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Entrevista com Won Moon

Apresentação

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Em tudo na vida, há um lado bom… Em 2010, cursava o doutorado em Ortodontia na UNESP-Araraquara quando, por razões pessoais, precisei me ausentar das atividades acadêmicas e retornar a Salvador por alguns dias. E eis que, por sorte ou providência de Deus, fui afortunado com um grande presente: a oportunidade de conhecer o Dr. Won Moon, que estava em visita ao Brasil, ministrando Curso na Especialização em Ortodontia da Universidade Federal da Bahia. Foi admiração e amizade à primeira vista. Uma segunda chance de desfrutar da convivência com Won ocorreu em 2011, quando fui realizar o doutorado-sanduíche na UCLA. Conhecer suas qualidades mais de perto foi motivação para grande aprendizado. Won é um exemplo de professor — reconhecimento ilustrado nas diversas homenagens concedidas por seus alunos. Sua competência clínica é marcante! Em diversas situações desafiadoras, ouvi de seus residentes a seguinte frase: “Casos assim, só o Dr. Moon trata…”. Nem julgo necessário alongar-me a respeito do brilhantismo de sua carreira como palestrante internacional… Depois de ter visitado os principais centros de referência em Ortodontia do mundo, vocês poderão apreciar essa habilidade por conta própria! Não demorei a perceber que suas qualidades ultrapassam a esfera profissional. Além de ser afortunado por ter uma família muito especial, ainda consegue espaço na sua agenda para se dedicar a esportes radicais, como o alpinismo e o montanhismo. Sempre acompanhado pela esposa, Miran, e sua filha, Crystal, não economiza nas histórias de viagens pelo mundo. Faz-se nítida a cumplicidade de um casamento que começou na adolescência! Feitas as devidas apresentações do nosso ilustre entrevistado, dedico meus cordiais agradecimentos aos colegas Sergei Rabelo, Richard Kulbersh, Greg Huang e Barry Briss, por aceitarem o convite de participar ativamente dessa entrevista. Agradeço, ainda, à Dental Press, pela honra a mim concedida, em conduzir essa experiência. Desejo a todos os leitores que essa leitura seja tão prazerosa e rica quanto o trajeto científico que nos trouxe a essa entrevista.

André Wilson Machado

 

O senhor poderia nos falar um pouco sobre sua experiência em Odontologia e Ortodontia?

Cresci no sul da Califórnia, em 1976, e inicialmente procurei a formação universitária em Matemática na universidade local, UC Irvine (UCI). Depois de obter o título de BS (Bacharel em Ciências) em Matemática, mudei o rumo de minha carreira. Saí de casa pela primeira vez e busquei o título de cirurgião-dentista (Doctor of Dental Medicine) na Harvard School of Dental Medicine (HSDM), em Boston. Depois de me qualificar como dentista pelo Northeastern Regional Dental Board no último ano da faculdade de Odontologia, fui voluntário do Peace Corps e ajudei a construir uma clínica de Odontologia na cidade de Above Rocks, na Jamaica. Esse projeto foi encerrado devido ao furacão Gilbert, que causou destruição histórica. Depois de minha volta antecipada da Jamaica, participei da Clínica de Especialistas na HSDM como cirurgião-dentista, antes de voltar para a Califórnia, em 1989, para um programa de residência em Ortodontia na Faculdade de Odontologia da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). Enquanto estudava Odontologia, também me inscrevi no programa de Mestrado em Ciências (MS) em Biologia Oral na UCLA. Durante meus estudos em Odontologia, meu interesse em pesquisa clínica cresceu, e produzi e defendi, com sucesso, três teses.

Desde minha formatura, em 1991, trabalhei em uma clínica privada de Ortodontia nos subúrbios da área metropolitana de Los Angeles. Em 2002, recebi a diplomação do Board Americano de Ortodontia. Em 2003, passei a fazer parte do Departamento de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UCLA, como membro do corpo docente. Desde então, tenho trabalhado na UCLA como Diretor Clínico do curso de Ortodontia, Diretor de Educação Continuada Avançada, Diretor de Relações Internacionais, e Diretor do Programa de Preceptoria. Durante esse tempo, também fui Diretor de Departamento e Diretor Assistente para a Região Sul da Califórnia na Pacific Coast Society of Orthodontists (PSCO). Em 2012, decidi deixar a clínica privada, depois de 21 anos de prática ortodôntica, e passei a trabalhar na UCLA como professor em tempo integral. Fui indicado para o cargo de Diretor do Programa de Residência em Ortodontia da UCLA, e também mantive o cargo de Diretor de Relações Internacionais.

Atualmente, estou envolvido em vários projetos de pesquisa, que incluem Movimentação Dentária Acelerada, Associação de Estudos de Genoma nos Fenótipos Craniofaciais, Estudos com Modelos de Elementos Finitos, Análise de Imagens Tridimensionais, e Estudos com Mini-implantes em Ortodontia. Como pode ver, minha experiência com matemática tem um papel importante na minha área de pesquisa.

Que técnica ortodôntica usa em sua clínica? Qual a filosofia de ensino da UCLA?

Desde que o Dr. Edward Angle desenvolveu a técnica do arco de canto (Edgewise) na Ortodontia moderna, passamos por várias mudanças na nossa filosofia de tratamento: extração ou não extração1, modificação do crescimento ou Ortodontia cirúrgica2, aparelho extrabucal ou aparelho funcional2, oclusão cêntrica ou relação cêntrica3,4, etc. Podemos facilmente encontrar, ao longo das últimas décadas, resultados de pesquisas argumentando a favor e, depois, contra a alegada superioridade de uma filosofia em relação a outra, o que apenas prova que há muitas formas diferentes de fazer tratamentos ortodônticos com resultados satisfatórios. O advento de novas ferramentas e aparelhos, tais como mini-implantes, alinhadores transparentes, braquetes autoligáveis e imagens de tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) apenas botou mais lenha na fogueira. Os tradicionalistas continuam a defender que os fundamentos da biomecânica ortodôntica não podem mudar, enquanto os dentistas contemporâneos desafiam, rotineiramente, as antigas tradições. Como a UCLA é uma instituição educacional que precisa respeitar a ciência baseada em evidências, mas que também tem a obrigação de alimentar novos conceitos, onde ficamos? Estamos, indubitavelmente, no campo do ensino da Ortodontia baseada em evidências; entretanto, devemos também nos esforçar, igualmente, na construção de evidências. Sem pioneiros na nossa profissão, não seremos capazes de progredir.

A UCLA tem uma filosofia educacional única. Recusamo-nos a rotular a maneira como fazemos Ortodontia. Como sabemos que há muitas formas efetivas de fazer o tratamento ortodôntico e ortopédico, tentamos criar um ambiente educacional que seja um verdadeiro caldeirão, cheio de ideias diferentes. Temos 35 professores clínicos em tempo parcial, que se formaram em 20 instituições diferentes, alguns vindos de outros países, usando várias técnicas ortodônticas. Continuamos, intencionalmente, a recrutar professores de nosso país e de fora dele, com diferentes experiências de formação, a fim de diversificar nossa filosofia de ensino. Também recrutamos estudantes e pesquisadores vindos de todo o mundo para ajudar nesse propósito.

Como pode imaginar, essa é uma tarefa desafiadora. Já é suficientemente difícil ensinar uma técnica; imagine, então, lidar com todas as diferenças mencionadas acima. Por sorte, conseguimos, a cada ano, recrutar os melhores entre os mais brilhantes alunos. Submetemos eles a um currículo extremamente rigoroso e com uma quantidade enorme de recursos da UCLA. Resumindo, damos tudo para esses indivíduos incrivelmente inteligentes e vemos o que funciona. Ao final de sua residência, cada aluno terá adotado seu próprio tipo de técnica ortodôntica, que funcione melhor para ele. Essa filosofia de ensino tem funcionado bem para nós, e a cada ano continuamos a formar ortodontistas altamente competentes.

 

O diagnóstico é um passo essencial para o sucesso na Ortodontia. Qual a sua opinião sobre o papel atual da cefalometria bidimensional tradicional no diagnóstico em Ortodontia?

A contribuição do Dr. Broadbent para a Ortodontia é imensurável5. Ele trouxe objetividade para os nossos diagnósticos ao introduzir as imagens cefalométricas. Desde então, muitos desenvolveram análises cefalométricas para auxiliar no diagnóstico e impulsionaram o avanço da Ortodontia moderna. Entretanto, esses sistemas ficaram muito limitados a simples medições lineares, incluindo ângulos e distâncias. Apesar de terem estabelecido parâmetros normativos e de nos fornecerem dados iniciais, essas medições lineares têm problemas inerentes, pois são adequadas para medir estruturas regulares, como escrivaninhas ou tampos de mesa, mas são inadequadas para a medição de estruturas irregulares, como o crânio humano. O termo linear vem da palavra linearis, em latim, que significa “parecido com uma linha”. A morfologia humana está muito longe de se parecer com uma linha. Por isso, as equações e funções não lineares atraem o interesse de engenheiros, físicos e matemáticos, já que podem ser usadas para representar muitos fenômenos naturais e estruturas irregulares. Ao se medir do ponto A ao ponto B, a informação entre esses dois pontos é perdida, no caso de um sistema de medição linear (Fig. 1). Nessa analogia, dois prédios com morfologias muito diferentes terão valores de medição semelhantes ao usarmos medidas lineares. Esse tipo de função não deve ser usado para analisar a morfologia de estruturas irregulares.

 

Além disso, as medições lineares muitas vezes ignoram as relações espaciais. As Figuras 2 a 5 mostram alguns dos muitos problemas que enfrentamos ao usar a análise cefalométrica com a qual muitos de nós estão acostumados. Esses problemas surgem porque pontos de referência como násio, sela, orbital, básio e PT são extremamente variáveis espacialmente6. Na verdade, análises cefalométricas tais como as de Steiner e de Ricketts são análises unidimensionais, aplicadas a imagens bidimensionais, de estruturas tridimensionais. Imagens bidimensionais exigem uma análise bidimensional para uma quantificação adequada.

 

Durante minha residência em Ortodontia na UCLA (1989-1991), investigamos a possibilidade de desenvolver uma avaliação verdadeiramente bidimensional, usando a análise elíptica de Fourier (AEF) (Elliptic Fourier Descriptor)7. Ao usar essa equação matemática, podemos descrever qualquer linha curva irregular em um espaço bidimensional. A Figura 6 ilustra a aplicação dessa abordagem a um cefalograma lateral. Essa é uma análise verdadeiramente bidimensional, que dá conta das relações espaciais e também é completamente quantificável, pois o contorno do crânio é descrito por uma equação matemática. Isso significa que somos capazes de gerar uma ilustração gráfica do parâmetro normativo, calculando uma equação que representa a média das equações de muitos indivíduos. Não são necessários números, e a sobreposição da imagem do valor normativo e a do paciente pode apontar as discrepâncias entre eles em qualquer ponto pertencente ao contorno do crânio. Essa abordagem foi largamente ignorada pelos ortodontistas, por falta do desejo de aprender um novo método para avaliar a estrutura craniana; já no campo da Antropologia, seu impacto foi maior8. Aprendi que é difícil mudar a maneira como os tradicionalistas pensam, especialmente quanto a algo tão sagrado como os valores cefalométricos. O ângulo IMPA com valor de 90o foi impregnado no cérebro de todos nós, desde 1991.

 

Com base nos problemas mencionados na resposta anterior, a respeito das análises cefalométricas convencionais, como lidar com as imagens tridimensionais em Ortodontia?

Levou 20 anos para finalmente entendermos completamente como as análises cefalométricas convencionais são deficientes. Com o advento da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC), enfrentamos problemas mais complexos para quantificar as estruturas tridimensionais. Muitos pesquisadores ainda estão utilizando medições lineares para descrever um crânio humano tridimensional, aplicando sistemas de medições unidimensionais em imagens tridimensionais irregulares9. Alguns fazem uma compressão dessas estruturas tridimensionais e as transformam em imagens bidimensionais, para então aplicarem análises unidimensionais convencionais. Isso é o mesmo que tocar um CD de música digital com alta qualidade em um toca-fitas analógico. Essa nova tecnologia tridimensional requer um novo método de análise tridimensional que lide com estruturas tridimensionais, e precisamos, desesperadamente, de uma nova abordagem.

No princípio, pensamos que poderíamos expandir o uso da análise elíptica de Fourier (AEF) para o espaço tridimensional. Isso significaria poder descrever matematicamente qualquer linha em um espaço tridimensional. Na verdade, isso foi tentado em 1993, utilizando-se o crânio seco de um coelho7. As informações sobre as superfícies podem ser quantificadas com exatidão usando essa função. Entretanto, essa abordagem tem uma deficiência inerente em comparação com a análise bidimensional: o contorno da superfície contido pela linha não é descrito pela AEF. Para tentar resolver essa questão, estamos desenvolvendo outra função para mapeamento de superfícies, ilustrada na Figura 7. Essa função converte a informação sobre a superfície em uma série, que transformamos em uma matriz matemática quantitativa. Um total de 67 imagens tridimensionais de crânios foi convertido em funções de mapeamento de superfície, e a média dessas funções foi calculada e traçada nessa ilustração (Fig. 7). A Figura 8 é um mapa, colorido, de deslocamento, que mostra a sobreposição da função média dos 67 crânios e da função de um crânio individual. Aqui podemos perceber, visualmente, as discrepâncias entre o crânio médio e o crânio de um paciente específico, sem ter que recorrer a dados matemáticos confusos, como aqueles que o sistema de medições lineares nos fornece. Entretanto, essa análise também tem deficiências inerentes: estruturas internas como os pontos sela e PT estão faltando, e os limites não são claros. Ao combinar essa função à AEF e aos pontos cefalométricos convencionais, a análise tridimensional resultante fornecerá informações tanto sobre a superfície quanto sobre os limites, permitindo uma comparação retroativa com dados prévios, anteriores à era da informação tridimensional. A Figura 9 ilustra essa função combinada. A minha equipe de pesquisa na UCLA já alcançou progressos significativos nessa área, e esperamos, nos próximos anos, conseguir chegar a uma análise verdadeiramente tridimensional.

 

No futuro, será fácil usar essas formulações complexas na clínica ortodôntica? Em outras palavras, as análises cefalométricas bidimensionais são simples de usar, apesar de apresentarem problemas. A análise tridimensional será acessível para o usuário?

Não creio que nossa análise cefalométrica atual — que avalia uma dimensão, ou, na melhor das hipóteses, uma dimensão e meia — seja tão simples de usar se estivermos em busca de precisão. Na UCLA, usamos no mínimo três diferentes análises para cada caso, a fim de entender completamente a relação dentoesquelética. Muitas vezes, essas análises são discordantes entre si: por exemplo, na Figura 10, qual das três análises está correta? Alguns cursos de pós-graduação em Ortodontia preferem considerar apenas uma análise e evitar essa confusão, mais isso não significa que estão considerando a informação correta. Alguns profissionais podem ser capazes de identificar a razão dessa discrepância, com base em sua experiência, e ajustar seu modo de pensar de forma adequada, mas dificilmente essa é uma forma objetiva de se lidar com o problema.

Por outro lado, no exemplo da resposta anterior, a análise verdadeiramente bidimensional usando a AEF é muito mais precisa e visualmente descritiva (Fig. 6). A eliminação dos valores numéricos e a visualização da linha traçada a tornam muito mais fácil para o operador. O mesmo acontece com o método de análise tridimensional com o qual estamos trabalhando atualmente (Fig. 8). A avaliação dos dados é razoavelmente simples; porém, poderão ocorrer problemas em potencial, para o usuário, no registro desses dados. Trabalhar com estruturas tridimensionais requer muito esforço para o registro de dados. A resposta para esse problema dependerá muito da capacidade do software em identificar a configuração morfológica, processar os dados DICOM10 e automatizar os passos envolvidos. Essa parte do aprendizado poderá levar algum tempo, mas acabaremos chegando lá.

 

Em sua opinião, os ortodontistas estarão usando a análise tridimensional em um futuro próximo? Como isso poderá alterar os diagnósticos ortodônticos e os resultados dos tratamentos?

Não tenho dúvidas de que, no futuro, estaremos usando análises tridimensionais. A questão de quanto tempo isso vai demorar para acontecer dependerá da facilidade de utilização do software. Além disso, o maior obstáculo será a política na Ortodontia. Como em qualquer outra área, haverá uma batalha entre os tradicionalistas e os pioneiros na adoção da mudança.

Sua segunda pergunta é muito mais interessante. Essa é, na verdade, a pergunta fundamental quando temos uma nova ferramenta. Será que esse novo e sofisticado sistema mudará a forma como vemos e fazemos as coisas? Hábitos antigos são difíceis de se abandonar, e estamos aqui, claramente, lidando com comportamentos humanos. Digamos que temos um homem com um carro velho, que ele dirige há 20 anos; é um carro velho, mas confiável. Um dia, esse homem decide comprar um brinquedo novo, e compra um carro sofisticado, moderníssimo, com todas as novidades no mercado. O carro vem com todos os equipamentos mais recentes de segurança, um sistema climatizador automático, um sistema de som de alta definição, posição de assento programável, e o mais recente sistema de navegação por GPS, que mostra o fluxo do tráfego e as possíveis rotas alternativas. Será que esse carro mudaria a forma como esse homem vai para o trabalho e volta para casa? Mudaria seus hábitos de direção? Inicialmente, ele vai continuar a dirigir seu novo carro da mesma forma que dirigiu seu antigo carro nos últimos 20 anos. À medida que se familiariza com os novos recursos, ele lentamente vai mudar. Agora, ele ouve estações de rádio por satélite, sem interrupções comerciais; aproveita o sistema de climatização automática; e confia na câmera de marcha a ré quando precisa manobrar. À medida que se acostuma com o novo sistema de navegação, vai descobrindo muitos atalhos para chegar ao trabalho, e frequentemente pega os desvios sugeridos pelo sistema de navegação, a fim de evitar o trânsito terrível durante as horas de maior fluxo. Sim, seus hábitos de direção mudarão gradualmente para um modo mais eficiente. É exatamente assim que a análise tridimensional conquistará seu espaço no diagnóstico e planejamento do tratamento ortodôntico: devagar, mas com toda a certeza.

 

O que você pensa a respeito do protocolo ideal de TCFC para uso na Ortodontia? Com a preocupação quanto à radiação, acredita que devemos solicitar tomografias tridimensionais de todos os pacientes ortodônticos?

Um artigo recente no New York Times levantou muitas preocupações, tanto para os pacientes quanto para os dentistas, a respeito da dose de radiação aumentada vinculada às imagens da TCFC11. Essa preocupação também foi externada por alguns ortodontistas. Estamos tratando de uma análise dos riscos e benefícios e, se olharmos para trás para ver a história do uso da radiografia na Odontologia, veremos que percorremos um longo caminho. Com o desenvolvimento das capacidades de aprimoramento digital das imagens, fomos capazes de reduzir a dose de radiação a uma fração da que estávamos acostumados a usar12. Quando consideramos a quantidade de radiação a que nossos pacientes estão sujeitos quando a TCFC é usada, vemos que é muito menor do que a quantidade em uma série de radiografias bucais solicitadas anualmente por cirurgiões-dentistas, ou nas radiografias panorâmicas convencionais que os ortodontistas solicitavam rotineiramente há poucas décadas, antes da radiografia digital se tornar o padrão. Pode-se argumentar, com boa justificativa, que, se essa quantidade de radiação era considerada segura no passado, então deve ser segura hoje também13. Por outro lado, os limiares para as doses aceitáveis de radiação foram reduzidos drasticamente nos últimos anos, devido às modernas invenções.

Isso significa que não devemos nos preocupar com a radiação associada à TCFC? Como é bem documentado que a exposição à radiação dura por toda a vida, devemos tentar minimizar essa exposição sempre que possível14. Isso significa que qualquer radiação, incluindo a de radiografias convencionais que solicitamos rotineiramente, deve ser evitada sempre que não trouxer um benefício significativo ao diagnóstico e ao tratamento. Portanto, como definir as diretrizes para o uso de radiografias? Quem deve decidir qual o risco aceitável? Minha opinião, em particular, é que o dentista deve avaliar e decidir qual paciente pode se beneficiar de que tipo de imagens radiográficas, já que a relação risco-benefício depende quase totalmente da habilidade e do conhecimento do dentista para interpretar essas imagens. Se ele não for capaz de obter informações valiosas, para um determinado paciente, a partir da radiografia — seja ela uma radiografia lateral cefalométrica convencional ou uma TCFC, mais complexa —, essa não deverá ser solicitada. Muitas vezes, solicitamos o conjunto padrão de radiografias sem considerar as necessidades do paciente ou a capacidade do operador para avaliar essas imagens. Por outro lado, se esse profissional tiver um conhecimento extraordinário para extrair informações valiosas da TCFC — que poderão ajudar potencialmente na obtenção de um melhor diagnóstico e de resultados consistentes do tratamento —, penso que a solicitação rotineira da TCFC pode se adequar aos padrões de atendimento desse dentista. Se não o fizer, os cuidados prestados ao paciente poderão ser abaixo do ideal. Perguntaram-me se a TCFC mudou meus planos de tratamento, em comparação com o tempo em que essa modalidade não era disponível. Nem sempre ela muda meus planos de tratamento; entretanto, essa pergunta não deve ser o critério decisivo sobre a utilidade geral da TCFC. O Dr. Angle, por exemplo, podia fazer tratamentos ortodônticos sem a ajuda de radiografias cefalométricas. Durante o exame diagnóstico inicial, a maioria de nós formula como deve ser abordado o tratamento de cada paciente e, na maioria dos casos, os resultados das radiografias meramente confirmam que nosso pensamento inicial estava correto. Esse fato não significa que essas imagens que pretendemos solicitar são desnecessárias. O uso da TCFC é muito semelhante a esse exemplo, pois nos fornece dados mais precisos e seguros.

Em resumo, a minha resposta à sua pergunta é que depende do conhecimento que o operador tem na utilização da TCFC. Como haverá desenvolvimentos futuros na utilização desses dados — tais como a análise tridimensional, a previsão tridimensional do crescimento e a sobreposição tridimensional —, as vantagens de se utilizar imagens tridimensionais proliferarão exponencialmente no futuro.

 

Acabamos de conversar sobre algumas das tecnologias de ponta relacionadas ao diagnóstico ortodôntico. Vamos, agora, conversar sobre uma técnica ortodôntica atual que pode ter alterado nossa prática: os mini-implantes. Qual sua opinião sobre como os mini-implantes mudaram o planejamento do tratamento ortodôntico?

Os mini-implantes (MIs) estão, lentamente, mudando a cara da Ortodontia. Inicialmente, eram usados principalmente como ancoragem, e tinham o nome pouco inspirador de dispositivos de ancoragem temporária (DAT). Muitos ainda acreditam que os MIs não mudaram o panorama da Ortodontia, e que são apenas outro dispositivo de ancoragem. Entretanto, inúmeros relatos de caso têm expandido os limites das crenças convencionais em Ortodontia15,16,17. Agora, podemos distalizar os molares muito mais do que imaginávamos, e podemos intruir os molares para corrigir casos de mordida aberta esquelética. E não para por aí; agora, incorporamos os MIs em correções esqueléticas. Podemos expandir a arcada maxilar sem inclinar a dentição para vestibular, permitindo uma maior expansão esquelética. Podemos aumentar o espaço intercaninos sem comprometer a cortical alveolar vestibular. Podemos usar MIs em correções ortopédicas de pacientes com alterações esqueléticas. Podemos tratar com segurança pacientes com valores extremamente elevados do ângulo do plano mandibular e manejar pacientes com mordida profunda e sorriso gengival18.

Não há dúvidas de que os MIs têm um impacto enorme no planejamento do tratamento ortodôntico, ao fornecer possibilidades que ainda não foram totalmente exploradas. Não foram os MIs que mudaram a Ortodontia; na verdade, é a forma como os MIs são aplicados que faz a diferença. Nos últimos cinco anos, a Conferência Mundial sobre Implantes Ortodônticos (World Implant Orthodontic Conference – WIOC) esteve à frente desse esforço para promover a colaboração internacional no campo das ideias. Esse evento tem crescido regularmente e, atualmente, atrai audiências do mundo todo. Mais de 50 palestrantes internacionais já participaram desses encontros, e o Dr. Jorge Faber, de Brasília, foi um desses conferencistas de renome. Esse tipo de fórum dá continuidade ao avanço da utilização dos MIs na Ortodontia, e um futuro brilhante está se aproximando mais rapidamente.

 

Como modificamos o crescimento usando os mini-implantes? Isso significaria que alguns casos cirúrgicos podem ser tratados sem cirurgia, se usarmos essa abordagem?

A modificação do crescimento é controversa em Ortodontia, com muitos achados conflitantes nas pesquisas19,10. Esse conflito não pode ser resolvido facilmente, visto que as mudanças esqueléticas nos pacientes que foram tratados com dispositivos ortopédicos — tais como aparelho extrabucal, máscara facial, expansão rápida palatal, aparelhos funcionais fixos, etc. — são difíceis de serem isoladas porque a força ortopédica é aplicada nos dentes. Alterações dentoalveolares são quase sempre encontradas nesses pacientes, e podem mascarar ou limitar as verdadeiras alterações esqueléticas. Durante os últimos cinco anos, tenho tentado isolar as mudanças esqueléticas, eliminando as mudanças dentoalveolares durante a correção ortopédica, e os resultados foram profundamente diferentes daqueles de estudos prévios. Além de conseguir eliminar essas mudanças indesejadas, também fomos capazes de reverter a compensação dentária existente e maximizar a correção esquelética21. Em muitos dos casos de Classe III, a descompensação dentária ocorre espontaneamente à medida que a relação esquelética melhora, o que corrobora a teoria da matriz funcional22. Apresentarei, a seguir, duas situações clínicas que confirmam as afirmativas acima.

A Figura 11 ilustra uma má oclusão de Classe II sendo tratada com um aparelho funcional fixo (AF) e mini-implantes, em um menino de 13 anos. Os dentes inferiores foram retraídos contra os mini-implantes colocados na região posterior, à medida que a mandíbula era empurrada para a frente por um aparelho funcional fixo. Essa mecânica previne que os incisivos inferiores se movam para a frente quando o aparelho funcional estiver totalmente acionado para se alcançar um oclusão em Classe I. Às vezes, dois mini-implantes adicionais podem ser colocados no osso alveolar maxilar, se a movimentação para distal dos dentes da maxila for uma das preocupações. Os mini-implantes permitem realizar correções esqueléticas verdadeiras sem movimentar os dentes, e também permitem uma maior magnitude da correção ortopédica, ao eliminarem compensações dentárias preexistentes.

As radiografias cefalométricas da Figura 12 mostram que, após doze meses de tratamento com o ativador fixo, a mandíbula cresceu significativamente mais do que a maxila. Para comparar o resultado do tratamento, é importante certificar-se de que o paciente apresente a mesma posição condilar (ilustrada, na Fig. 12, pelas setas finas em vermelho). À medida que a mandíbula cresceu na direção anterior, as vias aéreas também se alargaram.

A Figura 13 mostra a sobreposição dos traçados gerados a partir dessas radiografias. Um crescimento significativamente diferente foi observado entre os dois maxilares. Os incisivos inferiores foram descompensados com retração ancorada em mini-implantes à medida que a mandíbula cresceu para a frente com a ajuda do aparelho funcional. Entretanto, a dentição superior se moveu em direção posterior porque os mini-implantes foram usados somente na maxila, e a força para posterior gerada pelos aparelhos funcionais moveu os dentes superiores para trás. Como mencionei antes, esse movimento pode ser compensado usando-se mini-implantes na arcada superior. Nesse caso específico, o movimento para posterior dos dentes superiores era desejado, devido à protrusão do lábio superior do paciente.

A Figura 14 mostra a sobreposição gerada dez meses após a conclusão do tratamento com o aparelho funcional. O traçado preto foi gerado antes do tratamento com o aparelho funcional; o traço vermelho, logo após a finalização da terapia com aparelho funcional por doze meses; e o traçado verde, dez meses depois. Surpreendentemente, a mandíbula continuou a crescer mais do que a maxila, e o incisivo inferior ficou em uma posição mais verticalizada à medida que a relação maxilomandibular mudou. Além disso, os incisivos superiores também iniciaram um movimento de inclinação para vestibular, minimizando o movimento para posterior observado antes, durante o tratamento com ativador fixo. Esse fenômeno é totalmente corroborado pela teoria da matriz funcional de Moss22.

Todos os anos de controvérsia relacionada à terapia com ativadores fixos podem ser encerrados se pudermos isolar as mudanças ortopédicas, sem efeitos colaterais nos dentes. Após tratar muitos pacientes com má oclusão de Classe II, sou otimista quanto ao fato de podermos criar mudanças verdadeiramente ortopédicas. Obviamente, o acompanhamento em longo prazo é necessário para legitimar essa alegação, e os resultados aparecerão.

Da mesma forma, um conceito semelhante pode ser aplicado às más oclusões de Classe III. A Figura 15 mostra o Hyrax modificado para correção ortopédica: o corpo do aparelho Hyrax foi ajustado à abóbada palatina, e quatro MIs foram usados para fixá-lo em cada um dos lados da sutura palatina mediana. À medida que esse aparelho Hyrax é ativado, a força de expansão se situa perto da sutura palatina mediana e causa uma expansão maxilar, desarticulando as suturas circum-maxilares23. Esse aparelho também tem dois ganchos para máscara facial (MF), presos às bandas dos molares, e a força de protração gerada pelo uso da máscara facial será direcionada, principalmente, à maxila. Como o aparelho está firmemente fixado ao osso do palato, os movimentos verticais dos dentes são controlados. Isso significa que mesmo um paciente com Classe III e ângulo vertical aberto pode ser tratado, sem medo de se criar uma mordida aberta anterior. Os pacientes com Classe III e ângulo vertical aberto são considerados, por muitos, o problema mais desafiador na Ortodontia. Apresentarei, a seguir, um paciente com Classe III desse tipo, o qual foi tratado usando esse protocolo de tratamento descrito.

Essa paciente se apresentou com ângulo PM-HF de 31,4o (parâmetro normativo = 24,5) e medida de Wits de -20,8 (norma = 1,0). A paciente, de 11 anos de idade, se apresentou com relação esquelética de Classe III com ângulo de valor elevado e mordida cruzada anterior e posterior. Depois do tratamento com máscara facial (MF) por 14 meses, tanto a relação esquelética quanto a dentária melhoraram (Fig. 16, 17).

As sobreposições da Figura 18 ilustram que a maxila cresceu para a frente significativamente mais do que a mandíbula, durante os 14 meses de tratamento com a MF. De forma interessante, os incisivos superiores e inferiores sofreram retroinclinação e proclinação, respectivamente, à medida que a relação esquelética melhorou. Apesar de nenhum desses dentes estar com qualquer aparelho ortodôntico, descompensaram-se espontaneamente à medida que os maxilares eram alinhados. Apesar da face ter crescido para a frente e para baixo, o ângulo do plano mandibular não mudou. A Tabela 1 confirma essas afirmações.

Novamente, precisamos nos perguntar se esses resultados são estáveis. A Figura 19 mostra o acompanhamento de sete meses após concluído o uso da MF. Parece que o crescimento maxilar advindo do tratamento com a MF se manteve estável, mas a mandíbula cresceu um pouco mais do que a maxila. Isso confirma um estudo anterior de outros autores, que mostrou que pacientes com relação esquelética de Classe III são predispostos ao crescimento em um padrão de Classe III23. Alguns sugerem uma sobrecorreção, de forma a compensar o crescimento futuro23. É importante acompanhar de perto esses pacientes até que seu crescimento se complete.

 

Em sua opinião, essa mesma estratégia pode ser usada com pacientes adultos?

Em pacientes sem crescimento, essa abordagem descrita não funcionaria. Entretanto, alguns relatos indicam sucesso na expansão da maxila em largura, como nos casos de expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente24. Na UCLA, obtivemos sucesso na separação da sutura palatal mediana em pacientes adultos, usando o disjuntor de expansão palatal rápida assistida por mini-implantes como os exibidos na Figura 20. O Dr. Eric Liou e outros tiveram algum sucesso em afrouxar a maxila por meio de expansões e constrições da sutura maxilar, sucessivas e alternadas, usando um disjuntor ancorado em mini-implantes24. Esse processo simula a distração osteogênica e a maxila pode ser rapidamente protruída. Isso pode nos levar a um avanço importante, mas, atualmente, o crescimento sutural em pacientes adultos parece ser bom demais para ser verdade. Já no caso de pacientes adultos com Classe II e mandíbulas retrognatas, ainda não tenho conhecimento de nenhuma ideia inovadora.

 

Com base em sua vasta experiência com mini-implantes, poderia discorrer, brevemente, sobre os fatores importantes relacionados à estabilidade dos MIs?

A estabilidade dos MIs pode ser dividida em estabilidade primária e secundária. A estabilidade primária vem do entrelaçamento mecânico entre o MI e o osso ao seu redor. Os fatores envolvidos na estabilidade primária podem ser, ainda, divididos em fatores biológicos e mecânicos. A densidade e o volume ósseo, a espessura do tecido, o tipo de tecido gengival, as estruturas vitais, etc. constituem o fator biológico. Os fatores mecânicos dependem, fundamentalmente, do design do MI e incluem o diâmetro, comprimento, forma, densidade do fio, etc.25 Deve-se notar, também, que o osso cortical é responsável pela estabilidade dos MIs, e o osso trabecular tem um papel menos importante. Os fatores biológicos são inerentes a cada paciente, e não é fácil mudá-los. Devemos tentar definir cuidadosamente o local para colocação dos MIs, de forma a maximizar sua estabilidade. Entretanto, a posição mais estável pode não ser a mais vantajosa para a biomecânica ortodôntica, e pode-se acabar escolhendo um local menos estável. Como a estabilidade dos MIs é o problema mais frustrante que enfrentamos, sugiro encontrar o local mais estável para eles e achar uma solução para a mecânica ortodôntica, em vez de aceitar um local menos estável. É de importância crítica ser criativo quanto à biomecânica ortodôntica. O fator mecânico é onde temos muito mais controle, pois podemos controlar as variáveis. Há numerosos designs de MIs disponíveis no mercado, e entender os fatores associados a cada design ajudará na escolha do MI certo para cada circunstância específica25.

A estabilidade secundária passa a fazer parte do quadro à medida que a osseointegração acontece. Quando o osso se remodela ao redor dos MIs, grande parte da estabilidade primária, atribuída à firmeza promovida pelo entrelaçamento mecânico e pela compressão óssea (vista com frequência nos modelos cônicos), se torna irrelevante. A integração óssea pode ter papel muito mais significativo na estabilidade após a remodelação óssea acontecer na área circundante. A estabilidade secundária também pode ser dividida em fatores biológicos e mecânicos: o metabolismo ósseo, a densidade óssea, etc. influenciam nos fatores biológicos; e o design dos MIs contribui para o fator mecânico. Da mesma forma que com a estabilidade primária, os fatores mecânicos são mais fáceis de se controlar. Quanto maior for a área de superfície dos MIs em contato com o osso, mais integração com o osso poderá ser estabelecida. A textura e o tratamento da superfície também podem facilitar essa integração óssea26.

 

Em anos recentes, alguns dentistas clínicos têm mostrado a tendência de usar exageradamente os mini-implantes no tratamento ortodôntico clínico. Ainda assim, a literatura ainda não tem informações sobre a resposta em longo prazo dos tecidos circundantes (i.e., raízes) e a estabilidade de alguns resultados clínicos. Em sua opinião, com base na literatura atual, devemos ter alguma precaução?

Qualquer novo procedimento deve ser usado com precaução. A segurança dos MIs já foi bem estabelecida, mas também há relatos de danos ao tecido circundante. A decisão de usar MIs deve ser feita após a análise de riscos e benefícios, da mesma forma que no caso da TCFC. Se os MIs puderem ser colocados com segurança e sem danos teciduais, não há razão para se evitar seu uso. Se os MIs tiverem que ser colocados em áreas com algum risco, toda precaução deve ser tomada. Em termos gerais, a maioria dos problemas está associada a lesões na raiz, o que pode ser totalmente evitado com uma escolha cuidadosa do local e do design apropriado para o MI. A tendência atual é utilizar a região palatal e MIs com diâmetros pequenos, na tentativa de reduzir o contato com as raízes27.

 

Ouvimos falar que o senhor desenvolveu um novo design de mini-implantes. Pode descrever brevemente esse novo projeto?

Os objetivos desse novo design são: evitar o risco de atingir estruturas vitais; maximizar a área de contato com o osso cortical; reduzir o torque de inserção, para facilitar a colocação; maximizar o torque de remoção, para aumentar a estabilidade; e maximizar a osseointegração, para aumentar a estabilidade secundária28. Esse MI tem apenas 2,0mm de comprimento, para evitar o contato com a raiz e os feixes neurovasculares; mas tem 3,0mm de diâmetro, para maximizar a estabilidade (Fig. 20). É oco por dentro, para reduzir o torque de inserção e aumentar o contato com o osso. A área de superfície total em contato com o osso cortical é maior do que no caso de MIs convencionais. A câmara interna tem o formato de cone invertido, para facilitar a inserção. O osso retido dentro da câmara passará por um processo de remodelagem e preencherá o vazio. Isso cria um retentor mecânico dentro do osso cortical e maior integração do osso com o MI, internamente, o que auxilia na estabilidade secundária. Nossos estudos, partes 1 e 2, publicados no periódico Angle Orthodontist28, ilustram a estabilidade desse novo MI in vitro. Nosso mais recente estudo também demonstrou a superioridade de sua estabilidade em várias simulações clínicas. Estamos, agora, prontos para um teste clínico desse design na UCLA.

 

A comunidade ortodôntica ficou entusiasmada com a ideia de reduzir o tempo de tratamento com o uso de braquetes autoligáveis, mas, após uma avaliação dos estudos recentes, viu-se que não é possível tratar pacientes mais rapidamente. O que pensa a respeito disso?

Já foi bem estabelecido que os braquetes autoligáveis não reduzem significativamente o tempo de tratamento29. Fico preocupado com a recente tendência de “raciocínio baseado no aparelho”. Em toda a nossa volta, há propagandas promovendo aparelhos, como o Invisalign, o Damon Brackets, e o Incognitos. Entendo que os fabricantes desses produtos estejam tentando convencer o público, pois têm que vender seus produtos. Muitos de nós nos rendemos a essa pressão e fornecemos esses serviços aos pacientes, os quais muitas vezes podem não ser a melhor opção de tratamento. Também é triste ver que muitos ortodontistas promovem, sem pensar, os dispositivos escolhidos pelos fabricantes, alegando que esses produtos são superiores e/ou mais eficientes, sem oferecer evidências científicas concretas.

Creio firmemente que todos devamos voltar à Ortodontia com base na habilidade e tratar esses novos sistemas apenas como meras ferramentas para atingir nossas metas. Usei MIs extensivamente e, por vezes, atingi metas de tratamento que não teriam sido possíveis no passado — mas não foram os MIs que trataram os pacientes, a diferença está no que eu faço com essa nova ferramenta. Se você está procurando uma boa refeição, vai procurar um restaurante com um chef excelente, e não vai se preocupar muito com o tipo de faca que esse chef usa. A diferença está no que o chef faz, não em qual ferramenta usa.

Se quisermos realmente reduzir o tempo do tratamento, devemos considerar dois fatores: biomecânica e biologia óssea. Os ortodontistas tendem a se concentrar mais na biomecânica do que na biologia óssea. Ao longo dos anos, muitos trabalhos foram produzidos na área de biomecânica da Ortodontia, e trouxeram progresso para a ciência. Talvez seja por isso que vendemos nossas almas para esses novos dispositivos que alegam tornar a Ortodontia mais fácil e mais eficiente. Novos arcos hi-tech, novos aparelhos e novos materiais melhoraram nossos protocolos de tratamento, mas vejo que a melhora na velocidade do tratamento foi, na melhor das hipóteses, mínima. Não interessa quais novos dispositivos temos, não podemos mover os dentes mais rapidamente do que a velocidade de remodelação do osso.

Eis minha opinião a respeito da redução no tempo de tratamento: seria muito mais eficiente se pudéssemos influenciar o processo de remodelação óssea. Os irmãos Wilco apresentaram a movimentação dentária acelerada, e os resultados não foram igualados por nenhuma invenção biomecânica até hoje30. A chave é: como conseguir resultados semelhantes aos obtidos por eles sem usar um procedimento tão invasivo? A movimentação dentária acelerada é um dos meus projetos na UCLA, e esperamos ter boas novidades em breve.

 

Uma analogia interessante poderia ser feita para os casos em que são usados mini-implantes. Em sua opinião, podemos diminuir o tempo de tratamento usando mini-implantes?

Essa é uma alegação comum, que escuto de muitas pessoas. Não concordo com essa generalização. Em casos que exigem cooperação do paciente ou ancoragem máxima, controle de ancoragem assimétrica, controle vertical, etc., os MIs podem ajudar na eficiência e controle. Entretanto, em muitos casos, os MIs podem ser usados para corrigir problemas que não poderiam ser corrigidos com recursos mecânicos convencionais: inclinação acentuada, mordida aberta acentuada, excesso maxilar vertical, grande altura inferior da face, apinhamento excessivo em casos tratados sem extrações, casos com comprometimento periodontal, desequilíbrio esquelético, etc. Como agora somos capazes de corrigir esses problemas tão difíceis, o tratamento muitas vezes leva muito mais tempo do que os casos ortodônticos típicos. Não é necessariamente a redução da duração do tratamento que devemos celebrar, mas a capacidade de oferecer, no tratamento de casos extremamente desafiadores, resultados mais excelentes usando os MIs.

 

 

 

ENTREVISTADORES

André Wilson Machado

» Professor Adjunto de Ortodontia da UFBA. Professor colaborador do Mestrado em Ortodontia da UCLA. Doutor em Ortodontia,  UNESP-Araraquara / UCLA. Mestre em Ortodontia, PUC Minas.

 

Barry Briss

» Professor e Chairman do Departamento de Ortodontia da Tufts University / Boston. Especialista em Ortodontia / Tufts University. Diplomado pelo Board Americano de Ortodontia.

 

Greg Huang

» Professor e Chairman do Departamento de Ortodontia da University of Washington / Seattle. Doutor em Epidemiologia e Mestre em Ortodontia, University of Washington.

 

Richard Kulbersh

» Professor e Chairman do Departamento de Ortodontia da University of Detroit Mercy / Detroit. Mestre em Ortodontia, University of Detroit Mercy. Diplomado pelo Board Americano de Ortodontia.

 

Sergei Godeiro Fernandes Rabelo Caldas

» Professor do Curso de Especialização em Ortodontia da UnP. Professor Substituto da Disciplina de Clínica Infantil da UFRN. Doutor e Mestre em Ortodontia, UNESP-Araraquara. Especialista em Ortodontia, ABO/RN.

 

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Como citar esta seção: Moon W. Interview. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):12-28.

Enviado em: 14 de fevereiro de 2013 – Revisado e aceito: 7 de março de 2013

 

» Os pacientes que aparecem na presente seção autorizaram previamente a publicação de suas fotografias e radiografias.

 

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