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Efeitos dos agentes clareadores na adesão da resina composta

Efeitos dos agentes clareadores na adesão da resina composta ao esmalte e dentina e o uso do ascorbato de sódio como alternativa para minimizá-los

O presente estudo tem como objetivo colaborar com os profissionais da área da Odontologia por meio de uma revisão de literatura que visa descrever o processo de clareamento dental e os procedimentos de adesão da resina composta às estruturas dentárias, descrever e analisar os efeitos dos agentes clareadores na resistência adesiva dos dentes clareados através do relato de pesquisas e propor soluções para reverter ou minimizar estes efeitos.

Introdução

Com a estética ganhando um espaço cada vez maior na odontologia, a técnica de clareamento dental representa uma alternativa para manter a harmonia da cor para o equilíbrio estético do sorriso. Apesar de ser conservadora e não promover desgaste de estrutura dentária, possui uma grande limitação, que é a sua natureza pouco previsível e o fato de não se conhecer todos os riscos envolvidos no tratamento 1.

O clareamento dental é realizado com um agente químico oxidante instável, normalmente o peróxido de hidrogênio ou o peróxido de carbamida em diferentes concentrações, dependendo do procedimento. Como a ação clareadora desses agentes se limita ao dente, pode ser necessária a troca de restaurações ou próteses. Sendo assim, em muitos casos precisa-se realizar procedimentos de adesão 1, 2, 3. Diversas pesquisas demonstram os efeitos desses agentes clareadores nas características mecânicas e morfológicas das interfaces adesivas dos dentes clareados, onde ocorrem alterações nos valores de resistência de união ao esmalte e à dentina. Na tentativa de reverter este quadro, alguns autores criaram a hipótese de usar um antioxidante, no caso o ascorbato de sódio, e conseguiram bons resultados com este tratamento 4, 5.

O presente estudo foi elaborado a fim de colaborar com os profissionais da área da Odontologia por meio de uma revisão de literatura que visa descrever o processo de clareamento dental e os procedimentos de adesão da resina composta às estruturas dentárias, descrever e analisar os efeitos dos agentes clareadores nas interfaces adesivas dos dentes clareados por meio do relato de pesquisas e propor soluções para reverter ou minimizar estes efeitos.

Revisão de Literatura

Clareamento Dental

A aparência do dente depende de suas propriedades de absorção e reflexão de luz, e é influenciada por todas as estruturas que o compõe. Qualquer mudança nessas estruturas durante a formação ou desenvolvimento do dente e após sua erupção pode causar uma mudança nas suas propriedades de transmissão de luz, provocando mudanças na sua cor 6.

A Odontologia Estética se tornou popular a partir de 1800, mas somente em 1848 começou a ser praticada a técnica de clareamento dental em dentes não-vitais, que era o principal foco da literatura até então. Em 1868, começou a ser feita a técnica de clareamento em dentes vitais no consultório, e o agente clareador essencialmente usado era o peróxido de hidrogênio. O clareamento dental caseiro só foi relatado em 1960, por meio de uma técnica que usou com sucesso o peróxido de carbamida 10% em uma moldeira individual 7. No entanto, ficou popularmente conhecido apenas em 1989, quando foi descrita a técnica de clareamento caseiro com moldeira individual, usada à noite, com supervisão periódica do Dentista 8. Desde então numerosas técnicas e produtos que dizem promover o clareamento dos dentes foram introduzidos e as questões que envolvem sua efetividade e segurança ainda não estão totalmente esclarecidas 7.

O peróxido de hidrogênio em concentrações variadas é o agente primário usado no processo de clareamento dental, sendo uma substância oxidante muito poderosa, que age clivando as ligações duplas do pigmento para quebrar em moléculas pequenas o suficiente para se difundir para fora do dente, ou formar moléculas que absorvem menos luz, fazendo com que o dente pareça mais claro 9. Quando associado à uréia, forma o peróxido de carbamida, usado predominantemente no clareamento caseiro. Essa ligação é fraca e facilmente quebrada na presença de água, onde aproximadamente 30% de seu conteúdo é liberado na forma de peróxido de hidrogênio, que é considerado sua parte ativa. Os outros 70% são liberados na forma de uréia, que vai promover o aumento do pH do ambiente, facilitando o procedimento de clareamento 6, 7.

Existem muitas técnicas de clareamento dental atualmente. Basicamente, elas usam o mesmo componente, mas as doses administradas e a concentração dos produtos diferem. Podem ser classificadas de acordo com o envolvimento de dentes vitais ou não-vitais, e se o procedimento é realizado no consultório ou se é caseiro, sendo ambos supervisionados pelo profissional 9. O clareamento caseiro com moldeira individual é uma técnica simples, de fácil aplicação e com baixo custo. Utiliza agentes clareadores de baixa concentração, reduzindo as chances de efeitos adversos. Essa técnica requer maior tempo de aplicação e não é efetiva em manchas muito escuras, como as provocadas por tetraciclina, e manchas brancas e opacas. Já a técnica de clareamento de consultório possui custo maior, e um menor tempo de aplicação é necessário, apesar do atendimento clínico ser de maior duração. Ao contrário do caseiro, não dispensa a colocação de barreira com a intenção de proteger os tecidos moles do paciente, pois os agentes clareadores usados possuem uma concentração muito alta 10. Por ser relativamente de fácil aplicação, os métodos de clareamento têm sido bastante difundidos, e por isso, precisam ser controlados. Quando usados corretamente, esses métodos geram somente menores consequências, enquanto os abusos da técnica podem trazer riscos maiores 6, 9.

Apesar de sua real eficácia, deve existir um equilíbrio entre a necessidade do tratamento e os riscos envolvidos. O tratamento sendo feito repetidamente tende a promover efeitos adversos, tais como: sensibilidade dental, alterações pulpares, alterações na superfície do esmalte, efeitos sobre os materiais restauradores, danos à mucosa oral, reabsorção externa e/ou interna e efeitos genotóxicos e carcinogênicos 9. Além disso, tem sido observada uma grande redução na força de união das restaurações adesivas confeccionadas logo após a ação do agente clareador 6.

Adesão aos tecidos dentários

A adesão aos tecidos dentários surgiu a partir de um procedimento que marcou a história da Odontologia: o condicionamento ácido. Essa técnica possibilitou a realização de restaurações  estéticas e procedimentos menos invasivos, mudando os conceitos de preparo cavitário na Odontologia. Este termo inclusive caiu em desuso pelo fato de os preparos para restaurações adesivas não terem finalidade mecânica, e sim biológica e, muitas vezes, estética. Por meio dos procedimentos adesivos é possível obter uma retenção adequada das restaurações, o reforço da estrutura dentária, e até mesmo a diminuição da microinfiltração, possibilitada pelo bom selamento marginal obtido quando a técnica é realizada em margens de esmalte. No entanto, uma de suas maiores desvantagens é a contração de polimerização. Como os materiais adesivos tendem a se contrair em direção à região de maior adesão, quando um grande número de paredes está envolvido na restauração, há a formação de tensões, que podem promover fendas nas margens das restaurações 11.

O marco principal na introdução da adesão na Odontologia foi o trabalho publicado em 1955 por Buonocore 12, cujo objetivo foi aumentar a adesão na superfície de esmalte. Ele preconizou a aplicação do ácido fosfórico a 85% por 30 segundos na superfície do esmalte, lavando em seguida. Obteve como resultado um aumento significante na adesão, e concluiu que este aumento ocorreu por fatores importantes, como a formação de  irregularidades na superfície do esmalte e o grande aumento da energia de superfície do dente pela ação do ácido. Posteriormente foi comprovado, por meio da análise pela microscopia eletrônica de varredura, que a superfície do esmalte condicionada com ácido fosfórico a 37% por 2 minutos apresenta a mesma aparência e rugosidade que a condicionada por 15 segundos 13. Foi observado também que a união da superfície do esmalte com os materiais resinosos é micromecânica, e se dá pela formação de tags resinosos.

A realização do condicionamento ácido na dentina continuou controversa pela possibilidade de promover injúrias pulpares, já que o ácido promoveria a exposição das fibras colágenas pela desmineralização da dentina, podendo atingir uma profundidade excessiva. No entanto, as injúrias pulpares causadas pelas restaurações com material resinoso não se dão pela aplicação do ácido fosfórico na dentina, e sim pela falta de selamento marginal dos sistemas adesivos 14. A união dos sistemas adesivos à dentina só foi potencializada com a introdução dos primers dentinários no mercado. A presença de umidade na dentina é não só permitida, como desejada, nos procedimentos de adesão. Isso se dá pela interação do solvente presente no primer com a água presente na superfície dentinária. O solvente além de tornar parte da água volátil, diminui sua tensão superficial, permitindo a entrada dos monômeros, que então se estabelecem não só na superfície dentinária, como na entrada dos túbulos 15. Esses monômeros possuem afinidade com os componentes do adesivo, que vão penetrar na teia de fibras colágenas previamente exposta pelo condicionamento ácido, fortalecendo a união micromecânica com a dentina, formando uma estrutura mista denominada camada híbrida 11.

Clareamento x Adesão aos tecidos dentários

Estudos estão sendo realizados envolvendo a questão dos efeitos dos agentes clareadores na força de união entre resinas compostas e a superfície de esmalte e dentina. A maioria deles comprovou que a aplicação de agentes clareadores nas estruturas dentárias promove uma redução significativa da resistência adesiva quando as restaurações de resina composta são realizadas imediatamente ou 1 dia após o clareamento dental 2, 3, 5, 16, 17, 18, 19, 20, 21.

Na clínica, a dentina não é exposta diretamente ao agente clareador, mas este promove um aumento da permeabilidade dentinária e penetra através da superfície dentária tanto em dentes hígidos quanto em  restaurados, formando uma espécie de reservatório. Com o término do tratamento, esses agentes vão ultrapassar a camada de esmalte, interferindo na interface dente-restauração 5. A redução da resistência adesiva está relacionada com o fato de que há a liberação de oxigênio dos agentes clareadores durante o processo de clareamento, sendo este conhecido por inibir a polimerização dos materiais resinosos. Com isso, há uma diminuição, ou mesmo inibição, da polimerização da camada adesiva em contato com a superfície tratada, causando defeitos na interface adesiva 21. Esses efeitos, no entanto, são completamente revertidos quando um tempo de espera é respeitado entre o final do clareamento dental e a realização da restauração adesiva. Alguns autores preconizam um tempo de 2 semanas entre os procedimentos 18, enquanto outros sustentam que 1 semana seria suficiente 17.

Estudos estão sendo realizados, levantando a hipótese de que esse comprometimento da adesão ao esmalte clareado pode ser revertido com o uso do ascorbato de sódio, que é uma substância antioxidante conhecida por estar presente na vitamina C. Esse tratamento é uma alternativa que ainda está sendo avaliada, mas que já se mostrou eficaz 4, 22, 23, 24, 25, 26. Com esse método, é eliminada a necessidade de esperar 1 ou 2 semanas para realizar os procedimentos adesivos restauradores no paciente que realizou o clareamento dental 15.

No entanto, existem controvérsias em relação ao tempo de aplicação, à concentração e à forma de apresentação do produto (gel ou solução). É importante que mais estudos sejam realizados no intuito de descobrir a melhor apresentação do ascorbato de sódio para o estabelecimento de um protocolo viável para utilização na clínica odontológica.

Discussão

O fato de que não se deve realizar procedimentos adesivos imediatamente após o clareamento dental é um consenso entre os autores 2, 3, 5, 16, 17, 18, 19, 20, 21, mas algumas divergências podem ser encontradas na definição do tempo de espera. Enquanto alguns autores sustentam que 2 semanas de espera seria um tempo satisfatório 18, outros reforçam que 1 semana seria o suficiente para reverter os efeitos do gel clareador na dentina e no esmalte 17.

Alguns estudos apontam também diferenças na resistência de união da resina composta ao dente comparando produtos com diferentes concentrações, quando os dentes foram restaurados imediatamente após o clareamento dental. O trabalho realizado por TITLEY, TORNECK & RUSE 5, mostrou que a exposição do esmalte ao peróxido de carbamida a 10% promove uma redução significativa na resistência adesiva. No entanto, essa redução foi menor quando comparada com os resultados dos testes com peróxido de hidrogênio 35% em um estudo realizado anteriormente 20, sugerindo que quanto maior a concentração do produto, menor será a resistência de união da resina composta ao esmalte e dentina.  Em relação ao clareamento não-vital, foi observado que os dentes clareados com peróxido de carbamida 37% apresentaram maior resistência adesiva ao cisalhamento que os clareados com perborato de sódio 18. Contrastando com estes estudos, outros autores não observaram diferença significativa entre variadas concentrações de peróxido de carbamida testadas 16 e entre o peróxido de hidrogênio 35% e o peróxido de carbamida 10% 19, tornando o tema ainda controverso.

Em um estudo mais recente, foram avaliados diferentes produtos (gel de peróxido de carbamida 10% e fitas de peróxido de hidrogênio 6,5%), e observaram se há diferença de resistência adesiva à tração entre dentes com a superfície intacta e dentes que tiveram a superfície polida antes da restauração, nos grupos restaurados imediatamente após o clareamento 21. Os resultados mostraram que não houve diferença em relação às diferentes concentrações, estando de acordo com outros estudos 16, 19, e que não houve diferença em relação ao polimento ou não da superfície do dente antes da restauração, descartando este procedimento como técnica para minimizar os efeitos clareamento dental.

Com o intuito de evitar o tempo de espera e recuperar a resistência de adesão, possibilitando que os procedimentos adesivos sejam realizados imediatamente após o clareamento, o uso de antioxidantes foi preconizado. No entanto, a concentração, o tempo de aplicação e a forma de apresentação do produto ainda não foram totalmente elucidados.

Estudos in vitro demonstraram que a redução da resistência adesiva após o clareamento foi revertida quando o ascorbato de sódio a 10% foi aplicado por 3h 4, 22. No entanto, cabe ressaltar que um tempo de aplicação de 3 horas não torna o procedimento clínico viável. Além disso, observou-se que a forma do ascorbato de sódio, gel ou solução, não influenciou na efetividade do tratamento, assim como sua concentração em gel (10% ou 20%) 4, 22.

Alguns autores testaram tempos diferentes, variando de 10 a 480 minutos de aplicação 23, no intuito de definir o melhor tempo de aplicação do gel de ascorbato de sódio a 10% no esmalte. Os resultados demonstraram que 2 horas seria suficiente para o antioxidante fazer efeito. Foi ainda sugerido que a aplicação fosse feita pelo próprio paciente, na moldeira individual usada para o clareamento caseiro, diminuindo o tempo clínico 22, 23. Isso foi possibilitado principalmente pelo fato de que a sua forma de apresentação em gel facilita a manipulação e o controle pelo paciente.

Outros estudos obtiveram resultados satisfatórios diminuindo ainda mais o tempo de aplicação do ascorbato de sódio a 10% para 10 minutos, sendo apresentado na forma de solução 24, 25, 26. Com isso, sua aplicação no consultório se tornou mais viável, apesar de ainda ser trabalhosa. O procedimento é realizado por meio do gotejamento de 1ml da solução por minuto no dente a ser restaurado, com constante agitação com um microbrush.

As divergências principalmente no tempo de aplicação do ascorbato de sódio sugerem que mais estudos devem ser realizados para estabelecer seu modo de uso na clínica.

Conclusão

O clareamento dental promove uma redução significante na resistência de união das estruturas dentárias às resinas compostas, devido à liberação lenta do oxigênio, que continua mesmo após o término do procedimento. Portanto, é necessário um tempo de espera de 1 a 2 semanas após o clareamento dental para a realização de procedimentos adesivos em esmalte e dentina. Uma alternativa que está sendo recentemente estudada é o tratamento com ascorbato de sódio que, por ser um antioxidante, promove um aumento da resistência de união, sem haver a necessidade desse intervalo de espera. No entanto, mais estudos devem ser realizados nesse âmbito, para a determinação de um protocolo de aplicação clínica simples e confiável, já que os tempos de aplicação, a concentração e a forma de apresentação do ascorbato de sódio ainda não são um consenso entre os pesquisadores.

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