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Entenda a história por trás da Medicina do Sono no Mundo

Entenda o histórico mundial por trás da Medicina do Sono

Livro é uma referência na área da Medicina do Sono

– Texto assinado por Sérgio Tufik e Lia Rita Azeredo Bittencourt, retirado da obra “A Odontologia na Medicina do Sono”, de Cibele Dal Fabbro, Cauby Maia Chaves Júnior e Sérgio Tufik –

O interesse pelo sono e pelos sonhos existe desde os primórdios da humanidade. Eles foram objeto privilegiado de atenção das civilizações antigas, dos relatos bíblicos, dos filósofos gregos e dos poetas. Hopócretes (466-377 a.C.) foi um dos primeiros a associar o sono e saúde em seu comentário: “o sono e a sua ausência, quando em excessos, são ruins”. Aristóteles (384-322 a.C.) atribuiu a regulação do sono a vapores produzidos pela digestão. O primeiro relato de um caso de apneia do sono data 300 a.C. e refere-se a Dionisius, governante de Heracleia, extremamente obeso, que, para evitar pausas respiratórias, tinha agulhas colocadas no abdome, por seus médicos.

Pode-se considerar que uma abordagem científica do sono começa a partir da década de 1830, com a descoberta do hidrato de clorar. Nessa época, o escocês Robert MacNish publica “A Filosofia do Sono” (1834), livro no qual afirma ser o sono um estado intermediário entre a vigília e a morte. Em 1877, Westphal, psiquiatra alemão, relata um caso de fraqueza muscular associada à sonolência diurna excessiva e poucos anos mais tarde, Jean Baptiste Gellineau, médico francês, descreve a narcolepsia. Em 1903, Adolph Von Bayer sintetiza o primeiro barbitúrico terapeuticamente ativo.

Várias teorias para explicar o sono começam a ser descritas, entre elas, a teoria vascular, na qual o início do sono é explicado pelo desvio de sangue do cérebro para o trato digestivo ou o oposto, pelo acúmulo de sangue no cérebro. A teoria das hipnotoxinas fundamenta-se no princípio de que, durante a vigília, produtos tóxicos se acumulam no sangue, causam sono e, gradualmente, se dissipam. Em 1907, os fisiologistas franceses Legendre e Pieron realizam o célebre experimento no qual induzem sono em cães normais ao infundir-lhes soro obtido de cães privados de sono. A então denominada teoria da hipnotoxinas veio dar lugar à noção de que vários “fatores do sono” endógenos induzem ativamente o sono por meio de mecanismos específicos.

Na década de 1920, Nathaniel Kelitman, considerado o pai da pesquisa norte-americana em sono, inicia seus estudos sobre sono e ritmo circadiano. Entretanto, a partir  dos primeiros registros de atividade elétrica cerebral, pelo psiquiatra alemão Hans Berger, em 1924, e da clara demonstração das diferenças entre o padrão obtido no sono e na vigília, o interesse científico ganha impulso. Os principais elementos dos padrões de ondas cerebrais no sono são descritos por  Harvey, Horbat, Davis e outros, na Universidade de Harvard, entre 1937 e 1939, e com eles a noção de um cérebro adormecido completamente “desligado” perde terreno. Ainda na década de 1930, Frederik Bremer realizou seus estudos de sono e deaferentação cerebral em gatos . Em 1949, Moruzzi e Magoun publicam seu clássico artigo “A formação reticular do tronco cerebral e a ativação do eletrograma (EEG)”, um dos mais importantes e influentes estudos da fisiologia do sono. Em 1957, a presença de ciclos de sono no EEF é observada por Dement e Kleitman e, em 1959, Jouvet descreve o sono em REM (Rapid Eye Movement) e o sono não-REM, sendo o REM caracterizado por atonia muscular e movimentos oculares rápidos. Outras importantes descobertas na década de 1950 foram o primeiro benzodiazepínico, o clorduazepóxido, em 1954, e o tratamento da narcolepsia com metilfenidato, por Daly e Voss, em 1956.

A pesquisa clínica em sono, iniciada na década de 1960, com ênfase nos estudos de noite inteira, pode ser considerada a legítima precursora da Medicina do Sono e de seu principal exame complementar, a polissonografia. Inicialmente, grande parte da pesquisa esteve direcionada para o estudo dos sonhos e do sono REM, influenciada pela abordagem psicoanalítica das doenças mentais. Quando um número suficiente de registros de sono permitiu a definição denominada “arquitetura do sono” normal, observou-se que a depressão está associada a uma redução da latência para o sono REM. Outros fatores e circunstâncias importantes para o surgimento da Medicina do Sono merecem destaques, tais como a descrição do sono REM, inicialmente no paciente narcolépticos, por Gerald Vogel, em 1960; o interesso pelo estudo da epilepsia e dos movimentos anormais do sono, primariamente na França, traduzido na realização de um simpósio em Paris, em 1965, e a introdução dos benzodiazepínicos, criando uma demanda por laboratórios de sono para a realização de testes de eficácia hipnótica.

Um dos mais importantes eventos para a história da Medicina do Sono é a descrição da apneia do sono, realizada de forma independente por Gastaut, Tassinari e Durmom, na França, e Jung Kuhlo, na Alemanha, no ano do sono muito estudado hoje em dia. Previamente, Burwell, Robin, Whaley e Bickelmann haviam descrito a Síndrome de Pickwickian que, por avaliarem somente durante a vigília seus paciente obesos, erroneamente atribuem à hipercapnia como causa de sonolência nesses indivíduos. Por volta dos anos 1970, Lugaresi, Tassinari e Coccgna realiza inúmeras investigações e, finalmente, descrevem minuciosamente a Síndrome da apneia do Sono, esclarecendo que eram os despertares e não a hipercapnia os responsáveis pela sonolência excessiva e que, mesmo pacientes não obesos, poderiam ter apneia durante o sono.

Em 1968, Rechtschafen e Kales publicam o manual de estagiamento do sono intitulado “A manual of standardized terminolofy, rechniques and scoring system for sleep stages of human subjects”, que continua a ser referência até os dias atuais. A Universidade de Stanford, Califórnia, sedia a primeira clínica especializada em distúrbios do sono, que entra em funcionamento em 1970, sob a direção de Dement e Guilleminault, assim como o primeiro curso sobre diagnóstico e tratamento de distúrbios do sono, realizado em 1972. Em 1974, Holland, um membro do grupo de Stanford, deu nome de “polissonografia” ao exame de registro das diversas variáveis fisiológicas durante o sono. Os parâmetros para definir a apneia obstrutiva do sono foram publicados por Guilleminault e Carskadon estabelece o teste das Múltiplas Latências do Sono. À medida que transcorria a década de 1970, foi-se contemplando o processo de consolidação e formalização da Medicina do Sono. Em 1975, é fundada a American Sleep Disorders Association e, nesse mesmo ano, publica-se o primeiro fascículo do periódico especializado “Sleep”.  Em 1979, é publicada a primeira classificação dos distúrbios do sono.

O tratamento da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono foi marcada pela popularização da técnica cirúrgica da uvulopalatofaringoplastia por Fujita, Conway e Zorick, em 1981, e pela invenção da CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) por Sullivan, no mesmo ano. No ano seguinte, Rosalind Carrwrigth, uma pneumologista americana, descreve o primeiro aparelho intraoral, denominado TRD (Tongue Retaining Device). Em 1989, edita-se o primeiro texto de medicina do sono: Principles and Pratice of Sleep Medine. Pode-se dizer que a década de 1990 assistiu à aceleração da aceitação da Medicina do Sono como área de atuação médica em todo o mundo.

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