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Entrevista com Carlos Eduardo Francischone

 

Apresentação

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Nessa edição, a revista Dental Press Implantology traz aos seus leitores uma entrevista com um dos mais conceituados e importantes professores brasileiros da área odontológica. Por recato natural e por seu perfil de homem reservado — principalmente por se tratar de um dos editores-chefes dessa revista há muitos anos —, resistiu de todas as maneiras que pôde às frequentes solicitações de vários colegas, bem como às sucessivas investidas do corpo editorial da revista, de ser destacado nessa seção.

Finalmente, após participar na cidade de Campinas/SP, no mês de abril desse ano, do 1º Encontro de alunos e ex-alunos do Prof. Dr. Carlos Eduardo Francischone, quando foi entrevistado em auditório pelos próprios ex-alunos por cerca de uma hora e meia, conseguimos fazê-lo concordar que o registro daquele momento, gravado com sua autorização, fosse utilizado pela revista, trazendo curiosas e ricas informações de interesse geral, relacionadas à história da nossa Odontologia.

Natural da cidade de Dois Córregos, no interior de São Paulo, o Prof. Francischone — mais conhecido assim— relatou detalhes de sua escalada acadêmica, que revelam a trajetória de um brasileiro simples na origem, mas obstinado nos propósitos, dotado de forte personalidade, de reconhecida capacidade profissional e de múltiplos talentos.

Graduou-se pela Faculdade de Odontologia de Bauru–USP, na qual hoje é Professor Titular por méritos, reconhecimento e competência. Tornou-se membro efetivo da Academia Brasileira de Odontologia por seus feitos como pesquisador e autor de vários livros. Formou mais de 80 mestres e doutores, recebendo orientandos advindos de vários estados do Brasil, de países da América Latina, bem como dos continentes europeu e africano.

É cirurgião-dentista em toda a acepção da palavra. Professor-referência dentro da Odontologia por ensinar como fazer e, principalmente, por fazer com rebuscado refino tudo aquilo o que ensina, sem restrições, sem omitir detalhes, pelo simples prazer de ensinar. É considerado um professor com invejável criatividade e habilidade manual para resolver problemas, intercorrências ou imprevistos na clínica diária. Por sua vasta vivência em consultório e na vida docente, com maestria consegue conciliar, como poucos privilegiados, teoria e prática — e o mais surpreendente, sempre com a simplicidade daqueles que conhecem muito bem os atalhos, as melhores alternativas e os mais adequados caminhos que lhes são apontados pelo conhecimento e por toda a experiência amealhada ao longo de seus 42 anos de ofício.

Com mais de 200 trabalhos publicados em revistas científicas e mais de 700 palestras e cursos ministrados no país e no exterior, transita com frequência por eventos científicos em todo o mundo, notabilizando-o como respeitado pesquisador além das fronteiras.

Para os que têm o privilégio de conviver de perto com o Dr. Carlos Eduardo Francischone, é fácil perceber o incansável entusiasmo de quem verdadeiramente ama a profissão e o que faz. Homem de extrema honestidade, sincero, íntegro e absolutamente justo com todos aqueles que o cercam, atribui sistematicamente todos os créditos àqueles que fazem por merecê-los.

Essa entrevista nos fala ainda sobre seu gosto especial por vários esportes e, particularmente, sobre sua paixão pela música — hobby que o tem acompanhado por toda sua vida. Formado em música pelo Conservatório Jauense de Música, em 1967, também é autor do hino oficial da cidade de Dois Córregos, em parceria com Heusner Grael Tablas e o jornalista Carlos Nascimento (atualmente, âncora do telejornal do SBT). Sua família é, declaradamente, a maior fonte renovadora de energias positivas, além de ser lastro importante de equilibrado suporte emocional. Casado com Ana Luiza, pai de Carlos Eduardo Júnior (dentista), Ana Carolina (dentista) e Fabricio (médico). Com muita alegria e orgulho, também é avô do pequeno Lucca.

Na sequência, um registro escrito mais abrangente do exposto nessa breve introdução.

 

Nós sabemos, por força do convívio, que sua vida, de jovem e adulto, foi marcada pela capacidade de assimilar múltiplas atividades, desde sua espontânea curiosidade em observar atentamente as ações do seu pai na condução da Farmácia Santo Antônio, na cidade de Dois Córregos, interior de São Paulo — da qual ele dignamente tirou o sustento para toda a família Francischone —, passando pelo eclético interesse tanto em estudar música clássica quanto em formar um grupo musical popular chamado “Os Gatos”, que perdura até os dias atuais; indo até a prática de jogos de salão, entre os quais estão o tênis de mesa e o diferenciado gosto pelo xadrez, incluindo a participação ativa e destacada nos mais variados esportes, como basquete, futebol de campo, futsal e, até mesmo, o apaixonado e competente envolvimento com a pesca esportiva. Qual foi, então, o fator desencadeante e motivador que o influenciou, há mais de 40 anos, a escolher Odontologia como carreira e profissão? 

Foram dois os fatores que me influenciaram a escolher a Odontologia: o primeiro foi a convivência com meu pai, avô e tios em uma farmácia, onde eles cuidavam muito bem de seus doentes — o que fizeram por 70 anos, como um verdadeiro sacerdócio. Eu acompanhava meu pai quando ia de “Fordinho 29” aplicar injeção nos pacientes, de casa em casa, e sempre dizia a mim mesmo como era importante e bom ver uma pessoa curada. Isso me levou para a área da saúde.

O segundo fator é que eu adorava futebol e havia um excelente jogador no time de futebol de campo da cidade de Dois Córregos, o Estevinho (Dr. Wilson Esteves), que inclusive jogou no profissional, no Ferroviária da cidade de Araraquara. Lembro-me bem que após um jogo do Ferroviária contra o Santos, a manchete foi ”Foram a campo ver o Pelé jogar e viram o Estevinho”. Ele fez Odontologia em Araraquara e depois montou consultório na cidade de Dois Córregos. Era um excelente dentista. Ainda tenho amálgama em minha boca feito por ele, quando eu devia ter uns 10 ou 12 anos de idade… que saudade do amálgama!

Além disso, no ginásio e colegial eu detestava Exatas e Desenho, mas gostava de Biologia.

Houve uma passagem interessante quando entrei na FOB. No primeiro dia de aula, o professor Noracilde Lima, da disciplina de Escultura Dental, pediu para cada aluno desenhar um dente. Resultado: o pior desenho dos 50 alunos foi o meu. Isso me assustou e me alertou para melhorar. Caso contrário, como poderia ser dentista?

Com determinação, esforço, dedicação e muito treinamento, qualquer pessoa pode superar dificuldades e praticar com excelência tudo aquilo que se propõe a fazer. É só perseverar!

Foi então, por esses dois fatores mencionados, que decidi cursar Odontologia.

Nessa mesma linha de pensamento, o senhor acredita que o seu interesse pela docência surgiu dentro da própria faculdade por natural vocação, por estímulo especial de algum colega ou professor, ou simplesmente por uma oportunidade especial caprichosamente preparada pelo destino?

Primeiro, por ver a figura do mestre como um exemplo, uma pessoa admirada e quase inatingível, de cujas mãos e orientação dependem muitos que são e serão profissionais — e depende até mesmo o próprio país. Devo citar dois professores, entre muitos, que me deixaram marcas profundas, como exemplo de docência, habilidosos e perfeccionistas na prática odontológica: Prof. José Mondelli e Prof. Waldyr Janson. São verdadeiros ícones.

Por acaso, quando aluno do 2º ano de graduação, fui convidado a dar aula de Biologia em um cursinho. Aceitei o desafio e gostei dessa nova experiência.

Por isso, fui recomendado e convidado a ministrar aula de Biologia em uma Faculdade de Bauru, quando ainda estava no último ano da graduação. Nesses últimos meses de graduação, tive convites de quatro disciplinas para ficar na FOB (Farmacologia, Anatomia, Prótese e, por fim, Dentística); primeiro como assistente, para, depois, tornar-me professor.

Acho que aí entrou o destino: eu estava concluindo uma restauração em amálgama em um primeiro molar superior esquerdo quando, por acaso, o Prof. Mondelli entrou em meu box e pediu um espelho bucal para ver a minha restauração. Falo “por acaso” porque o responsável por meu box era o Prof. Aquira Ishikiriana. Após examinar a restauração, o Prof. Mondelli me devolveu o espelho e disse em tom forte: “Termine o trabalho do seu paciente e vá lá na minha sala”. Eu estremeci e tive medo que algo de errado tivesse acontecido. Cheguei à sala dele e perguntei: ”O que foi, professor?”. Ele me disse: “A partir de amanhã você vai começar a frequentar o Departamento de Dentística, e depois será contratado como professor”. Foi a maior emoção que havia vivido até então, pois vi um ideal chegar a mim. E, assim, fiz uma carreira universitária completa dentro da Universidade de São Paulo, onde permaneço lecionando há 42 anos.

 

Não há muito tempo, houve uma época na Odontologia brasileira em que a Dentística Operatória e Restauradora se constituiu em uma espécie de espinha dorsal dos procedimentos odontológicos, convergindo fortemente os interesses dos profissionais para a prática, estudo, ensino e pesquisa dessa área, entre os quais está o senhor, na qualidade de professor titular do Departamento de Dentística da FOB/USP. Essas atenções também oscilavam entre a Periodontia, Prótese e Endodontia. A especialidade de Ortodontia, já nessa ocasião, costumava evidenciar-se de maneira independente, como uma área de atuação mais seletiva, destinada a procedimentos terapêuticos eletivos ou muito específicos. O senhor não acha que, a despeito da importância de cada uma dessas especialidades citadas, o surgimento do fenômeno da osseointegração e, consequentemente, da Implantodontia, trouxe um fator agregador de grande interação para a Odontologia como um todo, fazendo com que nos tempos atuais, cada vez mais, os planejamentos e tratamentos sejam interdisciplinares? 

O fenômeno da osseointegração trouxe uma nova forma de retenção para a prótese, com segurança, previsibilidade e longevidade. A Implantodontia em si já existia desde a época dos etruscos, porém sem resultados animadores.

Isso tornou possível diferentes formas de resoluções protéticas para edêntulos totais, parciais ou unitários, assim como para a reabilitação de pacientes maxilectomizados e mutilados faciais. Com isso, tornaram-se mais complexos os planejamentos e tratamentos odontológicos, onde, para tanto, há necessidade de um maior conhecimento da Odontologia como um todo. Além disso, a Implantodontia está inserida no contexto da interdisciplinaridade, ou da multidisciplinaridade, com envolvimento de áreas médicas e paramédicas. Posso afirmar que a Implantodontia é a especialidade mais dependente de outras especialidades. Ela, por si só, não oferece os melhores resultados funcionais e estéticos.

Com isso, vem a questão: como ensinar a Implantodontia para os níveis de graduação e de pós-graduação?

Como se processaram, para o senhor, essas mudanças advindas com a osseointegração, principalmente por ser um professor originariamente da área de Dentística? E como surgiu o interesse pelos implantes osseointegráveis?

A Implantodontia entrou em minha vida profissional e acadêmica graças à visão e intuição do Prof. Mondelli, que, certo dia, me falou: ”Ado, vá atrás desse tal de implante, que isso vai estourar logo, logo”. Isso foi por volta de 1988. Mais uma vez ele acertou.

Cabe um pouco mais de história aqui, que mostra a visão ímpar do Prof. Mondelli. Quando eu ainda iniciava na Dentística, ele me chamou e disse: “Você vai fazer seu mestrado e doutorado em Reabilitação Oral com o Prof. Waldyr Janson”, que havia recém-chegado dos EUA e trazia na “bagagem” uma nova filosofia de integração interdisciplinar da Prótese com a Periodontia. Aí, eu o questionei, por que não fazer o mestrado e doutorado em Dentística, que já era a minha área? O Prof. Mondelli estendeu o dedo indicador e foi incisivo: “Dentística você tem obrigação de saber. Vá, então, aprender outras coisas, principalmente Periodontia, para aplicar aqui na Dentística. Além disso, você também utilizará Prótese e Periodontia em seus pacientes”, pois, à época, eu trabalhava em tempo parcial e também em consultório particular.

 

Essa visão do Prof. Mondelli trouxe uma nova concepção filosófica de Dentística, que passou de uma abordagem meramente voltada aos preparos cavitários e restaurações, para uma Dentística clínica integrada, com interdisciplinaridade com a Periodontia e Prótese. Isso originou um livro que o Prof. Mondelli e sua equipe de Dentística publicaram, com o título de “Tratamentos Clínicos Integrados”, do qual sou um dos autores. Em nossa opinião, um marco dentro da Dentística. Não sei se é demais dizer, mas temos uma Dentística antes e outra após o Prof. Mondelli.

Voltando ao foco da Implantodontia, ele acertou mesmo. Eu não tinha a menor ideia do que era Implantodontia.

Quando manifestei interesse, o Prof. Mondelli telefonou para um amigo dele, o Dr. Clóvis dos Reis, de Juiz de Fora, que fazia implantes, e logo, uma semana depois, eu já estava em sua clínica aprendendo Implantodontia.

Em seguida, o Tio Gastão (Prof. Dr. José Alberto de Souza Freitas) manifestou que também gostaria de utilizar os implantes osseointegráveis no Centrinho (HRAC/USP), para reabilitar pacientes fissurados. Enviou-me, juntamente com o Dr. Heli Brosco, para os EUA, onde tivemos a oportunidade de fazer um curso de credenciamento no sistema IMZ e estágio na Universidade do Sul da Califórnia, em 1989.

Em 1990, fizemos o primeiro curso de credenciamento do Sistema Brånemark.

Esse curso foi ministrado pelos professores Lars Kristerson e Pelle Petterson, por intermédio da, então, Nobel Pharma, na Faculdade de Odontologia de Bauru.

Passados dois anos (em 1992), conheci o Prof. Brånemark, que havia iniciado trabalhos no Centrinho, e fui convidado para integrar a equipe de prótese, destinada a reabilitar os pacientes por ele operados. Foi onde tudo começou a ganhar corpo.

Qual a relevância da vinda do Prof. Brånemark ao Brasil e como o senhor avalia essa fase da osseointegração brasileira?

A vinda do Prof. Brånemark para o Brasil foi muito relevante. Ele veio ao Centrinho a convite do Tio Gastão, via Dr. Laércio Vasconcelos, onde iniciou atividades em 1992, atendendo pacientes fissurados, maxilectomizados e com defeitos da face. Trouxe grandes benefícios relacionados à melhoria da qualidade de vida e autoestima de inúmeros pacientes.

Como fruto positivo desse trabalho, o Prof. Brånemark publicou o livro intitulado “O Desafio de Bauru”, do qual fui colaborador e coordenador clínico. Depois, participou de atendimentos a pacientes na Universidade Sagrado Coração (USC, Bauru), onde instalou um Brånemark Osseointegration Center, o qual coordenei até a construção do Instituto Brånemark, em terreno doado pela prefeitura de Bauru, que passou a ser presidido pelo próprio Prof. Brånemark.

Outro fator relevante da presença do Prof. Brånemark no Brasil foi o aprendizado, difusão e crédito da osseointegração pelos cirurgiões-dentistas brasileiros.

Na qualidade de reconhecido e respeitado profissional da Odontologia brasileira e mundial, tanto por sua atuação no campo teórico como no campo da prática, com grande legado literário e livre trânsito por todas as especialidades que hoje a Odontologia abarca, qual é a sensação de fazer parte da história de pioneiros na criação do primeiro curso e do primeiro livro dirigidos ao ensino da Implantodontia no Brasil, consequentemente também responsável pela formação de boa parte da opinião científica odontológica?

Apesar de não ser da primeira geração de brasileiros que iniciaram com a osseointegração, acredito que trabalhei — e muito tenho trabalhado — com o ensino, pesquisa e atendimento de pacientes com implantes osseointegrados. Diga-se de passagem que o pioneiro em fazer uso e aplicação dos conceitos de osseointegração no Brasil foi o Dr. Humberto Cerrutti Filho1, com documentação registrada do paciente implantado em 22 de março de 1987.

Pela necessidade de ensinarmos a Implantodontia fundamentada em bases sólidas, era necessário que disciplinas autônomas, de personalidade própria, fossem introduzidas nas estruturas curriculares dos programas de graduação e de pós-graduação, uma vez que apenas cursos de credenciamento em diferentes sistemas de implantes já não eram mais suficientes para dar segurança aos profissionais. Além disso, a ciência e a tecnologia da Implantodontia osseointegrável caminhavam rapidamente para melhorias e maior aplicabilidade. Junto com o Dr. Laércio Vasconcelos, tivemos a oportunidade de criar um modelo diferente de cursos de credenciamento, onde, além de conteúdo teórico e hands-on, incluíamos prática de cirurgia e prótese, aplicadas com muito critério e responsabilidade, diretamente nos pacientes. Foi um modelo arriscado de ensino; porém, para a época, creio ter sido válido.

Com isso em mente, criamos a primeira disciplina de Implantodontia no Brasil, e talvez no mundo, dentro da graduação de um curso de Odontologia. Foi em agosto de 1996, na USC, como disciplina obrigatória, constando no histórico escolar do aluno. Antes, em 1994, ministramos a disciplina de Implantodontia na UNIMAR, porém como disciplina optativa. Na FOB-USP, iniciamos a disciplina de Implantodontia no curso de graduação em 2006.

Apoiado pela irmã Maria Isabel Leite, à época coordenadora do Centro de Biologia, no ano de 1998, iniciamos o Programa de Mestrado em Implantodontia da Universidade Sagrado Coração — também um dos pioneiros —, e a criação do Doutorado em Implantodontia, em 2007, na mesma universidade.

Em julho de 2011, me aposentei na USC e, atualmente, coordeno programas de mestrado e doutorado em Implantodontia na Faculdade São Leopoldo Mandic (SLMandic), na cidade de Campinas/SP.

Com relação a livros-texto — que considero o mais adequado e qualificado meio de ensino —, publiquei o primeiro livro sobre implantes osseointegráveis em língua portuguesa, no ano de 2000, e, logo em seguida, na língua inglesa. A partir daí, outros livros-texto foram escritos, sendo a maioria deles junto de meus alunos de mestrado e doutorado, os quais também tiveram participação efetiva como autores.

Assim, atualmente tenho 11 livros, publicados em língua portuguesa, inglesa e árabe.

Na área de conhecimento da Dentística e da Clínica Integrada, liderada pelo Prof. Mondelli, nossa equipe publicou mais de 20 livros-texto.

Isso além dos mais de 200 artigos publicados no Brasil e no exterior, bem como dos mais de 600 cursos e conferências ministradas em congressos e jornadas; por isso, posso afirmar com certeza a minha satisfação e realização pessoal em ter conseguido ajudar na formação profissional e docente de tantos alunos e colegas brasileiros e estrangeiros.

O senhor já descobriu muitos jovens docentes durante sua vida acadêmica de mestre e garimpador de talentos. Como vê o ensino da Implantodontia no Brasil? Estamos no caminho certo quando percebemos uma profusão de cursos espalhados por todas as regiões e cidades importantes? Como poderíamos aferir a qualidade desses cursos?

O ensino da Implantodontia é muito complexo, tanto no que se refere à graduação como à pós-graduação, especialmente por suas características de inter e multidisciplinaridade.

O importante é que, atualmente, temos mestres e doutores bem formados e preparados, por nós e por colegas nossos, que se dedicam com afinco e competência ao ensino e à pesquisa da osseointegração. Temos a grata felicidade de conviver e, também, de aprender com eles. Isso tudo se renova com o prazeroso fato de podermos, por força e dever de ofício, transitar recorrentemente em meio a professores de inquestionável gabarito científico, respeitabilidade mundial, de conduta moral e ética que facilmente os referencia como modelo a ser seguido. Entre tantos profissionais possuidores desse perfil, permito-me destacar aqui dois nomes que sinto bem próximos do Brasil, pela maneira acolhedora com que sempre receberam na Suécia a nós e a nossos alunos (principalmente no evento do “Brazilian Day”, que acontece de três em três anos em Gotemburgo. O próximo será em 2014, na cidade de Malmö). A amizade sincera, o intercâmbio científico e a fluida capacidade de produzir pesquisas com indiscutível teor de seriedade científica fazem dos Profs. Drs. Tomas Albrektsson e Ann Wennerberg autênticos representantes e merecedores de cada palavra que acabo de dizer.

 

Quanto aos novos professores, eles estão ávidos por ensinar. Basta que escolham instituições de ensino sérias e que projetem cursos com equipes competentes.

Eu e minha equipe, em conjunto, tivemos a oportunidade de formar 75 mestres e 51 doutores, até o momento.

Só para se ter uma ideia, muitos desses ex-alunos já estão inseridos na vida acadêmica e já demonstram produção científica e didática interessante em diferentes instituições, como docentes em universidades estaduais, federais e privadas, coordenadores de cursos de doutorado, mestrado e especialização, editores assistentes, consultores científicos e com participações em conselhos consultivos e de tecnologia. Já apresentam produção científica tanto nacional quanto internacional, com mais de 200 artigos publicados. Publicaram cerca de 30 livros-texto “solo” ou em colaboração, e mais de 50 capítulos de livros.

A formação qualificada de docentes promove um ensino da Implantodontia de alto nível. Tanto é verdade que o Brasil ocupa posição de destaque e respeito nesse segmento em todo o mundo.

Deveriam existir cuidados em relação à grande proliferação de cursos por todo Brasil, muitos deles em locais até impróprios.

A fiscalização deveria ser mais rígida e constante pelos órgãos governamentais.

Em minha opinião, apenas instituições credenciadas de Ensino Superior, tais como faculdades e universidades, com aprovação e aval da CAPES e do MEC, deveriam estar capacitadas a criar e promover cursos de pós-graduação.

A iniciativa de nossos ex-alunos em fazer encontros bianuais* para estudar e discutir diferentes assuntos, tanto no aspecto didático-científico como relacionados aos rumos da Implantodontia, poderá ser um importante canal de colaboração no efetivo controle do ensino qualificado em nosso país.

 

Os próprios cirurgiões-dentistas interessados em se especializar em Implantodontia deveriam fazer consultas consistentes e bem direcionadas, para saberem escolher com precisão um bom curso de especialização, mestrado e doutorado.

Nesses 15 anos de coordenação e ensino voltados para o stricto sensu, mestrado e doutorado, houve algum episódio marcante ou algum acontecimento de destaque que o tenha surpreendido positiva ou negativamente, e que julgue importante reportar?

Sempre é difícil enumerar episódios marcantes em nossa vida acadêmica, pois são tantos, sendo alguns muito bons e outros nem tanto. Vou me referir a três deles.

O primeiro, em 1996. A irmã Maria Isabel Leite, coordenadora da área de Ciências Biológicas da Universidade Sagrado Coração, abriu a possibilidade de introduzirmos no programa de graduação a disciplina de Implantodontia, aliás, a primeira estabelecida no Brasil e, talvez, no mundo.

Também autorizou o início de um programa de pós-graduação em nível de mestrado em Implantodontia — um dos pioneiros no Brasil. Isso tudo ocorreu em uma reunião que tive com ela em uma Quinta-Feira Santa. E aí, tudo começou…

Pudemos ministrar aulas, preparar alunos para a Implantodontia e formar mestres e doutores, conforme já comentado.

O segundo é que nós temos de conviver com sistemas de ensino e pesquisa que nem sempre transcorrem do jeito que gostaríamos que fossem. Em 2011, a Pró-Reitoria da USC propôs reforma no modelo de pós-graduação, e eu não concordei com alguns itens dessa reforma. Para dar total liberdade para a Pró-Reitoria, resolvi me aposentar, pois já tinha tempo suficiente para isso, o que ocorreu em julho de 2011. Quase imediatamente, o Magnífico Reitor da Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, o Prof. Dr. José Luiz Cintra Junqueira, me convidou para coordenar dois programas de pós-graduação: um de mestrado e outro de doutorado.

Fiquei honrado com o convite e, prontamente, resolvi aceitar mais esse novo desafio. Em outubro do mesmo ano, iniciamos esses programas. Seguindo os nossos passos, em uma surpreendente prova de amizade pessoal, confiança profissional e fidelidade discente, deparei-me com a voluntária e arrojada decisão de 26 dos 33 alunos que nos acompanhavam na USC, que solidariamente tomaram a atitude, por livre e espontânea vontade, de migrar para a SLMandic, ingressando nos cursos sob nossa coordenação.

Esse foi um fato marcante, único e talvez inédito no Brasil, dentro da pós-graduação. Esses alunos, num difícil gesto que envolvia múltiplas e variadas consequências de logística — mudança de cidade, transferência entre instituições, trâmites burocráticos e financeiros, passagens, reagendamento de calendário e viagens, adaptação às regras do novo curso, hospedagens, etc. —, mostraram a força da mais legítima e expressiva forma de traduzir todo o respeito, carinho e credibilidade que qualquer professor, por mais experiente e vivido que fosse, gostaria de experimentar. Mesmo admitindo que sempre procurei ser idealista, dedicado, esforçado, presente no ensino e na pesquisa dentro dos programas de graduação e de pós-graduação dos quais já participei, foi uma das maiores demonstrações de reconhecimento, prestígio e emoção pessoal que pude vivenciar.

Tenho — por formação de caráter, conduta e índole própria — uma grande dívida de gratidão com esses 26 alunos “especiais”.

E, finalmente, o terceiro e significativo episódio que me marcou nesses 15 anos de stricto sensu foi a iniciativa de nossos ex-alunos em organizar o 1º Encontro de Alunos e Ex-alunos de Pós-graduação do Prof. Carlos Eduardo Francischone. Realmente, considero um fato importantíssimo para ser registrado.

Liderados por Franklin Leahy, Angelo Menucci, Carlos Eduardo Francischone Junior e Mauricio Rigolizzo, os nossos ex-alunos tiveram a sensibilidade de visualizar que um programa de pós-graduação não pode simplesmente se encerrar quando o aluno recebe seu título de mestre ou doutor. Vai muito além de ensinar e pesquisar; é preciso reavaliar se seu modelo de ensino e pesquisa está atualizado, se outras e novas ferramentas de ensino e pesquisa estão aparecendo, discutir problemáticas também relacionadas ao ensino e à pesquisa, bem como à extensão dessa prática para toda a comunidade, etc. Para isso, reuniões a cada dois anos, como propuseram os ex-alunos, são de fundamental importância. Inclusive, já determinaram o local de nosso próximo encontro para a cidade de Salvador, na Bahia, com data ainda a ser fixada.

Com certeza, esse tipo de manifestação já demonstra que querem ser, e que já estão se tornando, verdadeiros mestres. Certamente, serão bem-sucedidos. Como dizia Tom Jobim: “No Brasil, sucesso é uma ofensa”. É uma pena que algumas pessoas pensem e ajam assim.

A respeito das empresas de implantes dentários, qual seria sua visão atual desse mercado? O implante importado é melhor do que o nacional? Essa indústria trouxe empregos e desenvolvimento para o Brasil? Os pacientes foram beneficiados por isso?

 

O mercado brasileiro de implantes já é muito abrangente e haverá um incremento ainda maior nos próximos anos. É um dos mercados que mais crescem no Brasil e, também, no mundo. Várias são as causas desse crescimento: maior informação dos pacientes pelas vias de comunicação e pelos dentistas; maior número da oferta de produtos e dentistas habilitados para realizar instalação de implantes e prótese sobre implantes; a longevidade das pessoas está aumentando e, consequentemente, haverá mais edêntulos parciais e totais à medida em que os anos avançam. Segundo dados do Ministério da Saúde, 30 milhões de brasileiros acima dos 50 anos de idade são edêntulos totais. Nessa pesquisa não foram incluídos dentes com indicações para exodontia, o que, seguramente, aumentaria esse índice de desdentados totais. Segundo a ONU, atualmente o mundo tem mais de 390 milhões de indivíduos com mais de 65 anos de idade. Em 2025, esse total irá para 800 milhões. Haja implantes, dentistas, serviços de saúde pública e projetos governamentais para disponibilizar a reabilitação dos pacientes interessados! Isso será um problema brasileiro e mundial. Ainda, deve-se considerar que, pela maior disponibilidade e acessibilidade aos implantes, os custos têm diminuído e, consequentemente, mais implantes estarão sendo instalados.

Em relação à qualidade dos implantes, tanto os importados quanto os nacionais têm se mostrado adequados e de boa qualidade, o que tem trazido muitos benefícios aos pacientes. Atualmente, existem mais de 1.500 sistemas de implantes registrados e avalizados pelos órgãos pertinentes.

A tendência é aumentar ainda mais o número de empresas, especialmente nesse momento, em que o mundo oriental está entrando firme nesse mercado.

A indústria brasileira criou um novo segmento, trazendo não só desenvolvimento tecnológico — hoje, mundialmente respeitado —, mas também novos empregos. A demanda por produtos tem sido tão grande que, talvez, o Brasil não esteja totalmente preparado para esse tipo de mão de obra, extremamente especializada, de tal sorte que possam estar faltando elementos qualificados na fabricação de implantes e derivados para suprir essa grande procura.

Falando um pouco sobre pesquisa, sabemos que a maioria das novas descobertas ou avanços saiu do berço das universidades públicas. Poderíamos afirmar que isso pode estar mudando com a participação mais efetiva das empresas nesse campo? Já é possível acreditar que os doutores formados no Brasil podem considerar a área privada como um novo campo de trabalho?

Sem dúvida alguma, até um tempo atrás, a maioria das descobertas ou avanços tecnológicos saía de projetos idealizados e desenvolvidos por pesquisadores e professores de universidades, em especial das públicas. Incontáveis seriam os nomes de cientistas brasileiros que poderíamos destacar, com seus respectivos inventos ou descobertas, nos mais variados segmentos da ciência contemporânea. A Odontologia não foge à regra.

Está em constante movimento, numa dinâmica intermitente e voraz de novos equipamentos ou produtos que nos auxiliam nas mais variáveis e profusas formas de tratamento. Hoje, as universidades privadas estão formando doutores e dotando, cada vez mais, seus parques com modernos equipamentos para desenvolvimento de pesquisa e tecnologia, à altura das universidades públicas.

Em relação à participação mais efetiva das empresas nesse campo, pode-se dizer que, em algumas áreas, essa participação é muito clara e sinérgica, como por exemplo na Engenharia (CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP), na Medicina (INCOR–USP e FAPESP ), na Aeronáutica (Embraer e USP, e o CTA de São José dos Campos com a FAPESP), etc. No dia 7 de junho de 2013, o Governador do Estado de São Paulo, Dr. Geraldo Alckmin, comentou que disponibilizará 17 parques de Ciência e Tecnologia no estado de São Paulo sob a liderança da FAPESP. Mais de 600 pesquisadores estarão participando, no intuito de desenvolver ainda mais a ciência e a tecnologia no Brasil.

Por outro lado, na Odontologia, mais especificamente na Implantodontia, essa cultura ainda é adolescente, tendo em vista ser uma especialidade ainda nova. Os doutores formados no Brasil, indubitavelmente, estão iniciando em um novo e belo campo de trabalho. Alguns deles, já contratados até por respeitadas universidades estrangeiras, são muito conceituados, alcançando muito sucesso.

É preciso que se valorizem para que sejam valorizados pelas empresas. Essas, por sua vez, deveriam investir parte de seus lucros na formação de departamentos científicos (investigativos e clínicos) sérios, consistentes, competentes, ajudando não só no desenvolvimento como nas publicações em revistas de forte impacto internacional, credenciando, dando apoio e contribuindo para construir uma bela história de confiança e credibilidade relacionada à imagem de uma empresa. Veja o exemplo positivo da ITI.

Isso só será possível se os dirigentes das empresas adotarem posturas mais interativas com seu público-alvo, ouvindo e aceitando as sugestões de melhoria ou de ajuste para seus produtos expostos à venda nas “prateleiras”, devendo ser mais pesquisados e testados. Esses resultados precisam ser criteriosamente analisados para que tragam as esperadas e necessárias contribuições de melhoria para os produtos, para que sejam aceitos com maior segurança e naturalidade pelos profissionais — que os utilizam e indicam — e pelos pacientes, para os quais, efetivamente, todo esse esforço se destina.

É importante que as pesquisas sejam publicadas, independentemente de seus resultados, sem que se curvem a qualquer pressão do mercado, do comércio ou da indústria. Isso não só contribuirá para a imagem de lisura, transparência, isenção e credibilidade das empresas, como também transmitirá aos dentistas, em geral, as garantias requeridas para fazer a melhor escolha de seus sistemas de implantes e, principalmente, aqueles mais adequados a seus pacientes, que serão usuários e portadores finais dos produtos dentro de seus organismos, esperando que ali permaneçam sem prazo para vencimento.

Quando se coloca qualquer produto na “prateleira”, duas distintas situações, sabidamente conscientes, podem ocorrer: disputar a concorrência com outros produtos similares no mercado, ou disputar a preferência dos consumidores — no caso, especificamente, nós dentistas. Nada mais compreensível e aceitável que estudos paralelos e sem grandes vínculos comerciais sejam desenvolvidos por instituições sérias e credenciadas na pesquisa e no ensino, para aferir e confirmar (ou não) características e “vantagens” sempre enaltecidas pelas empresas no desenho de suas campanhas de marketing. Os resultados das pesquisas com a clara intenção de melhorar, aperfeiçoar ou ajustar os produtos que de alguma forma já são bons, é o diferencial básico e fundamental entre as propostas sérias e as levianas.

 

Como dizia Mário Quintana: “A pesquisa é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”.

Na Dentística, outra área em que eu atuo e cuja especialidade é bem mais antiga que a Implantodontia, os resultados de pesquisas são aceitos com naturalidade, ainda que adversos aos interesses das empresas, que simplesmente fazem uso desses resultados em benefício do aperfeiçoamento de seus produtos, para conquistar espaços e atingir novos horizontes. Vejam o quanto evoluíram os adesivos dentários, resinas compostas e cerâmicas — apenas para citar alguns produtos.

Segundo um grande pensador e respeitado cientista da humanidade, Isaac Newton, “Tudo o que sabemos é uma gota, e o que ignoramos, um oceano…”.

É bom que reflitamos bastante sobre isso.

Mudando um pouco de foco, sabemos que o senhor é muito ligado à família. Como conseguiu conciliar seus 40 anos de atividades acadêmicas com as obrigações familiares? Eles sempre o apoiaram?

É muito difícil expressar qualquer manifestação de carinho, amor e compreensão, quando envolvemos a nossa família. Para todos aqueles que são minimamente reconhecidos e agradecidos, a família será, sempre, a fonte renovadora de boas energias, mas, em contrapartida, ela é nosso “calcanhar de Aquiles” emocional. Sempre tive irrestrito apoio, não só da Ana Luiza, minha esposa, como de meus três filhos: Carlos Eduardo, Ana Carolina e Fabricio. Mesmo sabendo dos exageros por mim praticados em relação aos estudos, clínica, ausências para ministrar cursos, etc., eles nunca deixaram que essas bem intencionadas faltas transparecessem. De certa forma, é o que mais me dói, pois sei que perdi muitos momentos lindos que poderia ter usufruído e passado junto à minha família. Quando presente, tentava dar o máximo de atenção que a minha capacidade permitia. São tempos que não voltam mais. Hoje, procuro compensar um pouco isso junto ao meu neto Lucca, de 4 anos.

 

 

 

Resta-me o consolo e conforto de perceber que eles ficavam felizes — e ainda ficam — com toda a minha motivação e felicidade de poder ensinar, passando todos os conhecimentos adquiridos durante esses 42 anos de experiência e profissão aos meus alunos e colegas.

Se não fosse por eles e por alguns amigos que sempre estão ao meu lado, acreditando, confiando e me estimulando, certamente já estaria completamente afastado dessas atividades.

Enquanto eu puder ter a minha família ao meu lado, meus amigos, colegas e alunos que queiram me ouvir, estarei ensinando. Basta-me saúde. Eu gosto disso.

Olhando para trás e vendo tantos professores que hoje atuam multiplicando conhecimentos e que foram seus alunos, perguntamos: valeu a pena?

É claro que valeu e vale a pena! Ainda estou na ativa, e sempre tentando formar bons profissionais, professores e pesquisadores, transmitindo-lhes o prazer de ensinar, de mostrar tudo aquilo que tive condições de aprender e, sobretudo, procurando agir com honestidade, profissionalismo, humildade e humanidade. Todo conhecimento adquirido e não ensinado, represado e não difundido, é, literalmente, estéril.

Tudo se resume no seguinte: o maior orgulho de um professor é ver seu aluno superá-lo. Eu tenho muito orgulho daqueles que auxiliei a alcançar esse patamar.

Nós não podemos ter medo da “fama” ou do prestígio alheio. Devemos apenas reverenciá-los. Sou muito grato a Deus e à vida por tudo isso. “A gratidão é o único tesouro dos humildes”, disse Willian Shakespeare.

Sabemos de uma passagem pitoresca — e digna de ser relembrada — que ocorreu em seus anos de envolvimento com a osseointegração e Implantodontia, que foi o fato de ter sido o senhor, um dentista e cidadão brasileiro, sempre dentro da simplicidade que tão bem o caracteriza, o agente facilitador que viabilizou um encontro do Professor Brånemark, de maneira mais informal, com a rainha Silvia, pertencente à monarquia de seu próprio país, a Suécia, e dentro dos domínios do Palácio Real em Estocolmo. O senhor poderia nos relatar detalhes desse fato?

Foi muito interessante! Em uma de nossas idas à Suécia, assim que cheguei ao hotel, na cidade de Gotemburgo, para mais uma jornada no Brånemark Center, recebi um recado para que eu telefonasse para a minha esposa, Ana Luiza.

Assim o fiz, e ela me disse que a Rainha Silvia gostaria de me receber no Palácio em Estocolmo. A razão disso é que a Rainha Silvia é parente de um casal de pacientes nossos, e que foram padrinhos de seu casamento.

Aliás, de 1975 a 1976, tive que concluir uma reabilitação completa em um deles, em tempo hábil para que apadrinhasse o referido casamento. Eles falavam muito para a rainha de nosso trabalho na FOB e, também, no Centrinho, aqui em Bauru (junto com os Professores Brånemark, Eli Brosco, Kenji Higushi, Dr. Laércio Vasconcelos e Dr. Assunção) na reabilitação de pacientes fissurados — trabalho, esse, todo gratuito; portanto, de grande alcance social.

Eu cheguei no domingo à noite e, logo na segunda-feira, pela manhã, entrei em contato com a secretária da Rainha Silvia. Comentei com ela que estava vindo à Suécia para um compromisso com o Prof. Brånemark e que gostaria de poder convidá-lo também para ir ao palácio comigo. Prontamente me disse que seria um prazer tê-lo com a Rainha (o bom é que a secretária falava a língua portuguesa!).

Transmiti a notícia, e o professor prontamente aceitou. Foi um ótimo e prazeroso encontro, onde a Rainha Silvia ficou impressionada com a abrangência social do atendimento do Centrinho, com milhares de pacientes fissurados tratados. O Centrinho — hoje, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais/USP —, foi construído e funciona com uma filosofia ímpar, graças à dedicação e empenho de uma pessoa maravilhosa, que é o Tio Gastão

 

(Prof. Dr. José Alberto de Souza Freitas). Na saída do palácio, havia uma limousine esperando para nos levar até a estação de trem. O Prof. Brånemark costumava sempre ir no banco da frente. Dessa vez, ele pediu para ir no banco de trás do carro. A princípio não entendi. Em seguida, durante o trajeto, ele colocou a mão em meus ombros e me agradeceu pela oportunidade de estar ao lado da Rainha Silvia, conversando com exclusividade, coisa que até então não havia acontecido, a despeito da grande importância que o Prof. Brånemark representa para o mundo.

Lembrando de uma frase sua, que diz que “o sorriso é a expressão máxima da felicidade”, qual é a sua mensagem para os estudantes de graduação em Odontologia? Ainda vale a pena ser cirurgião-dentista? Eles podem concretizar seus sonhos atuando na saúde bucal e reabilitando pacientes inválidos bucais?

Nossa mensagem aos alunos de graduação é que eles procurem, incansável e obstinadamente, a boa formação moral e profissional. Pratiquem uma ótima Odontologia — a qual continua sendo uma profissão maravilhosa, que exige muita dedicação. Dizemos que o dentista é um artista diferente dos demais artistas. Enquanto pintores e escultores precisam ter suas obras vistas, observadas nos mínimos detalhes, nossa arte é torná-la imperceptível. Isso se torna um desafio diário. A cada dia que passa, devemos agradecer a Deus por nos possibilitar devolver ou manter o sorriso dos pacientes, que é a “expressão máxima da felicidade”, muitas vezes restituindo a autoestima, principalmente aos pacientes mutilados e que necessitaram de reabilitação nas diferentes áreas de atuação da Odontologia.

 

Referências

1. Cerruti Filho H. Entrevista. Rev Dental Press Periodontia Implantol. 2009 abr-jun;3(2):17-25.

Entrevistadores

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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