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Entrevista com Fernando Borba de Araujo

Comente sobe sua escolha em fazer Odontologia?

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A escolha por alguma profissão da área da saúde teve uma grande influência pelo fato de meu pai ser médico, o admirava muito, como também o convívio com seus colega de profissão, a sua atenção com os clientes, com atuação na medicina da época com uma proposta bem diferente da dos dias de hoje! Como todo o jovem visionário, queria trabalhar em algo que pudesse ajudar os outros e formatasse a minha participação num mundo por mim sonhado! Assim prestei o vestibular para Medicina em 1975 na UFRGS. Fiquei bem colocado na lista de espera, mas acabei entrando na segunda opção para Odontologia. A intenção era cursar algumas disciplinas de equivalência, e tentar novo vestibular no ano seguinte! Joguei-me nesta luta, imprimi um novo ritmo na minha vida, mas não precisou de muito tempo para se fazer presente a paixão pela Odontologia e nunca mais a abandonei! Logo depois de graduado, fui influenciado e optei por ser docente. Continuando a estudar, eu estaria encontrando um argumento para o continuo crescimento profissional. Atualmente tenho presente um sentimento de absoluto envolvimento com o ensino, pesquisa e com o atendimento de pacientes na Clínica da Faculdade e da minha particular de 30 anos completados no ano passado! Devo a Odontologia as minhas maiores amizades, a construção da minha família (pelo fato da minha esposa ser colega) e também por ter oportunizado conhecer o meu país e muitos outros de forma nunca imaginada!

 

Como foi sua trajetória profissional?

Após ter concluído o curso de graduação em dezembro de1978, iniciei um estagio de 12 meses na Disciplina de Odontopediatria da FO.UFRGS, com a intenção de me preparar para o curso de mestrado na FO.USP, São Paulo – SP. Em janeiro de 1980, embarquei para São Paulo onde permaneci por 30 meses (em julho de 1982, defendi a minha tese de mestrado). Estes 2 anos vivenciei um aprendizado impar de vida pessoal quanto profissional! Iniciei no mesmo ano a minha carreira docente na UFRGS, onde até hoje estou a frente da Disciplina de Odontopediatria, envolvido nos cursos de graduação, pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado) e extensão. Voltei 10 anos depois para a casa onde tive a minha formação na área para fazer o doutorado, complementada com uma experiência inesquecível de fazer a parte experimental da minha tese em San Antonio, TX, EUA, sob a tutoria do Prof. Franklin Garcia-Godoy, renomado pesquisador, amigo e incentivador, cuja relação pessoal e profissional perdura até os dias de hoje. As amizades desenvolvidas naquela época continuam e se fortaleceram certamente pela busca incessante de coisas que nos são do mesmo valor!

Paralela a minha vida acadêmica, mantenho uma prática de clínica privada, numa atividade extremamente intensa, prazerosa e gratificante, atualmente desafiadora pela dificuldade de conciliar ambas intensamente vividas.

Várias pessoas estiverem presentes nesta trajetória, dentro e fora de Porto Alegre, minha cidade natal e de trabalho, que marcaram pela dedicação, dinamismo, competência, seriedade científica e honestidade de propósitos, apenas para citar alguns dos predicados que poderia usar para qualificar comportamento e atitudes destas pessoas, que me fizeram crescer em todos os sentidos. Impossivel cita-las! A todas elas, o meu reconhecimento, gratidão e respeito!

 

Na sua opinião, qual é a relevância da Estética na Odontologia e também na Odontopediatria?

A Odontologia vem experimentando uma série de transformações de natureza científica, altamente relevante para o seu crescimento social e humanitário.

A Éstética na Odontologia tem entre os seus objetivos finais a busca e/ou o aperfeiçoamento da reconstrução do sorriso dental, coadjuvado pela análise minuciosa dos fatores biofuncionais a ele associados. Estão inseridos neste contexto os fenômenos de natureza óptica, para permitir a reprodução estética das restaurações com todos os seus requintes através da plena utilização das ferramentas disponibilizadas atualmente pela ciência odontológica, minimizando as razões de eventuais insucessos ou limitações. Me refiro a evolução e a racionalização dos materiais adesivos, numa prática sustentada pelas melhores evidências científicas disponíveis! Assim o profissional estará capacitado a superar os problemas e dificuldades da reconstrução odontológica relacionada a estética, permitindo não só a reabilitação do paciente nos seus aspectos funcionais e estéticos, como também a sua reintegração social numa sociedade altamente competitiva!

Especificamente na Odontopediatria, mesmo com a diminuição da prevalência de cárie em nosso meio, frequentemente encontramos problemas em dentes anteriores de crianças e adolescentes, decorrentes de traumatismos alvéolo dentários e de más-formações dentárias (hipocalcificações ou hipoplasias). Com relação às lesões cariosas nos dentes anteriores, a sua ocorrência é mais prevalente na dentição decídua. Mesmo reconhecendo-se a permanência limitada dos dentes decíduos anteriores na cavidade bucal, presenciamos frequentemente a preocupação dos responsáveis pela criança com o sorriso comprometido. Na sociedade atual, dentes brancos, alinhados e contornados são parte importante no conceito de saúde e beleza da criança. Em função da evolução dos sistemas adesivos e resinas compostas, associado aos fundamentos da odontologia minimamente invasiva, é absolutamente viável e previsível a recuperação estética dos dentes afetados com requinte e técnicas menos mutiladoras, reduzindo o tempo de cadeira (essencial na nossa especialidade) e interferindo positivamente na relação psicológica e afetiva com a criança (“abordagem restauradora pacient-friendly”).

 

Como importante pesquisador na área, como você vê a técnica de remoção parcial de dentina cariada?

Tenho trabalhado muito na área de diagnóstico e tratamento de lesões cariosas, este último construído através de ensaios clínicos randomizados, que tem nos proporcionado boas publicações na área, e inclusive referência em elaboração de protocolos clínicos nacionais e internacionais (“guidelines” da ABOdontopediatria e da AAPD). Penso que esta “forma conservadora de abordar lesões cariosas superficiais e profundas em dentina de dentes decíduos e permanentes” tem um forte acolhimento e impacto na Odontopediatria contemporânea, que por preservar ao máximo a estrutura dentária decídua ou permanente jovem, interfere positivamente na parte psicológica, como na parte funcional, auxiliando significativamente no desenvolvimento do crescimento dentário e esquelético do paciente. A manutenção ou preservação de uma maior parte da estrutura dentária sadia otimiza o contato interdentário (oclusal, incisal e proximal), sendo a melhor forma de estimular o crescimento/desenvolvimento das bases ósseas, numa referência assim à parte ortopédica, tão importante num indivíduo em crescimento.

Costuma-se dizer que “o maior inimigo da doença é o conhecimento”, o qual é proveniente de pesquisas adequadamente planejadas. Nesse sentido, instituições de ensino superior que fomentam projetos de pesquisas relevantes para os pacientes, para os profissionais e para a sociedade como um todo são fundamentais. A UFRGS, como outras universidades de renome internacional no país, mediante principalmente na sua Pós-Graduação, procura atender a esses objetivos, tendo como diferencial o desenvolvimento, execução e publicação de pesquisas clínicas inéditas. Aqui são planejados, coordenados e desenvolvidos projetos concebidos dentro da Instituição, projetos internacionais, compartilhados ou não com outras instituições fora do país. Neles se concentram atividades de pesquisa clínica, isto é, identificação do diagnóstico das lesões da cárie em dentina superficial e profunda, sintomas do paciente e a partir daí, a elaboração dos tratamentos conservadores mais eficazes para este tipo de lesão, considerando-se a vitalidade pulpar e preservação da estrutura dentária.

 

Odontologia Minimamente Invasiva é uma tendência de atuação profissional que realmente veio para ficar?

Ainda se observa hoje em dia uma supervalorização dos detalhes técnicos dos procedimentos restauradores, distorcendo o foco principal de atenção, que seria o controle da atividade da doença cárie no indivíduo. A expansão dos conhecimentos na área fazem com que uma “nova” proposta, de caráter mais biológico e menos tecnicista , passe a dominar e ser uma forte tendência para este milênio.

A odontologia restauradora tradicional não contribui em nenhuma instância com a prevenção da doença cárie, pelo contrário, tudo o que ela pode fazer é substituir o tecido dentário atingido pelo processo carioso. Esta atitude ainda está associada ao paradigma cirúrgico- restaurador, prevalente até os anos 70, fazendo com que várias escolas de Odontologia desprezassem o conhecimento da dinâmica do processo carioso, e continuassem “tratando” a doença através de preparos cavitários/restaurações.

Este fato não descredencia as restaurações, nem deixa de considerar a importância das mesmas como elementos essenciais no contexto do tratamento de alguns pacientes. O papel de um tratamento restaurador é recuperar a perfeição biológica perdida, restaurando a sua integridade, de forma que o paciente possa higieniza-la, resgatando muitas vezes a saúde periodontal, recuperando também a estética e a função perdidas.

Quando um profissional se depara com um paciente com atividade cariosa, algumas lesões incipientes de natureza ativa, cavitadas ou não, preferencialmente localizadas em esmalte e dentina superficial, poderão ser alvo de uma abordagem não invasiva de tratamento. Inicia-se a partir daí a implantação do conceito de “Mínima Intervenção”. Na Odontopediatria, esta decisão é particularmente interessante , uma vez que trabalhamos com dentes decíduos que tem um período definido de permanência na cavidade bucal, ou mesmo em dentes permanentes, retardando-se a intervenção invasiva, desde que o paciente seja monitorado, acompanhando-se a lesão sem que se faça o tratamento imediato de corte. Sem dúvida, isto tem um impacto na relação profissional–paciente, já referida em pergunta anterior, no que diz respeito ao aspecto de confiança mútua, como também na parte psicológica. Evidências científicas disponíveis na literatura sustentam esta postura.

Mas se por vários motivos alheios a nossa e a vontade de nosso paciente, a lesão cariosa evoluir, a despeito de ter sido posto em prática um programa de controle da atividade cariosa, podemos partir para o bloqueio mecânico da lesão. Este tipo de intervenção não é considerado a primeira opção terapêutica para uma lesão cariosa inicial em esmalte e algumas em dentina superficial. Começam a surgir as indicações dos selantes de fossa e fissuras terapêuticos, absolutamente inseridos na proposta de “mínima intervenção. Vamos nos reportar e sustentar esta abordagem na bem sucedida experiência de 10 anos de selamento de lesões de cárie em dentina superficial em dentes permanentes jovens de Mertz Fairhurst e cols.(1998).

Este procedimento encontra também sustentação biológica na remoção parcial de dentina cariada, protocolo para o tratamento de lesões cariosas agudas em dentina profunda. O paradigma corrente não discute mais se há necessidade de remoção ou não de todo tecido infectado antes da restauração do dente, e sim, sugere “abandonar” o protocolo de 2 sessões (tratamento expectante ou “stepwise excavation), para torna-lo mais simplificado, atestando o seu sucesso através de exames clínicos e radiográficos periódicos , sem a necessidade da reabertura para a certificação da formação de dentina terciária. O raciocínio está sustentado na hipótese de que o processo é guiado pela atividade do biofilme e a lesão cariosa infectada é apenas um reflexo deste processo. As bactérias remanescentes neste tecido talvez sejam colonizadores oportunistas, em vez de serem as principais responsáveis pelo processo, uma vez que a biomassa excedente sobre o tecido, já foi removida. Assim sendo, a partir do isolamento das bactérias do contato com o meio externo através de um procedimento clínico restaurador, tem-se observado longitudinalmente a inativação do processo carioso.

 

Por gentileza faça um breve paralelo entre a sua filosofia de atuação profissional no início de sua carreira, atualmente e para o futuro?

Apesar do enfoque em promover saúde por meio da prevenção e da intervenção mínima, filosofia gradativamente desenvolvida ao longo da nossa carreira, há uma prevalência significativa de casos em que esta estratégia não é eficiente, assim como existem situações clínicas que necessitam de procedimentos de reposição dentária, em casos como os de agenesias relacionadas com fatores genéticos e as perdas de estruturas dentárias, devido a traumatismos alvéolo dentários.

Sendo assim, a ciência odontológica ainda precisa lançar mão de tratamentos invasivos e de recursos sintéticos para solucionar alguns dos problemas relacionados à função/estética da porção do sistema estomatognático perdida e de responsabilidade do cirurgião dentista.

Em vista disso, o idealismo futuro é que seja possível aplicar os modelos de Engenharia de Tecidos, que tornem viável a substituição das estruturas dentárias e ósseas perdidas por material biológico semelhante ou até mesmo igual ao originalmente existente. Ou seja, espera-se que as restaurações odontológicas não sejam mais realizadas com materiais não biológicos e sim, que se restitua esmalte perdido com esmalte, dentina com dentina, polpa inflamada por polpa sadia e até mesmo dente por dente, como uma alternativa ao uso de implantes sintéticos ou próteses. Estas inovações tecnológicas irão provocar uma profunda transformação na odontologia restauradora, mas sem substituir completamente os materiais restauradores convencionais. Estes serão utilizados em combinação com estratégias biológicas de regeneração de tecido dental, devolvendo função e estética originais.

Os princípios da Bioengenharia de tecidos dentários fundamentam-se na compreensão e no conhecimento detalhado das sinalizações que determinam o desenvolvimento da odontogênese, tendo como foco principal para o estabelecimento da técnica, a aplicação de fatores de crescimento e o uso de células-tronco. A polpa dentária dos dentes decíduos tem sido alvo de pesquisas relacionadas com a presença destas células potencialmente capazes de atuar na bioengenharia de tecidos, sendo que as células mesenquimais indiferenciadas isoladas deste nicho, têm mostrado maior potencial proliferativo e maior grau de diferenciação, quando comparadas com as conhecidas células-tronco da medula-óssea. A grande vantagem do uso das células de polpa de dentes decíduos é em relação a sua obtenção, já que os dentes utilizados para tal iriam esfoliar naturalmente, não sendo um processo invasivo adicional, como por exemplo a extração das células da medula óssea, ao mesmo tempo que não possui comprometimentos éticos, como os envolvidos no uso das células-tronco embrionárias. Para o uso destas células, projeta-se a criação de bancos de células-tronco de polpa dental.

Muitas escolas de odontologia no país estão investindo forte na criação de centros de Biologia Molecular, Celular e Tecidual, como o da nossa Faculdade (UFRGS, Porto Alegre-RS), que em parceria com outras instituições de referência e já consagradas nesta área, como a UMICH (Ann Arbor, Michigan), tem desenvolvidos pesquisas de ponta nesta área, atestadas por recentes publicações em revistas de alto impacto. A aplicação clínica destes resultados é uma questão de tempo, e gradativamente, a exemplo de outros eventos (computador, telefonia celular,etc…), ao alcance de todos!

 

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