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Em adultos: 47,2% apresentam periodontite! E nos pacientes ortodônticos?

A prevalência de 47,2% da doença periodontal inflamatória crônica induzida pela placa dentobacteriana em adultos com mais de 30 anos foi detectada em 3.742 adultos, que representaram estatisticamente 64,7 milhões de pessoas de 50 estados e do distrito federal dos Estados Unidos da América. O método foi preciso e os resultados induzem a alguns insights quanto à relação entre o tratamento ortodôntico e a saúde dos tecidos periodontais, que foram expostos no texto desse trabalho.

 

Palavras-chave: Ortodontia-Periodontia. Gengivite. Periodontite.

Introdução

A mídia leiga estampou manchetes com os resultados da pesquisa coordenada pela Divisão de Saúde Bucal do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta, Geórgia (EUA), e realizada por muitos pesquisadores de outras universidades associadas: quase metade dos estadunidenses adultos com mais de 30 anos apresenta periodontite! De início, um profissional pode achar que se trata de mais um sensacionalismo, mas a informação está correta.

Nesse estudo de Eke, Dye, Wei, Thornton-Evans e Genco2, publicado no Journal of Dental Research, pela primeira vez na literatura mundial examinou-se um grande número de pessoas (3.742 adultos com mais de 30 anos), os quais representaram estatisticamente 64,7 milhões de estadunidenses de 50 estados e do distrito federal dos Estados Unidos da América. Foram analisados seis lugares diferentes dos tecidos periodontais em cada dente de cada pessoa, excetuando-se os terceiros molares. Os trabalhos anteriores apresentavam amostras menores e o método de análise pontuava de dois a quatro pontos do periodonto dos dentes examinados, resultando em prevalências bem menores do que as obtidas nesse novo estudo. Os resultados anteriores subestimaram a prevalência da doença periodontal inflamatória crônica1,3-7.

O exame de cada pessoa foi criterioso e o resultado assustou toda a comunidade científica e leiga! A prevalência de periodontite foi de 47,2% das pessoas, sendo 8,7% dos casos considerados leves; 30%, moderados e 8,5%, severos. Das pessoas com 65 anos ou mais, 64% apresentaram periodontite moderada ou severa. As manchetes na mídia estavam certas: quase metade dos adultos tem periodontite, a forma mais avançada da doença resultante da placa dentobacteriana.

Para a classificação da periodontite, foram adotados os seguintes critérios:

» Periodontite severa: quando o paciente tinha dois ou mais dentes com superfícies interproximais apresentando perda de inserção de 6mm ou mais, além de um ou mais dentes com bolsa periodontal de 5mm ou mais.

» Periodontite moderada: dois ou mais dentes com perda de inserção de 4mm, além de dois ou mais dentes com bolsa periodontal de 5mm ou mais.

» Periodontite leve: dois ou mais dentes com perda de inserção de até 3mm, e dois locais com bolsa periodontal de 4mm ou um local com bolsa de 5mm ou mais.

A cárie dentária, a gengivite e a periodontite são resultado da falta de educação e higiene adequada. Na pesquisa, a periodontite foi bem mais prevalente em homens, fumantes, pobres e pessoas com baixo nível educacional — o aspecto socioeconômico foi determinante. Por exemplo, os latinos se revelaram bem mais afetados do que os brancos não-hispânicos.

Na mídia leiga, algumas propagandas apresentam pessoas mordendo uma maçã e marcando-a de vermelho com sangue, para justificar o uso de certos produtos de higiene bucal. O sangramento também pode existir na gengivite, mas é um sinal marcante na periodontite. Infelizmente, a maioria das pessoas tem dificuldades quanto à frequência — por falta de motivação ou conscientização deficiente — ou à aplicação da técnica de escovação, e apresenta periodontite que requer intervenção do profissional.

 

Doença periodontal e a

prática ortodôntica: insights

A partir de um raciocínio lógico, podemos extrapolar: se 47% dos adultos têm periodontite, provavelmente os demais têm gengivite. Devem ser poucas as pessoas que, depois desse criterioso exame de todos os dentes em seis pontos diferentes de seus tecidos periodontais, não apresentam gengivite. Tecidos gengivais totalmente livres de qualquer infiltrado inflamatório não compõem uma situação considerada viável de ser encontrada, mesmo em uma boca completamente saudável do ponto de vista clínico.

Algumas perguntas, ou insights, surgem depois da análise dos resultados apresentados por Eke et al.2:

1. Qual seria o desenho da prevalência da doença periodontal inflamatória crônica (gengivite e periodontite) na população durante o tratamento ortodôntico?

2. Qual a prevalência da doença periodontal inflamatória crônica em pacientes que se submeteram a tratamentos ortodônticos: seria menor ou maior?

3. O tratamento ortodôntico atua como um fator motivador e conscientizador eficiente da higiene e saúde bucal?

4. Os profissionais podem ter suas opiniões a respeito, mas em ciência ela pouco importa, o que vale são os métodos e critérios adotados e os resultados obtidos. Os mesmos modelos e critérios de análise usados por Eke et al.2 poderiam ser aplicados em uma população ortodôntica para elucidar a influência do tratamento ortodôntico no estado periodontal.

5. O ponto mais forte e marcante dessa pesquisa2 foi sua grande amostra e o grau de detalhamento dos exames realizados: seis pontos de análise para cada dente presente na boca das pessoas examinadas. Isso nos leva à seguinte pergunta: nos preocupamos devidamente com o estado periodontal dos pacientes durante a terapêutica ortodôntica?

O que caracteriza e diferencia a gengivite e a periodontite é o comprometido das estruturas de inserção e de suporte do dente no osso alveolar, mesmo que seja um comprometimento apenas inicial e ainda que se apresente, clinicamente, como se fosse uma gengivite aparentemente “inocente”. De um modo geral, pode-se afirmar que esse comprometimento das estruturas de inserção e de suporte seja definitivo na mudança de relação entre o epitélio juncional, a junção amelocementária, altura do osso alveolar e profundidade do sulco gengival.

Detalhar e desvendar o estado periodontal de pacientes durante e após o tratamento ortodôntico pode elucidar vários aspectos importantes da prática ortodôntica. Muitas bocas com arcadas esteticamente maravilhosas podem apresentar periodontites incipientes.

Devemos, ainda, ressaltar que:

1) A doença periodontal inflamatória crônica é insidiosa, silenciosa, lenta e progressiva, quer seja em surtos ou de forma continuada. A doença periodontal inflamatória crônica instalada provavelmente se refletirá, ao longo de meses ou anos, na saúde bucal dos pacientes. Poderia a terapêutica ortodôntica melhorar a saúde periodontal dos pacientes ao longo do tempo ou não?

2) A longevidade humana é cada vez maior e a saúde bucal deve ser preservada por muito mais décadas do que em tempos anteriores, para garantir qualidade mínima de vida. Teria o paciente uma saúde bucal melhor, nas fases mais tardias da vida, se fez tratamento ortodôntico em alguma fase da vida?

3) Os inúmeros benefícios da terapêutica ortodôntica se estendem cada vez mais a quase todas as faixas socioeconômicas da população. O fator socioeconômico no trabalho de Eke et al.2 se mostrou um dos fatores mais relevantes nos resultados. Como isso pode interferir no quadro periodontal desses pacientes durante o tratamento ortodôntico?

4) Se os pacientes que realizaram abordagens terapêuticas ortodônticas apresentarem menos doença periodontal inflamatória crônica ao longo de suas vidas, essa observação pode indicar ainda mais a necessidade de sua realização na busca de uma saúde bucal estável.

5)  Por outro lado, se o tratamento ortodôntico, de uma forma ou de outra, contribuir com um quadro periodontal inconveniente ao longo da vida, reforçar-se-ia mais ainda a necessidade uma interação Ortodontia-Periodontia para controlar a higiene bucal e corrigir os problemas periodontais, ainda que pequenos ou incipientes, antes da finalização dos casos na prática clínica.

 

Consideração final

A prevalência de 47,2% da doença periodontal inflamatória crônica decorrente da placa dentobacteriana em adultos com mais de 30 anos foi detectada por uma metodologia precisa e inédita no trabalho de Eke et al.2, e nos induziu a alguns insights — sobre a relação entre o tratamento ortodôntico e a saúde dos tecidos periodontais — ainda não esclarecidos na literatura pertinente.

 

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