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Efeitos colaterais dos aparelhos de avanço mandibular no tratamento do ronco e da apneia obstrutiva do sono: uma revisão sistemática

Artigo escrito por Olivia de Freitas Mendes Martins, Cauby Maia Chaves Junior, Rowdley Robert Pereira Rossi, Paulo Afonso Cunali, Cibele Dal-Fabbro, Lia Bittencourt

– Fragmento de artigo publicado originalmente na Dental Press Journal of Orthodontics V23n4 –

Autoria: Olivia de Freitas Mendes Martins, Cauby Maia Chaves Junior, Rowdley Robert Pereira Rossi, Paulo Afonso Cunali, Cibele Dal-Fabbro, Lia Bittencourt

 

INTRODUÇÂO:
Ao longo da última década, os aparelhos de avanço mandibular (AAM) têm sido estudados entusiasticamente e têm se mostrado uma forma de tratamento eficaz, menos invasiva e bem aceita para o ronco e apneia obstrutiva do sono (AOS) leve a moderada. Há evidências científicas crescentes de que os AAM são uma alternativa efetiva ao CPAP (aparelho de pressão positiva na via aérea) para pacientes com AOS leve a moderada. Em um ensaio randomizado envolvendo 103 pacientes acompanhados por dois anos, Doff et al. compararam os resultados subjetivos e objetivos do tratamento da AOS com aparelho intrabucal (AIO) e com CPAP. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as duas abordagens, no que diz respeito ao sucesso do tratamento (56% vs 60% em casos não severos, e 50% vs 75% nos casos severos, para AAM e CPAP, respectivamente) e à melhora dos parâmetros subjetivos do sono (Escala de Sonolência de Epworth, Questionário de Resultados Funcionais do Sono, Questionário de Qualidade de Vida através do Instrumento SF-36). No entanto, o CPAP se mostrou mais efetivo na redução do índice de apneia e hipopneia e na melhora dos níveis de saturação da oxi-hemoglobina, quando comparado à terapia com AIO. Possivelmente, a menor eficácia do tratamento com AAM é compensada pela maior adesão ao AIO, quando comparado ao CPAP, o que resulta em uma efetividade similar das duas terapêuticas.

Baseando-se no mecanismo de ação dos AIO, eles podem ser agrupados em duas categorias: aparelhos retentores de língua (ARL) e AAM. Atualmente, os ARL são pouco utilizados, por causa da baixa adesão dos pacientes, e foram praticamente substituídos pelos AAM. Esses são os que possuem o maior número de publicações com qualidade de evidência, quando com-parados aos outros tipos de aparelhos.

Os AAM se ancoram nos dentes e mantêm a mandíbula numa posição anterior e aberta verticalmente, o que traciona para a frente a base da língua e os tecidos moles faríngeos. Como consequência, ao manter a mandíbula nessa posição, gera-se uma carga contínua nos dentes e tecidos adjacentes, pois forças de tração exercidas pelas musculaturas mastigatória e milo-hióidea e pelos tecidos moles tendem a puxar a mandíbula para trás, para retornar à sua posição habitual, particularmente durante a deglutição. Assim, ocorre uma resultante de força para vestibular nos incisivos inferiores e outra é direcionada para palatina nos incisivos superiores. Tem sido sugerido que isso pode resultar na alteração da inclinação desses dentes, modificando a posição da mandíbula e aumentado a carga sobre o complexo craniomandibular.

No início do tratamento com AAM, os pacientes frequentemente relatam sensibilidade nos dentes e nos maxilares, irritação da gengiva e salivação excessiva ou xerostomia. Entretanto, normalmente essas queixas são leves, aceitáveis e transitórias ou são facilmente sanadas pelo dentista5. Nas avaliações de longo prazo, a terapia com AAM pode resultar em efeitos adversos objetivos como movimentos dentários, alterações esqueléticas e alterações oclusais.

Complicações na forma de dor por disfunções temporomandibulares (DTM) têm sido associadas ao uso de AAM. Doff et al. avaliaram em longo prazo (2 anos de acompanhamento) a ocorrência de DTM em pacientes com AOS tratados com AIO e CPAP. Observou-se que o tratamento com AIO resultou em mais dor por DTM do que com o CPAP, no período inicial de uso; no entanto, essa dor em geral não foi grave e teve natureza transitória. Além disso, não ocorreram limitações na função mandibular durante os dois anos, com ambos os tratamentos. Portanto, os autores sugeriram que o risco de desenvolver dor e alteração na função do com-plexo temporomandibular não é razão para contraindicar o tratamento com AIO.

Apesar da principal razão para o paciente abandonar o tratamento com AIO ser sua não efetividade, os efeitos oclusais adversos, a dor e limitações na função mandibular são razões possíveis para a baixa adesão ou abandono do tratamento com AAM3. Além disso, considerando-se a natureza crônica da AOS e que o uso do AAM é contínuo e por tempo indefinido, é importante conhecer melhor os efeitos craniofaciais desse tratamento, para que o dentista seja capaz de gerenciar bem as possíveis alterações esqueléticas, dentárias e oclusais, assim como a dor e limitações funcionais do complexo temporomandibular associadas ao tratamento com AAM.

A segurança da terapia com AIO em pacientes com AOS foi avaliada em uma revisão sistemática feita em 20045. Treze estudos foram incluídos para avaliação metodológica, sendo um ensaio clínico controlado e doze séries de casos. Os autores concluíram que o tratamento com AAM poderia resultar em efeitos adversos (normalmente não sérios) nos complexos craniofacial e craniomandibular, envolvendo, geral-mente, a oclusão dentária. Eles também destacaram que eram necessários mais estudos controlados para avaliar os efeitos adversos da terapia com AIO. Des-de essa publicação, trabalhos mais recentes sobre esse tema foram publicados. Dessa forma, o objetivo do presente artigo foi avaliar sistematicamente a literatura disponível sobre a segurança do tratamento com AAM para o ronco e a AOS.


MÉTODOS:
Essa revisão sistemática seguiu os critérios do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses for Protocols 2015 (PRISMA-P 2015).


PROTOCOLO E REGISTRO:
O protocolo e o registro da revisão não foram realizados.


CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE:
A estratégia PICOS (População/pacientes, Intervenção, Comparação, Outcome/desfechos e Study design/tipo de estudo) foi utilizada para formular a questão clínica e elaborar os critérios de inclusão.

Quais são os efeitos colaterais no complexo craniofacial do tratamento do ronco ou AOS em adultos (20 anos ou mais), mensurados objetivamente por exame clínico, análise cefalométrica e medições em modelos de gesso?

» População/pacientes: adultos (20 anos de idade ou mais) com ronco ou AOS.

» Intervenção: Tratamento com um AAM.

» Comparação: Tratamento versus controle (CPAP, placebo ou aparelho inativo, uvulopalatofaringoplastia) ou pré e pós-tratamento.

» Outcome (desfechos): Efeitos colaterais no complexo craniofacial mensurados objetivamente por exame clínico, análises cefalométricas e medições em modelos de gesso.

» Tipo de estudo: ensaios clínicos randomizados (ECR).


CRITÉRIOS DE SELEÇÃO:
Os critérios de inclusão foram: (1) estudos cujo objetivo primário era medir objetivamente os efeitos colaterais do tratamento da AOS com AAM no complexo craniofacial; (2) pacientes estudados diagnosticados com AOS ou ronco primários; (3) pacientes estudados com 20 anos de idade ou mais; (4) estudos com grupo intervenção tratado com AAM individualizado; (5) ECR. As publicações excluídas foram: (1) estudos avaliando apenas a percepção do efeito colateral pelo paciente nessa modalidade de tratamento (ensaios sem desfechos clínicos); (2) estudos com grupo intervenção tratado simultaneamente com protrusão mandibular e retentor de língua. A estratégia de busca não se restringiu a ECRs, para que as listas de referências de todos os artigos obtidos fossem pesquisadas manualmente.


FONTES DE INFORMAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE BUSCA:
Realizou-se uma busca eletrônica no PubMed e na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que inclui as bases de dados LILACS, MEDLINE e The Cochrane Libraryem suas buscas, até outubro de 2016. Na estratégia de busca para o PubMed, foram utilizados medical subject headings (MeSH) e subheadings. Foram empregados termos de pesquisas similares nas outras bases de dados. Além disso, a lista de referências dos artigos de revisão considerados relevantes e dos estudos elegíveis foi revisada para se localizar artigos adicionais que pudessem não ter sido descobertos nas buscas. Nenhum limite foi aplicado nas estratégias de busca.


SELEÇÃO DOS ESTUDOS:
No primeiro passo do processo de seleção, as publicações duplicadas foram excluídas e dois revisores examinaram, de forma independente, os títulos e os resumos, para identificar artigos completos cujo objetivo principal fosse avaliar os efeitos colaterais no complexo craniofacial do avanço mandibular para tratar a AOS. Qualquer discordância entre eles foi resolvida por um terceiro revisor. Os mesmos dois autores avaliaram os textos completos dos artigos de forma independente e aplicaram os critérios de inclusão listados anterior-mente. Não houve restrição de idioma, e artigos escritos em língua diferente da inglesa seriam traduzidos.

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