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Existe correlação entre a densidade óssea alveolar e a sistêmica?

Objetivo: avaliar a correlação entre a densidade óssea alveolar maxilomandibular e a densidade mineral óssea sistêmica.

Métodos: a absorciometria duoenergética por raios X do osso alveolar maxilomandibular (região anterior e posterior), dos sítios sistêmicos padrões (coluna lombar e fêmur) e da terceira vértebra cervical foi realizada em 23 mulheres de meia idade. Radiografias periapicais dos incisivos superiores também foram obtidas com uma escala de alumínio como referência para a leitura digital da densidade óssea da região apical.

Resultados: o teste de correlação de Spearman revelou que a densidade da região apical foi correlacionada com a do colo femoral (r = 0,433; p < 0,05), a densidade óssea da região posterior mandibular e maxilar foram significativamente correlacionadas com a DMO da vértebra cervical (r = 0,554, p ≤ 0,01; e r = 0,423, p ≤ 0,05) e a da região maxilar anterior foi correlacionada com a mandibular posterior (r = 0,488, p ≤ 0,05).

Conclusão: a densidade óssea alveolar maxilar foi significativamente correlacionada com a do colo femoral. Entre as densidades ósseas das regiões alveolares, somente a anterior maxilar (AMx) e posterior mandibular (PMd) foram significativamente correlacionadas. Esse achado sugere que a densitometria óssea deveria ser individual e localmente avaliada.

Palavras-chave: Densidade óssea. Radiografia dentária. Densitometria.

 

INTRODUÇÃO

Na Odontologia, considera-se a necessidade de reflexão sobre a variação da massa óssea maxilomandibular e as diferentes respostas aos procedimentos odontológicos, como o movimento ortodôntico, instalação de implantes e tratamento periodontal1-13. Indivíduos adultos saudáveis ou com alterações sistêmicas, como a osteoporose (ainda que sob terapia medicamentosa), são os principais alvos dessas pesquisas, haja vista que esses têm buscado cada vez mais o tratamento odontológico nas diversas áreas.

Embora haja um padrão ouro para a avaliação da perda óssea sistêmica, não há uma definição de valores normativos para maxila e/ou mandíbula. Resultados divergentes têm sido encontrados em relação à correlação entre a massa óssea sistêmica (coluna, fêmur e rádio) e a maxilomandibular.

Vários estudos6,14-19 concluíram que a avaliação de alguns padrões morfológicos observados nos exames radiográficos odontológicos, como a espessura da cortical mandibular, o padrão trabecular, índice cortical e densidade óptica, são ferramentas promissoras como auxiliares do diagnóstico em osteoporose. Hildebolt20, em uma revisão da literatura, revelou que, embora nem todos os estudos tenham encontrado associação entre osteoporose e perda óssea dos maxilares, essa relação pode existir.

Tanaka et al.13 analisaram histomorfometricamente as mudanças estruturais do trabeculado ósseo mandibular em ratas ovariectomizadas. Os autores observaram que as mudanças osteoporóticas causadas pela deficiência de estrógeno e o aumento significativo nos espaços intertrabeculares do osso alveolar poderiam acelerar a reabsorção do osso alveolar e a perda dentária. Esse fato pode ser especialmente relevante em mulheres de maior idade afetadas por doença periodontal. Entretanto, Miyauchi11 não observou diferenças estatisticamente significativas entre as densidades em mulheres com periodontite na pré e na pós-menopausa.

Também na comunidade ortodôntica, há preocupação com relação às prováveis diferenças biológicas em resposta à movimentação ortodôntica. Uma série de estudos tem investigado o efeito do desequilíbrio hormonal no metabolismo ósseo e sua influência no movimento ortodôntico, enquanto outros têm pesquisado as consequências da administração de determinadas substância químicas21. A taxa de remodelação óssea é aumentada em ratos com osteoporose induzida, o que pode potencializar a movimentação ortodôntica1,2. Esses achados corroboram o movimento mais rápido encontrado em cães com alto turnover ósseo causado por hiperparatireoidismo secundário22, e em coelhos submetidos à condição de osteoporose induzida pela aplicação de corticoides23.

Considerando a carência de estudos sobre esse assunto e a divergência dos resultados encontrados, o objetivo do presente estudo foi acessar as correlações da densidade mineral óssea entre o osso alveolar maxilomandibular e a região apical dos incisivos superiores, do fêmur, da coluna lombar e da coluna cervical.

 

MATERIAL E Métodos

A amostra foi composta por 23 mulheres com idade entre 32,6 e 48,3 anos (média de 40,2 anos). Um consentimento esclarecido e assinado, a presença da maioria dos dentes nas arcadas dentárias, ausência de tratamento ortodôntico prévio e ausência de história de osteoporose e hiperparatireoidismo, foram os critérios de inclusão.

Todos os procedimentos foram devidamente aprovados pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá.

 

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As voluntárias foram submetidas ao exame de absorciometria duoenergética por raios X (DXA), realizado por um densitômetro Lunar Prodigy 8743 (GE Medical Systems).

Leituras densitométricas foram obtidas das seguintes regiões: fêmur total (FT), colo femoral (CF), primeira a quarta vértebra lombar (L1-L4), terceira vértebra cervical (C3), osso alveolar distal ao segundo molar inferior (PMd), osso alveolar entre as corticais da sínfise mandibular (AMd), osso alveolar apical aos incisivos centrais superiores (AMx) e osso alveolar distal ao segundo molar superior (PMx) (Fig. 1). Os valores densitométricos foram expressos quanto à quantidade de cálcio hidroxiapatita em gramas por centímetro quadrado (g/cm2).

Os exames para a área femoral e lombar seguiram um protocolo-padrão, reconhecido internacionalmente. Os exames para as áreas cervical e maxilomandibulares foram obtidos com a voluntária em posição de decúbito ventral, com a face esquerda encostada sobre a mesa do equipamento, de modo que o feixe radiográfico incidisse perpendicularmente ao plano sagital6,24.

 

 

As radiografias periapicais dos incisivos superiores foram obtidas com o aparelho radiográfico (RX Timex 70 C, Gnatus, Ribeirão Preto/SP) operando com 70kVp, 7mA e tempo de exposição de 0,25 segundos. Uma escala de alumínio (escala Al) 2 x 20 x 3,5mm com cinco degraus foi aderida na região apical, perpendicular à película (Agfa Dentus M2 Comfort). Para processar as radiografias, foram utilizadas soluções tipo revelador e fixador Kodak (Kodak do Brasil, São José dos Campos/SP). Essas foram processadas manualmente utilizando o método tempo-temperatura. O tempo de revelação foi determinado por uma tabela após verificar-se a temperatura do líquido (dois minutos no revelador com temperatura entre 20 a 26°C); a lavagem intermediária foi padronizada em 30 segundos e o tempo de fixação em 10 minutos25. As imagens radiográficas foram digitalizadas por um scanner com 400ppi de resolução (ArtixScan 18000F, Microtek, São Paulo/SP).

Com a ferramenta histograma do programa Adobe Photoshop CS2, delimitou-se uma região de interesse (RDI) em forma trapezoidal no osso alveolar ao redor do ápice de cada incisivo central superior, e estimou-se a densidade óptica dessas regiões em tons de cinza. Os tons de cinza medidos pelo programa variam de zero a 255; portanto, 256 diferentes tons são reconhecidos pelo programa, no qual o valor zero representa o preto e o valor 256 representa o branco.

Cada RDI consistiu de, aproximadamente, 2.000 pixels, de modo a não incluir as raízes, lâmina dura e espinha nasal. A leitura digital de cada degrau foi feita selecionando uma RDI retangular com, aproximadamente, 2.500 pixels (Fig. 2).

Utilizando a densidade óptica da escala de alumínio, a densidade óptica média do osso entre ambos os incisivos centrais pôde ser transformada em milímetros equivalentes de alumínio (mmEq/Al). Dessa forma, uma estimativa da massa óssea alveolar maxilar anterior (IS_mmEq/Al) foi obtida.

Todas as mensurações foram realizadas duas vezes por um mesmo examinador, com 15 dias de intervalo entre as leituras. A confiabilidade intraexaminador foi avaliada estatisticamente analisando-se a diferença entre as mediadas duplicadas nas imagens radiográficas e densitométricas de cada paciente. O erro do método foi calculado pela fórmula de Dahlberg:

 

 

Na equação, “d” é a diferença entre os pares de medidas e “n” é o número de pares de medidas15. O teste t de Student também foi aplicado: tons de cinza_IS (p = 0,96), tons de cinza_1º degrau (p = 0,92), 2º (p = 0,95), 3º (p = 0,94), 4º (p = 0,97), 5º (p = 0,93). Embora, estatisticamente, não tenha havido diferença entre a primeira e a segunda mensuração, a média de cada variável foi aplicada nos subsequentes testes estatísticos para amenizar o erro aleatório.

O examinador realizou as mensurações sem o conhecimento da identificação das voluntárias.

 

Analise estatística

O teste de correlação de Spearman foi aplicado entre todas as variáveis (FT, CF, L1-L4, C3, PMd, AMd, PMx, AMx e IS). Esse teste não paramétrico foi escolhido pelo tamanho reduzido da amostra e pela distribuição não normal dos dados (testes de Shapiro-Wilk e de Kolmogorov-Smirnov). Foram utilizados, para a análise estatística, os softwares Excel 2007 (Microsoft, EUA) e SPSS 10.0 (SPSS Inc., Chicago, EUA).

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta a média e o desvio-padrão da idade das participantes, valores densitométricos das oito regiões acessadas pela DXA (fêmur total, colo femoral, coluna lombar, vértebra cervical, osso alveolar das regiões anterior e posterior da maxila e mandíbula), bem como as densidades digitais do processo alveolar da região apical dos incisivos superiores.

A Tabela 2 mostra a matriz de correlação dos valores densitométricos de todas as regiões avaliadas (FT, CF, L1-L4, C3, PMd, AMd, PMx, AMx e IS). Houve correlação estatisticamente significativa entre IS e CF (r = 0,433; p < 0,05).

 

Discussão

Assim como na presente pesquisa, outros estudos também encontraram correlação entre a DMO sistêmica e a massa óssea alveolar avaliada por radiografias periapicais e obtida em mmEqAl15,19,26,27.

O osso trabecular é o mais suscetível a perda mineral28. Portanto, a avaliação das regiões que têm maior quantidade desse tipo de osso é importante para o entendimento da relação entre a condição óssea sistêmica e bucal26. A mandíbula é um osso predominantemente cortical, portanto, deveria ser comparada com outros ossos corticais, como rádio e fêmur. A maxila, um osso dominantemente trabecular, deveria ser comparada à coluna e ao colo do fêmur29.

De acordo com esse proposto, em um estudo prospectivo de 10 anos, alterações ósseas mandibulares foram correlacionadas com mudanças da DMO do rádio e ulna19. Além disso, a DMO da região anterior da maxila teve correlação significativa com a DMO da coluna lombar (r = 0,6; p < 0,05)30. No presente estudo, houve correlação significativa entre a densidade óssea do colo femoral e do osso alveolar da região apical dos incisivos centrais superiores (r = 0,433; p < 0,05).

Klemetti et al.31 encontraram uma considerável correlação entre a DMO da cortical mandibular distal ao forame mentoniano, determinada pela tomografia computadorizada e pela DMO do colo femoral e coluna lombar; no entanto, não houve correlação entre as porções trabeculares mandibulares.

O presente estudo revelou uma correlação significativa entre a DMO da vértebra C3 e a DMO sistêmica (fêmur total, colo femoral, coluna lombar) e a região alveolar posterior maxilar (r = 0,466, p ≤ 0,05), corroborando estudo prévio32, que também encontrou uma correlação significativa entre a terceira vértebra cervical e fêmur total (r = 0,63, p ≤ 0,001)32. Poucos estudos acessaram a DMO da coluna cervical e também encontraram uma correlação fraca ou ausente com a DMO mandibular.

 

Southard et al.26 relataram que a DMO do processo alveolar maxilar correlacionou-se com a DMO da coluna lombar (r = 0,53; p ≤ 0,001) e do fêmur (r = 0,39; p = 0,01), enquanto no presente estudo a DMO do processo alveolar da maxila foi correlacionada com a do colo femoral (r = 0,433; p < 0,05). Ambos os estudos relataram ausência de correlação entre DMO mandibular e DMO sistêmica. Os autores também reportaram correlação entre a DMO maxilar e mandibular (r = 0,57; p ≤ 0,001), enquanto o presente estudo encontrou correlação entre a DMO maxilar anterior e mandibular posterior (r = 0,488; p < 0,05). As divergências dos resultados encontrados podem ser explicadas, em parte, pelas diferenças de método para obtenção da DMO dos maxilares. No presente estudo, a radiografia periapical foi feita apenas na região anterior da maxila, e as demais regiões maxilomandibulares (PMd, AMd, AMx, PMx) foram acessadas pelo densitômetro DXA. Já no estudo de Southard et al.26, as densidades maxilares e mandibulares foram acessadas por radiografias periapicais da região anterior e interproximais da região posterior. Além disso, consideraram para as análises de correlação o valor médio calculado entre todas as regiões interproximais disponíveis (mesiais ao segundo molar), tanto para maxila quanto para mandíbula.

Lindh et al.30 demonstraram que, embora a densidade óssea da região anterior da maxila e a densidade óssea sistêmica possam ser semelhantes, mais estudos são necessários para investigar essa relação.

Corten et al.24 encontraram um coeficiente de variação de 0,5% em ex vivo e 3% in vivo dos valores densitométricos mandibulares obtidos pela DXA25. Os autores salientaram que um aperfeiçoamento poderia ser obtido por medidas repetidas, já que a exposição à radiação X é baixa. Entretanto, von Wowern34 encontrou alta precisão da DXA, tanto na mandíbula quanto na maxila.

A radiografia periapical nos permite selecionar a RDI com maior precisão em relação à DXA, favorecendo a seleção do osso alveolar trabecular, evitando a crista, lâmina dura, raiz dentária e outras estruturas; porém, ambos os métodos não proporcionam a avaliação discriminada do osso cortical e trabecular, como é realizado nas tomografias computadorizadas. Portanto, estudos com o objetivo de avaliar a densidade óssea para instalação de implantes8,30, ou até mesmo mini-implantes ortodônticos35, utilizam os exames tomográficos.

Corroborando a conclusão de que a DMO de um sítio não necessariamente reflete na densidade de outro6,8,30, dentre as regiões maxilomandibulares, apenas a AMx e PMd correlacionaram-se. O maior valor densitométrico médio foi da AMd (1,458g/cm2), seguida da AMx (1,401g/cm2), PMx (1,008g/cm2) e PMd (0,958g/cm2). Oliveira et al.8 encontraram maior DMO para a região mandibular anterior, seguida da maxilar anterior, mandibular posterior e maxilar posterior, obtidas por avaliação tomográfica computadorizada.

Em um estudo tomográfico mais detalhado35, foi verificado que a densidade óssea tende a diminuir com o aumento da profundidade, particularmente na região posterior. A densidade óssea média mostrou um progressivo aumento da região posterior para anterior, exceto para as regiões vestibulares mandibular, que não apresentaram diferença significativa. Uma comparação entre as faces vestibulares e linguais na mandíbula mostrou maiores valores densitométricos para a região anterior por lingual, e vice-versa para a região posterior. Por outro lado, não houve diferença entre as faces vestibulares e linguais na maxila. Uma comparação da densidade óssea média entre a maxila e a mandíbula mostrou maiores valores para mandíbula, e essas diferenças foram mais significativas para a região posterior por vestibular. Os autores concluíram que as diferenças das densidades ósseas, de acordo com a profundidade e região, deveriam ser consideradas para seleção e instalação dos mini-implantes para ancoragem ortodôntica.

Embora vários estudos tenham encontrado correlação entre a massa óssea alveolar maxilomandibular e a DMO sistêmica (coluna lombar, fêmur total, colo femoral e rádio), há divergências entre os métodos utilizados e a correlação específica das regiões avaliadas. Portanto, estudos adicionais são requeridos para que seja estabelecido um método padronizado com valores densitométricos alveolares normativos para o estabelecimento dessas correlações.

 

Conclusão

Com base nos resultados do presente estudo, conclui-se que:

» A densidade óssea alveolar maxilar foi correlacionada com a densidade óssea do colo femoral.

» Entre as densidades ósseas das regiões alveolares, somente a maxila anterior (AMx) e a mandíbula posterior (PMd) correlacionaram-se.

Diante disso, sugere-se que exames densitométricos sejam realizados individualmente para cada região alveolar de interesse.

 

 

Como citar este artigo: Scheibel PC, Ramos AL, Iwaki LCV. Is there correlation between alveolar and systemic bone density? Dental Press J Orthod. 2013 Sept-Oct;18(5):78-83.

 

Enviado em: 22 de junho de 2011 – Revisado e aceito: 08 de novembro de 2011

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Endereço para correspondência: Paula Cabrini Scheibel

Av. Dr Luiz Teixeira Mendes, 2266 – Maringá/PR

CEP: 87015-001 – E-mail: pscheibel13@gmail.com

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