas da técnica de colagem indireta envolve as competências organizacionais na clínica e prática ortodôntica. Eu acredito em sistemas que ajudam qualquer tipo de negócio a operar sem dificuldades e a obter resultados ideais e de maneira consistente. O popular livro E-Myth, de Michael Gerber, é uma boa fonte de consulta sobre a criação desses sistemas em qualquer pequeno negócio. Nele, o autor explica que uma das chaves para um negócio de sucesso é a criação de um ciclo de desenvolvimento: “Inovação, quantificação e orquestração”. Implementar sistemas e manter tudo bem organizado e consistente também são fatores importantes para a prática ortodôntica. Em nosso consultório, por exemplo, nos esforçamos para manter cada equipo e gavetas abastecidos exatamente da mesma maneira, a fim de aumentar a eficiência. Além disso, procuramos agendar grande parte das consultas de colagem indireta (consultas inicial e de descolagem) com um ou dois profissionais altamente especializados nesses procedimentos, apesar dos outros membros de nossa equipe também serem treinados para realizar qualquer procedimento, quando necessário. Esse sistema de agendamento nos dá a capacidade de simplificar e resolver as imprecisões ou falhas de maneira mais eficiente.

 

Aproveito a oportunidade para agradecer pelo convite para participar dessa entrevista. O Brasil é um país que estimo muito. Ao longo dos anos, passei a ter um carinho por esse país e por seu povo, especialmente depois que tive a oportunidade de realizar palestras em várias de suas belas cidades, em 2002.

 

» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, radiografias ou outros exames imaginológicos e informações diagnósticas.

 

Como citar esta seção: Keesler MC. An interview with Marissa C. Keesler. Dental Press J Orthod. 2014 Mar-Apr;19(2):27-38.

Enviado em: 01 de outubro de 2013 – Revisado e aceito: 20 de dezembro de 2013

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