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Detecção de fraturas radiculares verticais: uma investigação sobre o impacto da utilização de radiografias ortogonais e dissociadas pelos métodos convencional e digital

Resumo

Introdução: radiografias intrabucais são uma importante ajuda investigativa na detecção de alterações na raiz dentária, incluindo fraturas radiculares verticais (FRV). Objetivo: avaliar a capacidade de radiografias convencionais e digitais, ortogonais e dissociadas para detectar FRV em dentes que apresentam diferentes condições do canal radicular. Métodos: sessenta dentes foram divididos em três grupos, considerando-se a condição do canal (não obturado, obturado com guta-percha e obturado com guta-percha e pino metálico). Em cada grupo, dez dentes foram artificialmente fraturados e dez dentes (controles) não foram fraturados. Realizaram-se radiografias convencionais (Kodak) e digitais (placas de fósforo – VistaScan Durr Dental) ortogonais e horizontalmente dissociadas. Usando um teste cego, três observadores calibrados realizaram avaliações em quatro tempos distintos. Valores modais foram utilizados para calcular a sensibilidade, especificidade e acurácia. A área sob a curva ROC (aucROC) e intervalos de confiança (IC ) foram usados para comparar o desempenho entre os sistemas radiográficos, bem como a influência de imagens ortogonais e combinadas (ortogonal mais dissociadas). Resultados: radiografias combinadas (ortogonal + dissociadas) apresentaram maior aucROC para ambas as imagens convencionais e digitais. Os ICs mostraram diferenças estatisticamente significativas entre as radiografias convencionais ortogonais e digitais combinadas (IC: 0,403 - 0,697 e 0,767 - 0,967, respectivamente). Além disso, quando apenas incidências ortogonais foram consideradas, radiografias digitais proporcionaram melhores resultados do que as convencionais (IC: 0,622 - 0,878 e 0,403 - 0,697, respectivamente). Conclusão: a forte tendência de melhores resultados dos testes de diagnóstico proporcionados pelas radiografias digitais sugere que o sistema digital, utilizando projeções combinadas, é mais apropriado para investigar FRV do que o convencional.

 

Palavras-chave: Diagnóstico. Endodontia. Radiografia dentária.

 

 

Introdução

Radiografias intrabucais são, na maioria dos casos, o primeiro auxílio investigativo na detecção de complicações endodônticas, incluindo fraturas radiculares verticais (FRV)1,4. Nas últimas décadas, a radiografia digital tem substituído o método convencional5. Esse sistema apresenta algumas vantagens em relação ao convencional, como a facilidade de processamento, armazenamento e troca de informações de dados, bem como a possibilidade de pós-processamento da imagem5,6. Independentemente do sistema, a técnica tem um papel importante no diagnóstico preciso: a imagem radiográfica mostrará uma linha radiolúcida quando o feixe central de raios X for direcionado paralelamente à linha de fratura. Portanto, a adoção de diferentes incidências é recomendada para aumentar as chances de detecção da FRV7.

O diagnóstico correto da FRV é baseado nos achados clínicos e radiográficos. Na avaliação radiográfica, a condição do canal radicular (obturado ou não obturado), o sistema utilizado para a aquisição de imagens (convencional ou digital), bem como o número de imagens radiográficas adquiridas são importantes e podem interferir no diagnóstico. Portanto, esse estudo comparou a acurácia diagnóstica das imagens digitais e convencionais usando radiografias ortogonais e combinadas (ortogonal + dissociadas) para investigar FRV em dentes com diferentes condições do canal radicular.

 

Material e Métodos

O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul aprovou a presente pesquisa. Sessenta dentes unirradiculares extraídos foram cortados na junção cemento/esmalte e as raízes foram inseridas em blocos de resina acrílica para garantir a estabilidade dos fragmentos após a fratura. A fim de simular a resiliência do ligamento periodontal, uma camada fina de cera foi usada para cobrir as raízes. Os dentes foram aleatoriamente divididos em três grupos (n = 20) de acordo com a condição do canal radicular: não obturado, endodonticamente obturado com guta-percha e endodonticamente obturado com guta-percha e pino metálico. Dez dentes de cada grupo foram fraturados (grupo de teste) usando um cinzel posicionado no interior do canal radicular, e dez não foram fraturados (grupo controle). A inspeção visual com magnificação confirmou a presença ou ausência de FRV e estabeleceu o padrão-ouro.

As radiografias convencionais e digitais foram adquiridas usando aparelho de raios X intrabucal (Dabi Atlante, Spectro 70X, 127kV, 7,5mA e 50/60Hz). Radiografias ortogonais (0°) e horizontalmente dissociadas (15° de deslocamento mesial e distal) foram realizadas de toda a amostra, totalizando 360 imagens. As radiografias convencionais foram feitas usando filmes odontológicos intrabucais D-Speed (0,4s; Kodak, Rochester, EUA), processadas em uma máquina automática (DENT-X 9000, Elmsford, EUA). As radiografias digitais foram feitas usando placas de fósforo do Sistema VistaScan (0,3s; Dürr Dental, Bietigheim Bissingen, Alemanha).

As radiografias convencionais foram inspecionadas em negatoscópio equipado com uma máscara escura, em uma sala com luz controlada. As radiografias digitais foram armazenadas e visualizadas no software DBSWIN 5.3.0 (Dürr Dental, Bietigheim Bissingen, Alemanha), que inclui algumas ferramentas de visualização e filtros para pós-processamento. A Figura 1 mostra as radiografias ortogonais e dissociadas de três dentes fraturados, exibindo diferentes condições do canal radicular.

Usando um testo cego, três examinadores calibrados (índice kappa ≥ 0,7) avaliaram as imagens para a presença ou ausência de FRV, usando uma escala dicotômica. A análise das imagens foi realizada em quatro passos, com intervalo de 15 dias entre: (I) radiografias ortogonais convencionais; (II) radiografias ortogonais digitais; (III) radiografias ortogonais e dissociadas convencionais; e (IV) radiografias ortogonais e dissociadas digitais. As avaliações de sensibilidade, especificidade e acurácia foram realizadas com base no valor modal (o diagnóstico mais prevalente entre os três examinadores). A área sob a curva ROC (aucROC) e o intervalo de confiança (IC de 95%) foram calculados para cada condição e utilizados para comparar o desempenho do sistema radiográfico e o efeito da dissociação radiográfica horizontal.

 

Resultados

Os valores de sensibilidade, especificidade e de acurácia de cada sistema radiográfico em cada grupo de condição do canal radicular, em conjunto com a média da aucROC e IC para cada técnica radiográfica, são mostrados na Tabela 1. Imagens combinadas melhoraram a acurácia do diagnóstico, independentemente da condição do canal, em ambos os sistemas radiográficos. No entanto, a acurácia foi ainda maior quando foram analisados os dentes com canais vazios.

A análise da aucROC e respectivo IC revelou que imagens combinadas produziram bons resultados, semelhantes em ambos os sistemas radiográficos. Foi observada diferença estatística entre as radiografias convencionais ortogonais (IC: 0,403 – 0,697) e as radiografias digitais combinadas (IC: 0,767 – 0,967). Além disso, também foi observada uma forte tendência de melhores resultados com a avaliação das imagens digitais quando apenas radiografias ortogonais foram examinadas (IC para radiografias convencionais: 0,403 – 0,697, IC para radiografias digitais: 0,622 – 0,878).

 

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Discussão

Esse estudo avaliou dois sistemas radiográficos para detectar FRV em dentes com diferentes condições do canal radicular. Apesar da limitação dos estudos in vitro, caracterizados pela impossibilidade de avaliar as condições clínicas que ajudam a alcançar o diagnóstico correto, o método empregado objetivou reproduzir as condições observadas nos alvéolos dentários. Assim, puderam ser reproduzidos: a resiliência do ligamento periodontal, a aleatoriedade da orientação dos traços de fratura e a estabilidade dos fragmentos. Além disso, a avaliação das imagens foi realizada em uma sequência passo a passo (faseada), inicialmente somente as radiografias ortogonais e, na sequência, as imagens combinadas (ortogonal + dissociadas), reproduzindo o que deve ser realizado na prática diária. Assim, o benefício da adição de imagens pode ser estimado.

A literatura ainda é controversa sobre o benefício das imagens digitais no diagnóstico, quando comparadas com o sistema convencional nas diversas especialidades odontológicas8-11. Alguns trabalhos têm sugerido que o pós-processamento das imagens digitais pode melhorar a precisão do diagnóstico9,12,13,14. O presente estudo mostrou maiores valores de especificidade, sensibilidade e acurácia por meio de radiografias digitais, embora sem diferença estatística, independentemente da condição do canal radicular. Os melhores resultados observados para o sistema digital podem estar relacionados ao pós-processamento da imagem, uma vez que os examinadores foram autorizados a usar as ferramentas disponíveis. Por outro lado, outros estudos comparando imagens digitais e convencionais para detectar FRV encontraram resultados semelhantes15,16,17.

Sabe-se que os materiais endodônticos ou pinos metálicos podem afetar o diagnóstico correto da FRV, já que eles podem imitar ou ocultar a linha de fratura17. Corroborando outros autoress18,19, maior sensibilidade foi observada em dentes sem obturação. A especificidade foi semelhante entre os sistemas, independentemente da condição do canal radicular, sugerindo que, em caso de dúvida, o examinador tende a dar um diagnóstico negativo, aumentando, assim, as especificidades.

Os valores de IC e aucROC sugerem que as radiografias combinadas são melhores para diagnosticar FRV, independentemente do sistema radiográfico. Um estudo in vivo que investigou o diagnóstico de FRV encontrou uma sensibilidade média de 0,23, um valor considerado muito baixo20. Dessa maneira, é possível deduzir que esse resultado possivelmente ocorreu porque os autores utilizaram apenas uma incidência radiográfica para o diagnóstico. Em uma tentativa de aumentar a capacidade diagnóstica das imagens intrabucais, outros estudos também realizaram três incidências15,17,18. Kambungton et al.15 compararam os resultados obtidos com as radiografias ortogonais e combinadas; no entanto, todas as três imagens foram visualizadas ao mesmo tempo, o que pode ter aumentado a acurácia para a projeção ortogonal. O presente estudo também comparou o desempenho na avaliação de uma ou três imagens em cada momento, mas com uma abordagem passo a passo, que se acredita ser mais consistente com o que acontece na clínica odontológica. Portanto, se uma radiografia não mostra a linha de fratura, sem dar diagnóstico conclusivo, uma segunda, mesialmente ou distalmente angulada, deve ser realizada. Se a dúvida persistir, uma terceira radiografia com dissociação para o lado oposto deve ser realizada, a fim de explorar plenamente o método radiográfico.

Na tentativa de superar as limitações das radiografias com relação à sobreposição de estruturas, o desenvolvimento da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) aumentou substancialmente a solicitação de imagens tridimensionais na Odontologia, incluindo a busca de FRV. Alguns estudos in vitro relataram melhores valores de sensibilidade na avaliação de TCFC em dentes com canais radiculares vazios15,18,21,22,23, o que não é verificado no caso da presença de guta-percha ou pino metálico18,21. Quando os valores de especificidade são analisados, os resultados provaram ser semelhantes entre os métodos15,23. Além disso, é importante ter em mente que, tão importante quanto o diagnóstico da patologia em si, é o quanto o exame por imagem pode alterar o planejamento de tratamento24,25, especialmente quando há um aumento importante em relação à dose de radiação recebida pelo paciente26,27. Essa atitude reforça a indicação radiográfica para pesquisa de FRV e mostra que a técnica não deve ser limitada a uma radiografia ortogonal, revelando a importância das incidências dissociadas horizontalmente, como uma ferramenta de diagnóstico. Além disso, quando os sistemas digitais e convencionais são comparados, a dose de radiação mais baixa para o método digital deve ser vista como uma importante vantagem28,29.

 

Conclusão

A radiografia digital, utilizando projeções ortogonais e horizontalmente dissociadas, foi considerada um sistema adequado para o diagnóstico radiográfico da FRV, proporcionando valores mais elevados de acurácia, quando comparada com o sistema convencional.

 

Como citar este artigo: Silva L, Silveira PF, Vizzotto MB, Liedke GS, Silveira HLD, Silveira HED. Detection of vertical root fractures: An investigation on the impact of using orthogonal and dissociated radiographs in conventional and digital systems. Dental Press Endod. 2014 Jan-Apr;4(1):46-50.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Recebido: 11/11/2013. Aceito: 22/11/2013

Endereço para correspondência: Gabriela Salatino Liedke

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E-mail: gabiliedke@yahoo.com.br

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