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Crescimento transversal dos maxilares durante e após a terapia com Bionator: estudo com implantes metálicos

Introdução: esse estudo envolve a avaliação de telerradiografias posteroanteriores pré- e pós-tratamento com Bionator, bem como, em longo prazo, de pacientes Classe II divisão 1.

Objetivo: o objetivo desse trabalho é demonstrar o crescimento transversal da maxila e mandíbula durante e após o uso do Bionator.

Métodos: as mensurações das distâncias transversais entre os implantes posteriores da maxila e mandíbula, bem como as das distâncias entre os pontos jugal, gônio e antigônio, foram tomadas em três tempos: T1, antes da terapia com Bionator; T2, após a terapia como Bionator; e T3, 5,74 anos após T2.

Resultados: ocorreu aumento transversal estatisticamente significativo por crescimento e/ou por tratamento em todas as variáveis estudadas, com exceção da distância entre os implantes anteriores da maxila.

Conclusões: durante o período do estudo, somente a região anterior da maxila não apresentou crescimento transversal.

Palavras-chave: Aparelhos ativadores. Má oclusão de Angle Classe II. Desenvolvimento maxilofacial.

 

INTRODUÇÃO

Poucos estudos avaliando o crescimento transversal da face foram conduzidos até os dias de hoje, principalmente quando em comparação com os estudos do crescimento sagital. Isso se deve a problemas conhecidos, como a dificuldade na identificação e a consequente reprodutibilidade dos pontos cefalométricos18,21, a padronização do posicionamento da cabeça11,20, a ampliação radiográfica9,11,15,27 e a padronização da amostra19. Nos últimos anos, alguns trabalhos avaliaram o crescimento do esqueleto facial sem a interferência de aparelhos ortopédicos funcionais9,10,13,16,17,25. Vários trabalhos demonstraram o potencial de aumento no crescimento transversal dos maxilares pelo uso de aparelhos funcionais1,8,12,14,23,26, e três deles12,14,26 acompanharam longitudinalmente os pacientes após o tratamento, mas sem avaliação radiográfica. Os trabalhos longitudinais com implantes metálicos conduzidos até o momento são referentes a pacientes Classe I com ou sem tratamento4,5,10,17, ou de amostras mistas16.

Os estudos cefalométricos em telerradiografias com implantes metálicos já provaram ser o método mais eficaz de se avaliar longitudinalmente o crescimento craniofacial3,5 devido à dificuldade de identificação dos pontos cefalométricos e pela variável remodelação que ocorre na superfície dos maxilares.

O objetivo desse trabalho é avaliar, por meio de radiografias posteroanteriores, o crescimento transversal dos maxilares e sua relação com o tratamento durante e seis anos após a utilização do aparelho funcional Bionator de Balters em pacientes portadores de implantes metálicos.

 

Material e métodoS

A amostra tratada consistiu de 25 pacientes que fizeram uso do Bionator (15 meninos e 10 meninas), participantes de um estudo anterior1 e tratados na Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Araraquara / UNESP. Cada um deles apresentava Classe II esquelética com retrusão mandibular avaliada clinicamente, os incisivos superiores e inferiores irrompidos ou em erupção, mordida profunda, ausência de perdas dentárias, ausência de apinhamento e/ou mordida cruzada posterior. Também apresentavam implantes metálicos inseridos na maxila e na mandíbula, em número de quatro e três, respectivamente, conforme proposto por Björk6,7. Da amostra original de 25 pacientes (média de idade de 9,2 anos) foi possível obter radiografias em longo prazo de 13 pacientes (9 meninos e 4 meninas), com média de idade de 16,95 anos. Os demais pacientes não puderam ser contatados. Na amostra final, o paciente 4 não apresentava os implantes posteriores da maxila no T3 e da mandíbula no T1; o paciente 1 não apresentava um implante anterior da maxila no T3; e o paciente 12 não apresentava um dos implantes posteriores da mandíbula. A Tabela 1 mostra a idade e o sexo da amostra, e a Tabela 2 caracteriza a amostra.

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Telerradiografias laterais e posteroanteriores foram obtidas em três períodos de tempo: T1, ao início do tratamento com o Bionator; T2, ao final da terapia com Bionator; e T3, 5,74 anos, em média, depois de T2. As telerradiografias foram traçadas manualmente e os pontos cefalométricos foram digitalizados duas vezes no programa Dentofacial Planner Plus (DFP Plus, versão 2.0, Toronto, Canadá) por um mesmo examinador, e a média das digitalizações foi utilizada para mensurações cefalométricas. Os pontos cefalométricos utilizados na telerradiografia posteroanterior são descritos na Tabela 3 e Figura 1.

O crescimento transversal foi calculado pela distância linear transversal entre os pontos cefalométricos do lado direito e esquerdo. Correções para ampliação nos aumentos lineares transversais foram necessárias antes de tabular os dados do crescimento, pois embora as telerradiografias posteroanteriores tenham sido feitas com cefalostato, a ampliação radiográfica da região dos implantes metálicos é diferente da região do plano do centro do meato acústico por estar mais próxima do filme radiográfico, principalmente os implantes anteriores da maxila. Outra razão para a correção é que com o crescimento facial os maxilares se deslocam para frente, levando consigo os implantes metálicos, aproximando-os ainda mais do filme radiográfico. Essas variações na ampliação radiográfica foram corrigidas matematicamente por uma combinação de informações da telerradiografia lateral e da posteroanterior, utilizando a correção preconizada por Hsiao et al.15

Um sistema de referência, composto pelo plano horizontal de Frankfort e por uma linha vertical perpendicular a partir do pório, construído em cada telerradiografia lateral, permitiu o cálculo da distância da posição da média dos implantes até o plano do centro do meato acústico (Fig. 2).

De posse dessas medidas, foi possível o cálculo da ampliação radiográfica na região dos implantes metálicos para cada paciente com base na fórmula descrita por Hsiao et al.15: distância real interimplantes = distância radiográfica interimplantes x distância foco-oliva + distância oliva-implante / distância foco-filme (Fig. 3).

 

 

 

As seguintes medidas transversais foram realizadas:

» IPMX D – IPMX E: distância interimplantes posteriores da maxila.

» IAMX D – IAMX E: distância interimplantes anteriores da maxila.

» JD – JE: distância interjugal, referente à largura da maxila.

» IPMD D – IPMD E: distância interimplantes posteriores da mandíbula.

» Go D – Go E: distância intergoníaca, referente à largura mandibular no ponto Go.

» Ag D – Ag E: distância interantigoníaca, referente à largura mandibular no ponto Ag.

 

Análise estatística

A média e o desvio-padrão foram calculados para cada variável e usados para descrever a tendência central e dispersão. As diferentes variáveis apresentaram distribuição normal e o teste t de Student foi usado para avaliar a significância das mudanças durante os diferentes períodos de avaliação(T2–T1, T3–T2, e T3–T1). O nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05. Todos os cálculos foram feitos por meio do programa SPSS for Windows (versão 10.0, SPSS Inc., Chicago, EUA).

 

Erro do método

Para avaliar o erro na localização dos pontos cefalométricos e nos procedimentos de digitalização, todos os traçados foram redigitalizados pelo mesmo examinador após duas semanas. O erro casual foi avaliado usando a fórmula de Dahlberg e os erros sistemáticos foram avaliados usando teste t pareado. O erro casual do método (fórmula de Dahlberg) não excedeu 0,33mm. O teste t pareado não demonstrou erro sistemático estatisticamente significativo.

Resultados

A Tabela 4 mostra as dimensões transversais da maxila e da mandíbula nos três períodos de avaliação.

A Tabela 5 mostra que houve aumento estatisticamente significativo das distâncias transversais dos maxilares na região dos pontos cefalométricos anatômicos (Go, Ag e J) e dos implantes em todos os períodos avaliados, exceto na região dos implantes anteriores da maxila, que não apresentou crescimento estatisticamente significativo em nenhum momento. Os menores ganhos obtidos foram na distância entre implantes mandibulares, e os maiores foram encontrados na distância intergoníaca.

Discussão

Se, por um lado, o tamanho da amostra não pode ser considerada representativa da população, em um senso estatístico, por outro lado, devido à presença dos implantes metálicos, uma análise detalhada pode fornecer informações sobre o crescimento facial16.

Estudos com radiografias posteroanteriores apresentam algumas limitações, como a variabilidade da ampliação da dimensão transversal projetada9,16,22, o problema da padronização de posicionamento da cabeça ao cefalostato16,22,25 devido a pequenas movimentações da cabeça para cima ou para baixo, e a dificuldade de identificação dos pontos16,18,22.

O problema da identificação dos pontos é corrigido quando se utiliza implantes metálicos. Já a variabilidade da ampliação foi corrigida individualmente para as distâncias entre implantes em cada tempo de avaliação, mas os problemas de padronização no posicionamento da cabeça são impossíveis de serem resolvidos em estudos como o presente, pois pequenos movimentos de cabeça para cima ou para baixo são inevitáveis14. Contudo, alguns estudos11,20 não encontraram diferenças estatisticamente significativas entre as medidas tomadas com desvios de até 10°.

O presente estudo confirma o aumento das bases ósseas e demonstra que o crescimento maxilar foi maior que o mandibular1,10,17. A distância entre os implantes posteriores da maxila aumentou mais que a distância entre os implantes anteriores, confirmando os achados de outros estudos4,5,10,17 e demonstrando que a maxila cresce mais na região posterior que na anterior, além de confirmar a existência de crescimento transversal até a idade estudada. O aumento médio da distância entre implantes posteriores da maxila em todo o período avaliado (T1-T3) foi de 3,77mm. Björk e Skieller5 encontraram aumento de 3mm nessa medida dos 10 aos 21 anos de idade; e, em um estudo anterior4, encontraram 2,8mm, dos 11 aos 19 anos de idade. O resultado do presente trabalho foi um pouco maior que os dos trabalhos deles, mas, considerando o desvio-padrão, os valores são os mesmo,s uma vez que também observaram grande variabilidade5. A quantidade de crescimento transversal maxilar entre os implantes, quando comparada com o aumento relativo ao ponto jugal, concorda com a literatura em voga4,5, confirmando a sutura palatina mediana como a principal responsável pelo crescimento transversal da maxila e, em menor expressão, a aposição óssea em outras áreas na totalização do crescimento transversal (Tab. 5).

O aumento transversal dos maxilares — diferencial entre a região anterior e posterior — implica em uma rotação transversal entre os lados4,5,10,17. A respeito da mudança de posição do centro de rotação transversal maxilar para posterior com a idade em função da imutabilidade da distância transversal maxilar anterior, nossos achados concordam com outro estudo10.

A Tabela 6 mostra que o crescimento anual da região posterior da maxila, no presente estudo, foi o maior entre os estudos que utilizaram implantes metálicos. Esse resultado pode estar associado à influência do padrão facial, já que pacientes com padrão de crescimento horizontal apresentam dimensões transversais da face maiores quando comparados a outros padrões27, podendo ser devido à amostra ser composta predominantemente por meninos, os quais apresentam larguras faciais maiores que meninas9,17,24,25,28 e/ou pela estimulação do crescimento transversal pelo uso do Bionator1,8. Durante o período de tratamento com o Bionator houve um aumento de 1,85mm na distância JD – JE, ao passo que outro estudo19 demonstrou aumento de 1,72mm durante o mesmo período em pacientes Classe II, divisão 1, e de 2,03mm em pacientes Classe I. Essa diferença pode ser reflexo da terapia empregada, já que, comparando as mesmas más oclusões, nossos resultados apresentaram valores maiores, mas menores se comparados com os pacientes Classe I. Todavia, deve-se salientar que pacientes Classe II apresentam a dimensão transversal maxilar menor que a de pacientes Classe I19. Além disso, a remodelação do ponto jugal durante esse período também foi maior que a encontrada em outros trabalhos2,9,13. Por ano, o aumento transversal entre os implantes maxilares calculado no mesmo período foi de 0,73mm. Em um ano de tratamento com o aparelho de Frankel, um estudo8 demonstrou 0,57mm de aumento em pacientes com idades e distribuição de sexo semelhantes aos do presente estudo. Comparando a um grupo controle e utilizando pontos cefalométricos anatômicos, semelhantemente ao nosso trabalho, eles concluíram que o tratamento foi capaz de aumentar as distâncias transversais basais da maxila. Como os valores de crescimento anuais do presente estudo — que utilizou o Bionator — foram maiores que os apresentados por esse outro estudo8, acreditamos que o Bionator também tem a capacidade de aumentar a base óssea maxilar, conforme resultado de estudo anterior1, embora não seja um aumento clinicamente significativo.

No presente estudo, durante a terapia com o Bionator o crescimento transversal basal mandibular foi de 0,66mm, mas outro estudo16, no mesmo período de avaliação, encontrou 0,46mm. Mesmo não sendo especificamente um grupo controle e mesmo que esses pacientes não foram pareados com os do presente trabalho em padrão facial e nem em má oclusão, poderíamos supor que o Bionator também teria a capacidade de aumentar a base óssea mandibular, quando utilizado por tempo suficiente. Essa informação já foi apresentada em outro trabalho1, que não encontrou aumento transversal mandibular estatisticamente significativo durante um ano de tratamento com o Bionator, mas observaram valores numéricos maiores no grupo tratado. Avaliando as mudanças anuais de crescimento nos dois períodos, observa-se que na fase de tratamento com o Bionator o crescimento transversal basal maxilar e mandibular foi de 0,73mm/ano e de 0,37mm/ano, respectivamente. Após a terapia, o crescimento normal mostrou 0,43mm/ano e 0,14mm/ano para a maxila e mandíbula, evidenciando a estimulação do crescimento pelo Bionator (Fig. 4 a 8). O aumento transversal basal mandibular é uma suposição, mas no nível dentário e dentoalveolar já foi identificado em estudos com aparelhos funcionais12,14,23,26. A largura dos implantes mandibulares aumentou 0,18mm/ano, valor semelhante ao encontrado em outro estudo10 com pacientes Classe I e mais velhos. Esse resultado pode representar que os pacientes Classe II têm menor potencial de crescimento transversal basal mandibular, mesmo sendo tratados em idade jovem; porém, alguns autores19 não identificaram diferença na mandíbula entre pacientes Classe I e Classe II.

Após a terapia com o Bionator, a remodelação no ponto jugal encontrada pelo presente estudo foi maior que a de diversos estudos em período de observação semelhante2,9,13,19,27. Diferentemente da maxila, a contribuição do crescimento basal no aumento transversal mandibular é menor que da remodelação10 (Tab. 5). Em relação à remodelação mandibular, após a terapia com o Bionator nossos resultados foram menores que os apresentados por outros trabalhos2,9,19,27 e, observando o crescimento da distância Ag D – Ag E durante a terapia com o Bionator, a quantidade de remodelação foi idêntica à encontrada, no mesmo período, por um trabalho9 (2mm), mas inferior à de outros trabalhos2,19,27. No entanto, os valores de crescimento anual obtidos durante o tratamento foram sistematicamente maiores que os ocorridos pós-tratamento (Fig. 4).

 

 

 

A distância transversal mandibular, tanto na região de gônio quanto de antigônio, avaliada em T3, foi menor que a apresentada por Lux et al.19 em pacientes com 15 anos de idade, fossem eles Classe I ou Classe II. Também foi menor que a de outros trabalhos2,13,27. Assim, nossos resultados sugerem que os pacientes Classe II, mesmo que tratados ortopedicamente, apresentam crescimento e dimensões transversais mandibulares menores que os pacientes Classe I, não confirmando o resultado de Lux et al.19, embora as diferenças de tamanho encontradas provavelmente tenham pouco significado clínico, uma vez que não foram maiores que 4mm. Além disso, a região goníaca sofre extensa remodelação durante o crescimento e é a dimensão transversal do terço inferior da face que mais cresce, apresentando, então, maior possibilidade de variação morfológica. Na Tabela 7 pode-se perceber a influência do sexo e da má oclusão no crescimento transversal mandibular, já que os menores crescimentos anuais estão relacionados a trabalhos cujas amostras apresentam pacientes do sexo feminino e/ou com má oclusão Classe II. Outro aspecto é que a comparação de valores normativos entre os trabalhos não é adequada devido à ampliação radiográfica. Alguns trabalhos fazem e outros não fazem menção à correção, e ainda há aqueles que afirmam ter realizado, mas não descrevem claramente o método utilizado. Devido a esses problemas, alguns trabalhos9,27 sugerem a utilização de proporção (JJ/AgAg) ao invés de valores normativos, pois assim se minimizaria o problema — embora não o eliminasse —, já que alguns centros fazem radiografias posteroanteriores com o plano de Frankfort paralelo ao solo e outros na posição de Frankfort inclinado em 35° para baixo.

Os achados do presente estudo são limitados pelo tamanho da amostra, por viés do potencial do tratamento e pela falta de grupo controle. Embora o tamanho da amostra seja pequeno, as probabilidades obtidas e altamente significativas (p < 0,001) sugerem que as mudanças de crescimento observadas são reais. Sendo assim, estudos adicionais com amostras maiores são necessários para providenciar melhores estimativas de variação de aumento transversal pelo crescimento. Há, também, a possibilidade da influência do tratamento subsequente ao Bionator no aumento transversal, embora seja pouco provável que aparelhos fixos convencionais tenham algum potencial de efeito ortopédico.

 

Conclusões

1) As bases ósseas maxilares e mandibulares parecem ser influenciadas pela terapia com Bionator no período de tratamento, voltando a ter um comportamento normal no período pós-tratamento.

2) O padrão de remodelação maxilar e mandibular seguiu a mesma tendência de crescimento transversal dos implantes metálicos.

3) Com a idade, o centro de rotação transversal da maxila desloca-se para posterior.

 

Como citar este artigo: Monini AC, Gandini Júnior LG, Maia LGM, Santos-Pinto A. Transverse maxillary and mandibular growth during and after Bionator therapy: Study with metallic implants. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):72-9.

Enviado em: 04 de janeiro de 2010 – Revisado e aceito: 20 de outubro de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Luiz Gonzaga Gandini Júnior

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CEP: 14.802-600 – E-mail: luizgandini@uol.com.br

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